Arte e Cultura

Jornada dos Povos: Arte e cultura também são formas de luta e resistência

Programação cultural diversificada trouxe artistas e grupos de várias nacionalidades, e garantiu manifestações que desafiam narrativas dominantes, ampliam vozes marginalizadas, reivindicam espaços e direitos
Grupo de pessoas andando de bicicleta

Descrição gerada automaticamente
Kaburé Maracatu – Foto: Instagram/ Kaburé Maracatu

Por Joyce Keli dos Santos
De Portal Verdade


Na Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos, realizada entre os dias 22 e 23 de fevereiro, em Foz do Iguaçu, a política também subiu ao palco através da arte.

Fizeram parte da programação artistas e grupos culturais como Duo cubano “Buena fé”, o grupo brasileiro “Clandestinas”, o DJ Double D, o côco de roda “Piseres de embaúba”, o maracatu “Kaburé”, a banda de ska “La faísca”, a formação haitiana “Integração compa” e o DJ Damanobeat. Com este elenco diversificado, o evento foi além das tradicionais arenas de debate e mesas redondas, apresentando manifestações artísticas que desafiam narrativas dominantes, ampliam vozes marginalizadas, reivindicam espaços e direitos.

‘A indústria cultural faz de tudo para impedir que a arte verdadeiramente revolucionária se torne conhecida’

“O espaço é para cantarmos para o homem e seus problemas, muito mais que canções de amor, cantarmos a nossa realidade e a realidade latino-americana” – Buena Fé. Yoel Martínez a esquerda e, Israel Rojas a direita – Foto: Darwin Torres @darwintorres_22

Abordando em suas letras questões sociais e políticas que permeiam a América Latina, “Buena Fé” compartilhou a importância da Jornada na promoção da integração regional com a necessidade de identificar os desafios comuns enfrentados pelos países. O duo é composto por Israel Rojas e Yoel Martínez, originário da província de Guantánamo, em Cuba. 

“A América Latina tem que ser unida, sendo uma só e uma só voz. É importante eventos como esses para que se busquem consensos políticos e de ações, temos a oportunidade de conhecermos pessoas diferentes, novos movimentos de luta e de arte. O espaço é para cantarmos para o homem e seus problemas, muito mais que canções de amor, cantarmos a nossa realidade e a realidade latino-americana”, diz Yoel Martínez.

Para os integrantes, o espaço também contribui para ampliar o alcance de sua música, já que um dos desafios postos a artistas contra hegemônicos é a tentativa constante de fragmentação, falta de reconhecimento e até mesmo cerceamento por parte de grupos dominantes.

O samba também esteve presente com a bateria Unidos da Lona Preta, formada por militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Paraná (MST-PR). Foto: Estêvão Martins

“Observamos uma tentativa constante de divisão e fragmentação por parte dos nossos opositores. A indústria cultural faz de tudo para impedir que nossa arte, verdadeiramente contestadora e transformadora, alcance o reconhecimento merecido. Cantamos sobre temas como a miséria e a pobreza, levando em consideração as realidades sociais que enfrentamos. No entanto, muitas pessoas na América Latina ainda não estão familiarizadas com nosso trabalho, principalmente, devido à natureza crítica da nossa arte. Eventos como este nos permitem levar nossas vozes a novos públicos que podem se identificar com nossas letras e aprender mais sobre as realidades de nossas regiões”, destaca Israel Rojas.

Entendemos nossa arte como uma guriaforma de luta também

Grupo de pessoas em pé ao lado de uma criança

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa
Foto: Tayson Cordeiro

Composto por imigrantes do Brasil, Colômbia e Chile, o grupo “Lá Faíska” encarna a diversidade que compõe a identidade latino-americana. Para eles, a arte não é apenas entretenimento, mas uma ferramenta de luta e transformação social.

“A gente entende a nossa arte e música como uma forma de luta também, sempre tentamos fazer que a música traga uma mensagem revolucionária de qualquer contexto. Seja tocando em um bar, em um evento como esse, sempre tentamos puxar uma linha política. Sentimos a necessidade de trazer esse discurso para cá, esse lado da cultura latino-americana, especificamente a cultura urbana, que tem essa estética de entender a arte revolucionária”, pontua Palki Rojas, saxofonista do grupo e natural do Chile.

Rojas explica que para Lá Faíska, a verdadeira mudança só pode ser alcançada através da mobilização popular e da organização das ruas. Eles lembram que a “luta não acabou só porque a gente escolheu um governo progressista, o povo só consegue avançar se ele próprio luta, se ele próprio se organiza”.

É aquela força, aquele fôlego que às vezes falta, sabe? Não estamos sozinhos, e jamais estaremos

Homem de uniforme branco e vermelho

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“Ter lideranças de movimentos sociais, é mais um recordatório, uma lembrança de que a gente não está só, de que a gente está aqui, de que a gente existe e de que a gente não vai embora não” – Kaburé Maracatu – Foto: Instagram/ Kaburé Maracatu

Trazendo a conexão entre o maracatu e a cultura afrodescendente da América Latina, o “Kaburé Maracatu”, cujo nome simboliza a miscigenação entre negros e indígenas, também ocupou a cena na Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos.

