Minas Gerais
36 anos do MST ao lado do povo de Minas Gerais
Foto: Leonardo Fernandes
Por Leonardo Fernandes
Da Página do MST
Era o ano 1988, ano da promulgação da Constituição Cidadã, quando um grupo de trabalhadores rurais sem terra ocupou a fazenda Aruega, no município de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha. Lá se foram 36 anos desde aquela ação que deu origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, em Minas Gerais.
“Foi um período que havia muita repressão na roça pelo latifúndio”, lembra Ênio Bohnenberger, que se mudou do Rio Grande do Sul para Minas com a tarefa missionária de organizar o movimento camponês no estado. “Eu vim para Minas Gerais em janeiro de 96 com a tarefa de ficar uns dois anos aqui ajudando a desenvolver o movimento, e acabei ficando”, conta.
Ao longo dos 36 anos de MST-MG, foram muitos os desafios para superar a criminalização do movimento e a violência do Estado contra os trabalhadores sem terra organizados. “Foi o período que o MST organizou aquelas grandes marchas até a cidade, e essa foi uma das minhas primeiras tarefas. Em abril de 96, nós fomos recepcionados pelo governo de (Eduardo) Azeredo de forma muito violenta. A polícia impediu nossa chegada na cidade, e mais de 20 lideranças foram presas. Eles tentaram dispersar a marcha, mas para nossa sorte, a polícia teve que soltar os companheiros no mesmo dia, e no dia seguinte, entramos na cidade com a grande marcha, com mais de nove mil pessoas. Aquilo foi uma vitória”, relembra Ênio.
A resiliência do MST em apresentar ao povo de Minas um projeto de sociedade sustentável e justo, o que transformou o preconceito de muitas pessoas, inclusive daquelas que viriam a se somar às filas do movimento. É o caso de Fátima Meira, a primeira mulher a ocupar um espaço de liderança do MST mineiro. Negra, quilombola, moradora do Acampamento Quilombo Campo do Meio, no Sul de Minas, ela lembra da sua aproximação com o movimento.
“Foi meu esposo que me chamou para participar do MST, mas eu fiquei muito assustada, porque tudo o que a gente via na mídia sobre o MST era assustador. Eu tinha lido uma reportagem numa revista, e quando me dei conta que eu estava dentro do MST foi assustador. Durante um tempo eu escondi da minha família que eu estava no MST, pra que eu pudesse entender o que era aquilo. Mas eu estava feliz com a recepção das pessoas, com a forma como as pessoas se cuidavam, e com a ideia de plantar e colher aquilo que a gente ia comer“.
No baú das memórias, cada sujeito sem terra vive a resistência e a resiliência diante da repressão e da criminalização do Estado. “Ter que enfrentar a polícia, com toda truculência, vir pra cima da gente, das famílias, aquilo foi terrível. E o desafio de acolher as famílias, as crianças, e reconstruir, recomeçar do zero”, lembra Fátima.
E faz questão de afirmar: “Hoje eu vejo que valeu muito a pena todo esse desafio. Toda essa forma de nos organizar para resistir é, para mim, o maior orgulho e o que me dá força para seguir adiante”.
As mulheres sem terra na construção da Reforma Agrária Popular
Edilene dos Santos Costa, conhecida como Cenourinha, moradora do assentamento Egídio Brunetto, no Vale do Rio Doce, está no movimento desde 2005 e relembra passagens de sua história com o MST.
“Nós passamos por muitos desafios. Vivemos nos barracos de lona, passamos por algumas necessidades, persistimos e resistimos e olhando para essa história, tenho a dimensão de que as lutas foram imensas, mas as conquistas também”, avalia.
Desde a fundação do MST, as mulheres cumprem um papel de protagonismo e liderança na luta pela terra e na defesa dos territórios.
“As mulheres Sem Terra sempre estiveram no front da luta pela Terra desde sua gênese. Mas a partir de 2006, com a criação do Setor Nacional de Gênero, esse debate ganha força e as mulheres ampliam sua participação em todas as instâncias do movimento, apontando para a construção de novas formas de viver e produzir, mudando o rumo da história e construindo uma sociedade com novos valores, sem violência e sem opressão”, defende Cenourinha.
Novos e velhos desafios
Atualmente o MST- MG conta com 3 mil acampados e cerca de 2 mil famílias assentadas, distribuídas em 26 territórios, em oito regiões do estado. Neles, são produzidos uma variedade imensa de alimentos saudáveis, como parte do projeto estratégico do Movimento Sem Terra. E esse segue sendo uma das prioridades da atuação do MST mineiro: seguir organizando os trabalhadores do campo, para seguir sendo não apenas uma referência política para a sociedade, como o promotor de um novo modelo de desenvolvimento para o estado, em contraponto ao modelo atual completamente dependente da mineração predatória e da produção de commodities, como explica Ênio Bohnenberger.
“O modelo da mineração e do agronegócio que não produzem divisas para o nosso estado. Elas são também o modelo que destrói o meio ambiente que cria uma uma dinâmica super concentrada. Os estudos que nós temos feito demonstram que Minas Gerais é o 3º PIB do Brasil, né. Mas se olharmos para a distribuição per capita da renda, somos o 19º. Isso quer dizer que a mineração e o agronegócio, que são os dois carros chefe da economia de Minas Gerais, concentram imensamente a riqueza produzida por todos nós os mineiros”, afirma.
Além do enfrentamento à mineração, o MST tem se colocado na dianteira da defesa das estatais mineiras, como a companhia elétrica Cemig e a empresa de saneamento e águas Copasa, que estão na mira das privatizações do governo de Romeu Zema (Novo).
Outra pauta que deve ganhar força entre as fileiras do MST mineiro em 2024 é a regularização dos acampamentos, com a destinação das áreas para o assentamento definitivo das famílias.
*Editado por Yuri Gringo