Reforma Agrária Popular
Mãos Solidárias: um caminho para avançar na construção de um Brasil Popular
Por Jade Azevedo
Da Página do MST
Durante quatro dias, de 1 a 4 de março, em Curitiba, se reuniram iniciativas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste para compartilhar suas experiências de ações de solidariedade e projetos de iniciativa popular. Estiveram presentes cerca de 60 militantes de sete estados brasileiros (RS, SC, PR, MG, SP, DF e RJ) que representam organizações populares como MST, MTD, Levante Popular da Juventude, Despejo Zero, Cefuria, cursinho popular, médicos populares, Periferia Viva, cozinhas e economia solidárias, entre outras iniciativas.
Paulo Mansan, coordenador do Mãos Solidárias em Pernambuco, conta que a intenção do curso é a nacionalização do projeto que nasce com duas raízes, Pernambuco e Paraná. “Onde foram doadas centenas de toneladas de alimentos, formou milhares de agentes de saúde e entregou mais de 2 milhões de refeições para combater a fome imediata que está matando o povo brasileiro. Agora a intenção é nacionalizar o Mãos Solidárias e espalhar por todo o Brasil”, afirma.
O curso teve momentos de estudo, troca de experiência e também de trabalho. No primeiro dia, sexta-feira (01), os professores da UFPR, José Ricardo Faria e Daniela Pontes, trouxeram um panorama sobre os desafios das políticas urbanas e do direito, cada estado apresentou sua iniciativa e dilemas, a noite houve uma roda de conversa sobre técnicas de escuta com o psicólogo Nadir Lara e Victor Hugo Turezo, estudante de psicologia e voluntário no Marmitas da Terra.
O sábado (02) foi de trabalho na roça, com mutirão de plantio e colheita de feijão no Assentamento Contestado. Domingo (03), o grupo foi conhecer algumas ocupações urbanas do Despejo Zero em Curitiba e RM. A noite ouviram o dirigente nacional e estadual do MST Roberto Baggio, sobre como está organizado o trabalho urbano no Paraná. Na segunda-feira (04), o encerramento foi com a palestra do João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST.
Adriana Oliveira, integrante do MST e uma das coordenadoras do Marmitas da Terra, ao contar sobre o funcionamento do projeto com voluntários de Curitiba, explica a importância do trabalho urbano numa área de Reforma Agrária. “Para os companheiros e companheiras do curso a ideia foi apresentar as atividades que o coletivo Marmitas da Terra, com apoio da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) e o MST-PR, tem desde 2020 que além das marmitas faz o mutirão de agroecologia que planta e colhe alimentos para a produção das refeições semanais e para as cozinhas comunitárias”, conta. Algo muito parecido com o que se desenvolve em Pernambuco nas palafitas – o roçado solidário. Após o dia de trabalho, os militantes participaram da Festa de 25 anos do Assentamento.
No domingo de manhã, o dia foi dedicado a conhecer algumas ocupações urbanas que fazem parte do Despejo Zero Paraná, movimento no campo e na cidade de defesa jurídica, social e comunitária de direito à moradia.
O coletivo Marmitas da Terra faz parte dos grupos que apoiam e constroem o Despejo Zero, pelo seu trabalho dentro das comunidades. Joabe Mendes, integrante do MST, explica que umas das entradas nas comunidades foi através da entrega de refeições e cestas de alimentos durante a pandemia. Sempre que se fazia contato com uma delas, abria-se diálogo para entender qual a necessidade de cada local. “Chegar com alimentos ajudava na conversa e muitas vezes é uma necessidade imediata”, conta.
Segundo Adriana, com diálogo direto com a liderança local ou a associação de moradores, segue-se com o trabalho junto com os diferentes perfis de voluntários urbanos organizados no coletivo das Marmitas. Adriana conta que as ações se desenvolvem com entidades parceiras, sindicatos, a universidade, movimentos sociais e igrejas. “Assim vamos implantando cozinhas, hortas e padarias comunitárias, construindo barracões, organizando mutirões de atendimento com agentes de saúde, educação de jovens e adultos, entre outras atividades que unem a comunidade”, explica.
A primeira comunidade visitada foi a 29 de janeiro, no bairro Uberaba, perto da trilha do trem onde vivem cerca de 73 famílias. “Esse terreno, antes das famílias ocuparem, estava à mercê do tráfico de droga e com o lixão dos bairros em volta”, conta Joabe, que faz trabalho de base nesta e em outras comunidades urbanas.
A comunidade foi apresentada por Joabe e pelo presidente da Associação dos Moradores, Daniel Igor Nascimento da Silva e o vice-presidente Richard Junior Pérez Rodrigo, que vivem no local. Na conversa com Daniel foi perceptível que a comunidade junto à associação de moradores quer investir em projetos ambientais, biblioteca comunitária, ações de cultura para melhorar o espaço e unir a comunidade. Isso proporciona que as ações em educação popular coordenadas pelo coletivo Marmitas da Terra, assim como outras ações aconteçam no local periodicamente.
Na sequência o grupo foi conhecer a comunidade Tiradentes II, Cidade Industrial de Curitiba (CIC), com 64 famílias que enfrentam ação de reintegração de posse movida pelo aterro sanitário da empresa Essencis. Miguel Vaz Pinheiro, 60 anos, morador na comunidade, conta que foi morar ali porque não conseguia mais pagar aluguel, assim como todas as famílias que estão no local. Ele explica que foi a própria comunidade que abriu as ruas e construiu os espaços comunitários no local.
