Encontro Estadual
20º Encontro Estadual do MST no RS reúne 600 participantes na Fazenda Annoni
Po Katia Marko
Do Brasil de Fato
“O Sonho e a esperança marcham sobre o latifúndio – Eram milhares de homens, mulheres e crianças tomados por este sonho. Muita gente identificada pela mesma causa: a falta de Terra.
Era noite de 29 de outubro de 1985, terça-feira, lua cheia, parecia estar mais brilhosa, talvez porque a estrada principal de terra vermelha causasse reflexos, ou talvez porque as lágrimas de angústia, nervosismo e alegria ajudassem a aumentar seu brilho.
Ao chegar no latifúndio, o zunido dos cinco fios de arame sendo cortados, era como se fosse o ponteado do início de uma música que toma coro com o grito desprendido na garganta de todos, ao som das foices e facões, martelos na construção dos barracos de lona preta, formando o Acampamento da Fazenda Annoni.”
Estes são trechos do texto do pioneiro do MST, assentado na Annoni, Isaías Vedovatto, lido na Mística de Abertura do 20º Encontro Estadual do MST no RS na manhã desta terça-feira (6), lembrando a ocupação que marca história do MST.
Cerca de 600 assentados e acampados viajaram durante a noite para participar destes 3 dias de debates, mística, planejamento e celebração. Chegaram 12 ônibus vindos das 12 regiões do estado onde o movimento está organizado. Também participam 120 delegados e delegadas da região Norte.
O encontro será encerrado na quinta-feira (8), com o tema os Desafios da Reforma Agrária Popular para o próximo período, com João Pedro Stedile, e uma homenagem aos Pioneiros do MST, além da inauguração do Viveiro Zecão no Instituto Educar.
Na quarta-feira (7), o dia inicia com uma mesa sobre o Programa Agrário do MST, com Adalberto Martins. Logo após, serão tratados os temas da luta pela terra, setor de produção dos assentamentos, relação com a sociedade e o MST e as eleições.
A crise do capitalismo e os desafios do movimento
Pela manhã, logo após a mística, os dirigentes nacionais do MST Ayala Ferreira, do Setor de Direitos Humanos, e Diego Moreira, do Setor de Produção, realizaram uma análise da situação política e social do Brasil e do mundo.
Segundo Ayala, vivemos um momento histórico de mudanças muito difícil para a classe trabalhadora, de hegemonia do sistema capitalista, com uma crise estrutural que não apresenta condições de superar suas contradições internas. “Com a apropriação das forças de produção e exploração da natureza, vivemos uma situação de barbárie ou aniquilamento”, destacou.
Ela destaca três estratégias de atuação do capitalismo na tentativa de superação da crise. “A primeira delas é repensar o papel do Estado, com a defesa do Estado mínimo aos trabalhadores e o fim de políticas públicas. A segunda, as alterações no mundo do trabalho com o fim dos direitos, colocando a escolha entre ter direitos ou emprego. E por fim, a mercantilização dos bens da natureza, com a privatização e exploração dos bens naturais, inclusive aos extraordinários, como o ar e a água. Ou seja, é o neoliberalismo iniciado na década de 1990 na veia.”
Neste contexto, conforme Ayala, está fortalecida a extrema direita, financiada internacionalmente, articulada com um grupo que tem clareza do projeto que defende, e aliada às igrejas neopentecostais da Teoria da Prosperidade. “Esses grupos utilizam uma propaganda individualista que utiliza dos nossos anseios e necessidades para se manter, é preciso mudar a realidade se quisermos ter outros rumos.”
Diego Moreira lembrou da importância de transformar as linhas políticas do movimento em ações. Destacou o momento difícil e complexo, mas pergunto quando foi fácil na história. “Os tempos difíceis são de fato para os revolucionários, com análise e estudo, mas também com ação, algumas já debatidas no MST no RS e outras que precisamos ir construindo no estado.”
Após analisar a hegemonia do agronegócio em vários setores da sociedade e a relação do movimento com o governo Lula, destacou a independência do MST e a necessidade da luta para conquistar novos assentamentos. Diego ressaltou ainda a organização das mulheres para realizar um grande ato no 8 de Março e do movimento para o Abril Vermelho. “São as duas próximas mobilizações que precisamos nos mobilizar, além de realizarmos um Congresso Nacional com 20 mil militantes, no início de julho, em Brasília.”
Produção e preservação da natureza
O tema ambiental foi estudado durante a tarde com a contribuição de Álvaro Delatorre, do Setor de Produção, e do Engenheiro Agronômo Leonardo Melgarejo.
Integrante da Associação Nacional de Agroecologia (ANA), Leonardo Melgarejo destacou que o ambiente define as possibilidades que temos para o futuro. Explicou que o ambiente do bioma Pampa, por exemplo, é como é porque tem características específicas que se uniram para criar e formar o Pampa gaúcho.
“No Brasil há 500 milhões de hectares de soja, que são monoculturas que interfere na produção e reprodução da vida e da sua diversidade. A natureza se combina para recuperar a vida neste ambiente, porém na homogeneização dos territórios, influencia nas atividades da natureza e na sua organização.”
Melgarejo defendeu a necessidade de novos aprendizados que valorizem as parcerias e a relação com a natureza, de formas diferenciadas de produção em relação a natureza. “Todavia a relação das empresas de seleção de sementes estão monopolizando e não conseguem dar conta de organizar as formas de seleção de variedades e sua multiplicidade. Portanto é o próprio movimento das famílias da produção e reprodução de sementes que pode ajudar neste processo de seleção, guarda e compartilhar de sementes”, salientou.
Segundo ele, neste período de crise ambiental, as situações de desastres ambientes têm alertado ao povo da cidade que não é possível contar com o agronegócio para ajudar a superar os problemas. “Em Nova Santa Rita, por exemplo, houve um projeto de fortalecimento de agricultura familiar, onde aprenderam a fortalecer os processos de valorização da vida e das diversidades do pomar e das árvores naturais”, alertou.
“Quando um homem planta uma árvore, está plantando a vida”
Álvaro Delatorre afirmou que a dimensão cultural e ambiental na campanha nacional do plantio de árvores desafia a militância a compreender a questão ecológica como sujeitos de direitos de sobreviver, para sobreviver os humanos.
“Hoje uma das crises da soja é que não há abelhas para polinizar as plantas de soja, porque elas morreram com o uso dos venenos. Não se trata apenas de falar, mas necessitamos produzir mudas para recuperar as matas, nossas escolas precisam ser espaços de produção de mudas e reflexão ambiental. As cooperativas precisam ampliar sua ação e política de fomento a questão ambiental desde as cadeias produtivas.”
Na opinião de Delatorre, o estado do RS precisa decretar estado de emergência climática. “As promessas é que as temperaturas se elevarão nos próximos períodos, um estado que tenha preocupação com a agricultura precisa fazer este processo. Há necessidade de que sintamos um pertencimento com esta causa, que haja persistência na ação de produção e plantio de árvores e produção de alimentos saudáveis.”
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