Batalha das Ideias
Expressão Popular 25 anos: uma jornada de resistência editorial na batalha das ideias
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Ao celebrar 25 anos de existência, a Expressão Popular prova que é possível proporcionar ferramentas políticas e ideológicas e contribuir para a formação da militância e da classe trabalhadora. Iniciada em 1999 por grupos engajados na campanha de construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), a editora se posiciona como um facilitador de acesso ao conhecimento, mantendo preços acessíveis.
Completando um quarto de século, a Expressão Popular não apenas observou, mas também participou ativamente das diversas fases políticas do Brasil. Desde sua origem, durante o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, até os desafios impostos pelo desgoverno de Jair Bolsonaro, a editora desempenhou papel fundamental na batalha das ideias, sempre preservando o compromisso de fornecer leituras que permitam à militância compreender o momento atual, organizar-se de maneira eficaz e projetar alternativas sociais.
Em entrevista sobre o processo editorial da Expressão Popular, Miguel Yoshida, coordenador editorial da Expressão Popular, ressalta que a editora busca trazer sempre em seus materiais a compreensão da luta de classes contemporânea, a agroecologia, a pedagogia socialista e a publicação de clássicos marxistas.
Assim, com mais de 700 títulos distribuídos em 150 pontos por todo o país, a Expressão Popular segue despontando com uma rede de solidariedade que se manifesta em diversas colaborações, e enraizando-se cada vez mais na consciência da classe trabalhadora. Ao atingir esse marco de 25 anos, a editora não apenas se orgulha de suas conquistas, mas também reconhece os desafios persistentes à frente.
Confira abaixo a entrevista com Miguel Yoshida, sobre a trajetória da Expressão Popular e com uma compreensão mais aprofundada dessa jornada:
Para iniciar, gostaríamos que compartilhasse um pouco sobre a jornada da Editora Expressão Popular ao completar 25 anos. Como surgiu a iniciativa popular e quais os 0desafios e conquistas marcantes ao longo desses anos moldaram a Expressão Popular até aqui?
Miguel: A editora teve seu início no final de 1998 e início de 1999, período em que os movimentos populares enfrentavam o neoliberalismo no governo de Fernando Henrique Cardoso. Destaco marcos significativos, como o massacre de Eldorado dos Carajás em 1996 e a marcha do MST em 1997, eventos que impulsionaram a busca por uma nova formação teórica. Nesse contexto, havia uma carência de títulos marxistas no Brasil, resultado da queda do Muro de Berlim em 1989 e da subsequente desilusão com o socialismo. Diante dessa lacuna, os movimentos populares sentiram a necessidade de criar uma editora para fortalecer teoricamente a militância. Assim, surgia a Expressão Popular, inicialmente focada na formação dos militantes.
A editora, desde seu início, direcionou-se para a transformação social, inspirando-se em figuras como Lenin, Rosa Luxemburgo e Che Guevara. O primeiro livro publicado foi a biografia de Lenin, “Lenin: A Revolução Russa”, seguido por uma coletânea de textos de Rosa Luxemburgo e um sobre o pensamento de Che Guevara “O pensamento de Che Guevara”, do Michel Levy. A solidariedade marcou a essência da Expressão Popular desde o princípio, evidenciada pelo fato de que Isabel Loureiro e Michel Levy, ambos reconhecidos intelectuais à época, cederam os direitos autorais de seus trabalhos para a editora. Este princípio de conhecimento compartilhado e a busca pela transformação social continuam a nortear a editora até os dias de hoje.
A Expressão Popular tem como objetivo oferecer livros de qualidade a preços acessíveis. Como a editora mantém esse compromisso ao longo dos anos, especialmente considerando os desafios econômicos e as pressões do mercado editorial?
Isso tem sido um grande desafio, né? Não só para nós, mas para o conjunto do mercado editorial. Ainda mantemos o princípio da solidariedade, dialogando constantemente com autores e colaboradores nessa perspectiva de cessão de direitos autorais, o que acontece na maioria dos casos. Há diversas formas de contribuição: alguns pedem apenas alguns exemplares para divulgação, enquanto outros ficam satisfeitos em ver seu conhecimento sendo compartilhado. Esse princípio não se perdeu ao longo do tempo. E com mais de 700 títulos publicados, envolvendo um grande número de pessoas, todos compreendem que a editora está a serviço de uma causa maior: a transformação da realidade brasileira. Isso nos ajuda a resolver o problema, apesar dos desafios.