Sara Isabel Skupien, batuqueira e integrante do grupo, destaca a importância do Kaburé como um baluarte de conhecimento e resistência. Ela enfatiza que o maracatu não é apenas um gênero musical, mas sim um conjunto de saberes que conectam com a herança afro e com a religião afro-brasileira.

“O nosso grupo já vem faz vários anos aqui na cidade, fazendo um trabalho de estudo e de vivência dos saberes do maracatu. O maracatu, no caso, de baque virado, da tradição de Recife, de toda essa região. Eu acho que dentro da cidade, para falar de uma coisa mais específica, a gente tem um papel bem importante mesmo. Por quê? Porque o maracatu em si é um estilo de música, um gênero e um saber muito mais de que só música”, explica Sara.

A participação do Kaburé no evento é um momento significativo, pois representa não apenas uma celebração da cultura afro-indígena, mas também uma forma de resistência e crítica contra o preconceito religioso e a opressão.

“Ter lideranças de movimentos sociais, é mais um recordatório, uma lembrança de que a gente não está só, de que a gente está aqui, de que a gente existe e de que a gente não vai embora não. Então o evento é uma troca de saberes, muitos de nós somos da academia, então a gente sempre quer troca, sempre quer conhecer pessoas novas, mas mesmo para quem não é da academia, é aquela força e aquele fôlego que às vezes falta, sabe? A gente não está sozinho e a gente não vai estar nunca sozinho”, pontua a batuqueira.

É um povo, o sentimento de um sofrimento de um povo de América Latina unida

Mulher com vestido colorido

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“É essencial fortalecer a resistência dos companheiros indígenas e camponeses em suas comunidades, enfrentando juntos os desafios que surgem em nosso caminho” – Foro Social da Tríplice Fronteira do Paraguai – Foto: Tayson Cordeiro

Ecoando as vozes guaranis, o “Foro Social da Tríplice Fronteira do Paraguai” destacou a importância da solidariedade e da resistência em meio aos desafios enfrentados pelos povos da região.

Joseto Benítez, integrante do Foro Social, ressaltou a importância de um povo unido, compartilhando os sofrimentos e aspirações de toda a América Latina, com a necessidade de fortalecer as organizações populares e avançar na luta por uma integração mais efetiva, cultural e solidária.

“Como eles dizem? É um povo, o sentimento de um sofrimento de um povo de América Latina unida. O direito fundamental da humanidade é o alimento, saúde, a terra, o teto digno para viver fundamentalmente, e o direito à educação para os jovens seguirem avançando nesse processo de articulação. De forma unificada e denunciando os atos de invasões massivas dos grandes produtores para a comunidade de camponeses indígenas nestes últimos tempos”, aborda Benítez.

Multidão de pessoas

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As místicas realizadas ao longo da Jornada foram expressões artísticas e políticas que emocionaram o público. Foto: Secom/Unila
Pessoas na frente de uma placa de trânsito

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Joseto Benítez ao lado de Carlos David – Foto: Tayson Cordeiro

Para Carlos David, integrante da Coordenação do Movimento Latino-Americano e Caribenho de Meninos, Meninas e Adolescentes Trabalhadores (Molacnats), do Paraguai, o evento representou muito mais do que uma simples reunião; foi um espaço de encontro e troca entre companheiros de luta, onde experiências diversas foram compartilhadas e discutidas.

“Aqui, temos a oportunidade única de compartilhar com outras organizações as experiências cotidianas da luta social. Elevando a bandeira pela conquista dos direitos que atualmente se encontram vulneráveis, lutamos contra tentativas de supressão e pela garantia dos direitos que nos são negados”, adverte.

Homem segurando uma arma

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Narciso Berrel, líder espiritual guarani da comunidade Mulher Paraguaia Quilômetro 30 – Foto: Tayson Cordeiro

Narciso Berrel, líder espiritual guarani da comunidade Mulher Paraguaia Quilômetro 30, expressou gratidão aos seus companheiros de luta e àqueles que lhe deram a oportunidade de representar sua comunidade do Paraguai, ressaltando a importância da solidariedade e do apoio mútuo na jornada pela justiça e dignidade.

“Eu sou um líder religioso para levar em frente a nossa cultura. Estamos reunindo os camponeses para trabalharmos juntos neste espaço de solidariedade entre os povos, no sentido da liberdade de expressão e da liberdade da organização das comunidades e das bases. É essencial fortalecer a resistência dos companheiros indígenas e camponeses em suas comunidades, enfrentando juntos os desafios que surgem em nosso caminho”, finaliza.

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O grupo de Boi Bumbá Tangará, de Foz do Iguaçu, também se apresentou ao longo da Jornada. Foto: @TaysonCordeiro

*Editado por João Carlos