Transgênicos
Aliança Global busca intervenção da ONU contra o cultivo do trigo transgênico HB4
Do Grain
Em 26 de janeiro de 2024, um coletivo de organizações do Sul Global formado por ativistas pela soberania alimentar, movimentos sociais de camponeses e povos indígenas e acadêmicos da América Latina, África e Ásia¹, enviou uma declaração em inglês, espanhol e português a sete Relatores especiais da ONU que tratam de direitos humanos e sua relação com o meio ambiente, alimentos, tóxicos, água e saneamento, pobreza, povos indígenas e saúde². O grupo solicita a intervenção urgente dos Relatores Especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) em relação ao trigo transgênico HB4, supostamente tolerante à seca, e ao agrotóxico glufosinato de amônio, desenvolvido pela empresa Argentina Bioceres.
Essa solicitação ocorre após a aprovação da produção comercial dessa variedade de trigo transgênico na Argentina, no Brasil e no Paraguai, e a importação desse trigo para a África do Sul, Colômbia, Nigéria, Nova Zelândia e Indonésia a partir de 2020. Ao que parece, a China acaba de anunciar sua autorização para a importação do Trigo da Argentina, o que sugere uma falha generalizada da governança de biossegurança em todo o mundo. Com base nas preocupações detalhadas na Carta conjunta enviada, solicitamos aos Relatores Especiais:
- Instar os governos da Argentina, Brasil e Paraguai a suspender/revogar todas as autorizações para o cultivo comercial do trigo transgênico HB4.
- recomendar ao governo do Paraguai que revogue a Resolução N° 556/2023 – por meio da qual o trigo transgênico HB4 foi aprovado – e que reforme a estrutura regulatória para organismos geneticamente modificados (OGMs), por meio de um processo aberto, transparente e participativo, com ênfase especial na necessidade de proteger os direitos dos povos indígenas e das comunidades camponesas.
- Recomendar que o governo da Argentina revogue a Resolução 27/2022, que se baseia apenas em informações documentais da Bioceres, a empresa que desenvolveu a variedade de trigo transgênico, e institua uma proibição adequada do cultivo de trigo transgênico no país.
- Recomendar que o Conselho Nacional de Biossegurança do Brasil proíba o cultivo comercial de trigo transgênico e suspenda a decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que permite a importação de grãos e farinha de trigo transgênico para o país, e promova uma revisão da legislação de biossegurança por meio de um processo participativo aberto, transparente e democrático.
- Recomendar que os governos da Colômbia, África do Sul, Nigéria e Indonésia instruam suas autoridades de biossegurança a revisar as aprovações de importação de trigo GM e iniciar uma moratória em todas as aprovações (autorização de produto, importação e liberação ambiental) de culturas GM.
A aliança levantou sérias preocupações com relação ao plantio e ao consumo de trigo transgênico, já que viola uma série de direitos humanos, incluindo o direito à vida e à subsistência; à saúde; à alimentação adequada e à soberania alimentar; a um meio ambiente equilibrado e livre de poluição; ao acesso à terra e ao território; e ao direito à autodeterminação dos povos e comunidades locais que baseiam seus modos de vida em seu relacionamento com a natureza.
Além dessas violações dos direitos humanos, foram levantadas preocupações sobre as sementes transgênicas em geral, que são acompanhadas por pacotes tecnológicos que incluem agroquímicos nocivos, sobre os quais um punhado de empresas multinacionais de agroquímicos detém o monopólio, inserindo agricultores e milhões de hectares de terra capturadas por um mercado altamente concentrado.
De acordo com a aliança, a introdução do trigo transgênico nos sistemas agrícolas e alimentares é como apagar um incêndio com gasolina, pois incentivará o avanço da fronteira agrícola industrial sobre áreas marginais e comunidades locais em nome da mitigação das mudanças climáticas. Isso, por sua vez, pressionará os ecossistemas frágeis e incentivará ainda mais o desmatamento, os cercamentos e a apropriação de terras e recursos, minando o direito à autodeterminação das comunidades locais e indígenas, especialmente no Brasil, na Argentina e no Paraguai.
A apresentação substantiva do grupo aborda a falácia promovida pela Bioceres de que o trigo transgênico HB4 é tolerante à seca ou uma solução para as mudanças climáticas, apontando para alegações e marketing enganosos e não científicos, além de fracassos comerciais de características transgênicas que supostamente conferem tolerância à seca, especialmente na Argentina e na África do Sul.