A comunidade tem uma cozinha comunitária que recebe alimentos que vem dos mutirões de plantio no assentamento Contestado e agora do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Cozinha. Em protesto à ação judicial de despejo, há mais de 168 dias a comunidade montou uma vigília na frente da empresa Essencis para reivindicar seus direitos de ficarem no local. “A gente tá se desdobrando para sempre manter pessoas na vigília, montamos uma estrutura de cozinha e banheiro debaixo da lona e todos os moradores da Tiradentes II vão passando por lá pra ajudar a gente a resistir”, conta Gaúcho, liderança na comunidade.
O grupo caminhou pela comunidade, conheceu moradores, o processo de ocupação, a cozinha comunitária e depois foi almoçar na vigília. Após o almoço, o destino foi a comunidade Nova Esperança, em Campo Magro, região metropolitana de Curitiba.
As duas comunidades receberam como doação o feijão que foi colhido no dia anterior no trabalho de mutirão na roça, no assentamento Contestado.
No Nova Esperança, ocupação que se iniciou na pandemia, a situação de despejo já está mais controlada e a estrutura da comunidade atualmente já tem biblioteca, cozinha, padaria e horta comunitária. O local é casa de 1.200 famílias. Giselha Alves, liderança feminina da comunidade conhecida como Galega, conta que ela e outras mulheres estão recebendo formação para aprender a fazer panificados e também para implantarem a horta comunitária da comunidade que é parte de uma emenda parlamentar coordenada pelo Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (CEFURIA) , MST-PR e Movimento Popular por Moradia (MPM) para fortalecer a economia solidária e as cozinhas comunitárias em comunidades periféricas.
Janiele Kogut, integrante do MST e coordenadora do Marmitas da Terra, conta que o curso está ajudando as mulheres que futuramente vão ter renda a partir deste trabalho e também é um caminho para que a comunidade se autossustente com a própria produção de panificados. Ela explicou que a comunidade recebia marmitas do projeto Marmitas da Terra e agora produz a própria refeição e partilha com a comunidade. No local também foram feitas fossas ecológicas com ajuda do MST no PR, que também recebeu ações com agentes de saúde, atividades culturais e reforço escolar, e foi por esse caminho que os voluntários urbanos conseguiram se inserir e fortalecer a comunidade.
Adriana conta que no Paraná, tanto em Curitiba como em Londrina, existem cozinhas comunitárias que hoje são atendidas pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Cozinhas. “A mãos do estado com financiamento é um caminho de organização popular possível e esse é o objetivo do Mãos Solidárias”.
Direito à moradia
Ricardo, professor da UFPR, explicou que a ausência de políticas habitacionais e de reforma urbana faz com que os imóveis sejam construídos em áreas de ocupação, pois o planejamento urbano na atualidade é instrumento da acumulação de capital.
Enquanto a professora Daniela Pontes, doutora em Direito, ao falar sobre o direito à moradia e o Despejo Zero, trouxe ao debate o desafio de humanizar, nas ações judiciais, a necessidade da moradia. “Quando um desembargador vai até a comunidade, conversa com os moradores, conhece a realidade, ele se compromete com aquelas pessoas”, ressalta e avalia como positiva a experiência da Comissão de Mediação de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça (TJ – PR), o que gera patamares de avanço nessa luta no campo. “Um processo tão importante que gerou nota técnica no Tribunal de Justiça, que não usa a palavra invasão, mas ocupação”, afirma.
Após conhecer as comunidades, o grupo teve uma apresentação sobre o Despejo Zero e como o movimento tem organizado a luta por moradia em Curitiba e Região Metropolitana, com Roberto Baggio, da coordenação nacional e estadual do MST, que contou sobre as audiências públicas periódicas e as marchas no centro de Curitiba que reúne todas as comunidades para cobrar suas demandas para representantes do governo Municipal, Estadual e Federal.
No último dia, foi o momento de cada estado trazer os próximos desafios a partir de tudo o que eles viram e como podem adaptar algumas ideias e ações em seus locais e também ouvir o companheiro João Pedro Stédile, coordenação nacional do MST, que trouxe o número global de trabalhadores que estão nas periferias brasileiras, ressaltando a importância da organização popular e a organização para poder aceder às políticas públicas e programas de governo que estão sendo lançados atualmente pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mansan explica que o MST está há algumas décadas conscientes da importância do trabalho de base nas periferias do Brasil, por entender a potencialidade da classe trabalhadora que está neste local, excluída do mercado de trabalho e desorganizada. “A nossa grande tarefa é conseguir organizar gente”.
Adriana complementou dizendo que nacionalizar o Mãos Solidárias é importante para alcançarmos os desafios que o companheiro Stédile apresentou. “Todos nós estamos desenvolvendo trabalhos nas periferias, mas podemos buscar outros apoios e parcerias a partir da união de todas essas iniciativas aqui presente dentro do Mãos Solidárias. A nacionalização vai ampliar nosso acesso a mais políticas públicas, emendas parlamentares, ampliar as cozinhas comunitárias com o programa do PAA e agregar mais nosso povo de esquerda que sabe que ali tem um projeto popular”, finalizou.
*Editado por Fernanda Alcântara