Terra, Raça e Classe
“A Reforma Agrária Popular é um projeto de reparação histórica”
Por Wesley Lima
Da Página do MST
Entre os dias 26 e 28 de março, o Movimento Sem Terra através do Grupo de Estudos sobre Questão Etnico-racial e Questão Agrária no MST realizou o 1º Seminário Terra, Raça e Classe, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
O encontro reuniu militantes Sem Terra de 15 estados para um ciclo de estudos sobre a formação do campesinato negro no Brasil, o racismo estrutural e um debate aprofundado sobre os desafios e perspectiva da luta afro-indígina em nosso país, com foco na construção da Reforma Agrária Popular.
Divina Lopes, da Coordenação Nacional do MST, faz um balanço do processo e destaca a importância do Seminário no atual momento da conjuntura política. Ela conta que as atividades foram intensas, com muito debate e reflexão sobre a resistência negra e indígena na pela terra e por “um projeto de país livre das opressões”.
“A gente chegou na síntese que para avançarmos na construção da Reforma Agrária Popular é preciso considerar a participação efetiva da nossa base social que é majoritariamente negra e de descendência indígena. Não é possível construir uma Reforma Agrária Popular se não tivermos clareza da importância negra e indígena na construção desse projeto. Por isso, uma das afirmações é que a nossa Reforma Agrária precisa enfrentar o racismo no nosso cotidiano, porque o racismo é uma das manifestações mais violentas na nossa sociedade”, explica Lopes.
E continua: “a nossa Reforma Agrária Popular precisa ser antirracista e enfrentar o racismo, fazer com que a nossa base social se reconheça enquanto negra e indígena e que tenha coragem de assumir e de enfrentar todas as correntes que nos predem. Mas também como afirmação e síntese final desse seminário a gente compreende a Reforma Agrária Popular como uma reparação histórica”, afirma.
Confira o vídeo síntese do Seminário Terra, Raça e Classe aqui
Ao capital interessa a violência
A construção do seminário e o aprofundamento em torno dos temas relacionados a luta de classes em uma perspectiva antirracista são construídas no MST, de maneira nacionalizada, a partir de setembro de 2017 com a realização de um momento de estudo sobre o Pensamento Pan-africano, também na ENFF. Desde então, o tema não recuou dos espaços organizativos do Movimento.
Foi a partir desse primeiro espaço de provocações, debates e reflexões importantes, que aparece com maior centralidade no Movimento Sem Terra o papel e como o racismo atua na sociedade brasileira.
Nesse sentido, é preciso dar destaque para alguns dados. A avaliação de que pessoas pretas são as que mais sofrem com o racismo é quase unanimidade entre os brasileiros, já que nove em cada dez pessoas (96%) compartilham dessa visão. Em segundo e terceiro lugares, os indígenas e os imigrantes africanos, respectivamente, com 57% e 38%, são os que mais sofrem. Há também uma maioria expressiva, de 88%, que concorda que essa parcela da população é mais criminalizada do que os brancos.
Esses são alguns dos dados da pesquisa “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), sob encomenda do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista).
Segundo o estudo, mais da metade (51%) dos brasileiros declarou já ter presenciado um ato de racismo, e seis em cada dez pessoas (60%) consideram, sem nenhuma ressalva, que o Brasil é um país racista, tendo como principais vítimas as mulheres e a juventude negra.
Maíra Araújo, militante do MST em Minas Gerais, e Victor Passos, também do Movimento no estado da Bahia, destacam que o racismo no Brasil também reflete a forma como o agro-hidro-minério negócio tem se consolidado ao longo da história do nosso país.
De acordo com Araújo, a realização do seminário trouxe elementos importantes “para a gente pensar as nossas realidades nos territórios, pensar as nossas estratégias de luta e para o estado de Minas Gerais, eu visualizo que ele [o seminário] traz elementos para pensar o nosso enfrentamento ao capital”.
Ela conta que, em Minas Gerais, o Movimento Sem Terra adotou nos últimos anos, com maior centralidade, o enfrentamento à “mega mineração”, principalmente, com os crimes da mineração que aconteceram nos últimos anos, como da Vale, em Brumadinho, e da Samarco, em Mariana. “Acredito que o seminário traz elementos da gente pensar também como a questão racial atravessa a mineração no estado. Estamos falando de um estado que tem na sua formação sócio-histórica, política-econômica, voltada à mineração como central e a base da mineração, historicamente, foi construída com o povo negro escravizado, agora o desafio é articular como isso reverbera nos nossos territórios hoje”.
Na Bahia, que possui a capital mais negra do planeta fora do continente Africano, a luta contra a violência e pela vida da população negra é diária. Passos explica que o debate realizado no seminário ajuda a reposicionar o desafio de internalizar e potencializar as ferramentas de luta no enfrentamento ao racismo, tendo como base, a necessidade de garantir o acesso a políticas afirmativas.
“O povo preto e indígena têm o papel fundamental para fazer o enfrentamento ao capital e as suas violências, por isso, precisamos organizar o debate, garantir o acesso aos territórios e acumular forças a partir de políticas públicas capazes de fomentar a emancipação humana”, enfatiza o baiano.
Próximos passos
O seminário é um momento importante na organização do debate no MST, porém os desafios ainda são grandes. Durante os três dias de atividades, alguns apontamentos estruturaram um planejamento para 2024, tendo como linhas de ação a necessidade de avançar na construção de momentos de estudo e debate sobre diversos temas relacionados a luta antirracista; o desafio de construir um coletivo nacional que possa aprofundar com o todo do Movimento Sem Terra; e seguir nas articulações com o Movimento Negro, fortalecendo lutas e potencializando processos.
Editado por Martha Raquel