Contamos com a solidariedade não apenas de autores, mas também de tradutores e revisores. Embora tenhamos uma equipe profissionalizada, a solidariedade é crucial. Por outro lado, precisamos operar dentro das normas do mercado editorial, enfrentando desafios relacionados a gráficas, papel e outros custos da produção do livro. Tentamos equalizar esses gastos, mas estamos sujeitos às regras do mercado. Buscamos maneiras de ter canais de distribuição direta para chegar ao público a preços mais acessíveis, o que continua sendo um desafio. Antes da pandemia, tínhamos nossos livros em 150 pontos pelo Brasil, contando com diversas formas de distribuição. Com a pandemia, a retomada dessa política tornou-se mais difícil, mas estamos buscando adaptar-nos à nova conjuntura, mantendo a solidariedade na produção e distribuição dos livros. Novamente, é um conjunto de vontades solidárias que compõe a essência da editora.
Você citou que atualmente a editora conta com mais de 700 publicações nestes 25 anos. Como a editora tem buscado diversificar seu catálogo e como é feita esta curadoria do que é publicado?
A editora inicialmente estava mais voltada para a militância dos movimentos populares. Este era o princípio norteador. Sem abandonar esse compromisso, a editora expandiu seu alcance ao longo do tempo. Temos um público diversificado, incluindo um considerável público universitário, composto por professores e estudantes interessados em nossas obras. A organização do nosso catálogo e linha editorial é baseada em quatro eixos editoriais que guiam nossa produção.
O primeiro eixo é denominado “Clássicos do Marxismo”, uma marca da editora desde sua fundação. Recuperamos textos da tradição marxista, abrangendo autores como Marx, Engels, Lenin, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e Mariátegui, contribuindo para diversas áreas do conhecimento.
O segundo eixo é a “Pedagogia Socialista”, compreendida em uma perspectiva ampla além da educação escolar. Desde a Comuna de Paris em 1871 até as tradições da Revolução Russa e da educação soviética, buscamos inspiração para pensar a educação, incluindo debates contemporâneos sobre a educação no campo. Isso inclui uma coleção de literatura, refletindo sobre a formação cultural e a educação dos sentidos.
O terceiro eixo, “Luta de Classes Contemporânea”, foca na compreensão da dinâmica da sociedade atual. Analisamos a movimentação do grande capital, os eixos de acumulação de capital e as possíveis lutas políticas diante das contradições da luta de classes hoje.
O quarto eixo, “Agroecologia”, não apenas reflete nossa relação com o MST, mas também aborda a questão ambiental essencial para a vida no planeta. Exploramos a agroecologia não apenas em termos técnicos, mas também nas implicações políticas, relacionando-a à crise ambiental e à produção no campo.
Dentro desses quatro eixos, diversas coleções abordam temas específicos, refletindo a maneira como organizamos nossa produção editorial.
Ao celebrar esse marco de 25 anos, quais as perspectivas e objetivos futuros da Editora Expressão Popular?
Temos projetos em andamento que seguem a essência da editora. Desde 2020, por exemplo, desenvolvemos o projeto chamado União Internacional de Editoras de Esquerda. Diante da persistência e intensificação do imperialismo, que impacta nossos territórios e a classe trabalhadora nos países do Sul Global, enfatizamos o internacionalismo como princípio fundamental. Essa união, iniciada com a LeftWord Books, da Índia, e a Batalha de Ideias, da Argentina, agora conta com aproximadamente 50 editoras, abrangendo do Chile à Coreia do Sul.
Essa união possui três iniciativas centrais. A primeira é a publicação de “livros conjuntos”, onde decidimos publicar um livro em várias línguas simultaneamente. No ano passado, lançamos um livro sobre os 50 anos do golpe no Chile em diversas línguas, promovendo a diversidade linguística. O objetivo é disseminar o pensamento do Sul Global globalmente. A segunda iniciativa é o “intercâmbio de catálogo”, possibilitando a publicação de títulos interessantes em diferentes países de forma solidária, fortalecendo a rede entre as editoras.
Além disso, destacamos o “Dia dos Livros Vermelhos” em 21 de fevereiro, marcando o lançamento do Manifesto Comunista em 1848. A campanha busca tornar esse dia significativo para a cultura de esquerda, promovendo a leitura coletiva de livros inspiradores.
Outro projeto importante é o Clube do Livro Especial, iniciado em 2017 e atualizado em 2023. Com foco na resistência à ofensiva imperialista, o Clube do Livro Sul Global publica textos de autores ainda não publicados ou esquecidos no Brasil, promovendo o pensamento do Sul Global. Autores como Fidel Castro, Martha Alencar, José Carlos Mariátegui, Ruth Furst e Thomas Sankara são incluídos, fortalecendo teoricamente a luta anti-imperialista. Esses projetos são estratégicos para o fortalecimento da editora.
*Editado por Solange Engelmann