A apresentação também descreve em detalhes inúmeras falhas regulatórias, incluindo, por exemplo, o Paraguai, onde o processo de tomada de decisão foi conduzido em total sigilo, violando assim direitos constitucionais básicos como à publicidade dos atos administrativos. Os países importadores também contornaram os padrões de biossegurança internacionalmente reconhecidos ao não exigirem estudos sobre alimentação e dados de toxicidade, deixando assim de garantir, com base no princípio da precaução, que os riscos à saúde e à segurança associados ao trigo transgênico tivessem sido avaliados de forma completa e independente. Isso é particularmente relevante à luz do fato de que o trigo é um dos mais importantes alimentos básicos no Sul Global, consumido por centenas de milhões de pessoas diariamente.
A Carta enviada chama a atenção dos Relatores Especiais da ONU para o fato de que o cultivo desse trigo transgênico, geneticamente modificado para resistir à pulverização com glufosinato de amônio, aumentará o uso desta agrotoxina. O glufosinato está ligado a uma série de efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente, incluindo danos cerebrais, deficiência de desenvolvimento (autismo) e defeitos de desenvolvimento após a exposição dos pais, o que levou a proibições e restrições parciais em vários países.
Os efeitos ao meio ambiente e à saúde do uso do glufosinato de amônio sobre um dos alimentos mais consumidos pela população mundial não foram avaliados em nenhuma das aprovações do Trigo HB4 no mundo até agora. Qualquer implementação generalizada do trigo HB4 na Argentina, no Brasil e no Paraguai exporá as populações nas áreas de influência da cultura a esse pesticida, sem nenhuma informação sobre a toxicidade desse herbicida, em grave violação à segurança alimentar.
De acordo com a rede, esse simplesmente não pode ser o precedente que desejamos estabelecer para a cultura básica mais importante do mundo. Os órgãos reguladores têm a obrigação de adotar o princípio da precaução de modo a evitar riscos na sua tomada de decisões relativa às aprovações de transgênicos, especialmente em relação às novas características de plantas transgênicas e ainda mais daquelas que são alimentos básicos. Essa abordagem não foi adotada em nenhum dos países que deram sinal verde ao trigo GM.
Diante das sérias preocupações levantadas na Carta enviada e das extensas violações de direitos humanos descritas, cabe aos Relatores Especiais intervir em caráter de urgência.
As Cartas enviadas estão disponíveis em português (https://t2m.io/GM-Wheat-letter_PT), espanhol (https://t2m.io/GM-Wheat-letter_ES) e inglês (https://t2m.io/GM-Wheat-letter_EN).
Para apoiar nossa petição de intervenção urgente dos sete Relatores Especiais da ONU para bloquear o cultivo e comércio do trigo transgênico clique aqui: https://t2m.io/NoGMwheat_support
Para mais informações, entre em contato com:
Em Português: Larissa Packer (GRAIN): [email protected] e Leonardo Melgarejo (Movimento Ciência Cidadã/Brasil): [email protected]
Em Espanhol: Fernando Frank (UCCSNAL/Argentina): [email protected] y Lis García (BASE-IS/Paraguay): [email protected] y Elizabeth Bravo (Acción Ecológica/Ecuador): [email protected] ;
Em inglês: ACBio/South Africa:[email protected] e (FIAN/Indonesia): [email protected]
[1] Associação Civil de Saúde Socioambiental de Rosario, Argentina; Rede por uma América Latina Livre de OGM; Movimento Ciência Cidadã, Brasil, Base Investigações Sociais – BASE-IS; Campanha “Pão sem Veneno”, Paraguai; União de Cientistas Comprometidos com a Sociedade e a Natureza da América Latina (UCCSNAL); Rede de Povos Fumigados da América Latina; Centro Africano para a Biodiversidade; Amigos da Terra, Nigéria; GRAIN; Fundação Saúde da Mãe Terra, Nigeria e Rede de informação e Ação Alimentos Primeiro, Indonésia.
[2] São eles: Dr. Marcos A. Orellana, Relator Especial sobre substâncias e direitos humanos, Dr. David R. Boyd, Relator Especial sobre direitos humanos e meio ambiente, Sr. Michael Fakhri, Relator Especial sobre o direito à alimentação, Sr. Pedro Arrojo-Agudo, Relator Especial sobre os direitos humanos à água potável e ao saneamento, Sr. Olivier De Schutter, Relator Especial sobre pobreza extrema e direitos humanos, Sr. Francisco Cali Tzay, Relator Especial sobre os direitos dos povos indígenas e Sra. Tlaleng Mofokeng, Relatora Especial sobre o direito à saúde.