Memória de Luta
Acampamento mantém viva memória do Massacre de Eldorado do Carajás
Por Mariana Castro
Do Brasil de Fato | Eldorado dos Carajás (PA)
Com a presença de sobreviventes e familiares das vítimas do Massacre de Eldorado dos Carajás, há 18 anos o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) do Pará ergue o Acampamento Pedagógico da Juventude Sem Terra Oziel Alves, para manter viva a memória e reforçar a necessidade de luta por justiça e pela reforma agrária no país.
Neste ano, o acampamento aconteceu de 10 a 17 de abril, na Curva do S, localizada em Eldorado dos Carajás, no Pará, onde ocorreu o maior massacre contra camponeses da história recente do país, que deixou 21 camponeses mortos e 69 mutilados pela Polícia Militar do Pará.
Todos os dias de acampamento, a BR-155 é interditada durante 21 minutos, em memória dos mártires. Foto: Ricardo Cabano
Com a presença de cerca de 300 pessoas, em sua maioria jovens, as atividades diárias iam desde mística, espaços de estudo e debate, atos culturais e de intervenções na BR-155, com 21 minutos de interdição em memória aos mártires. À beira da pista, o acampamento chama a atenção da população e se soma ainda à Jornada Nacional de Lutas pela Terra do MST, que em memória ao massacre, durante todo o mês de abril se dedica a dialogar com a sociedade sobre o papel social da terra e a importância de ocupar latifúndios.
“Esse acampamento acontece desde 2006, então estamos há 18 anos, a juventude construindo esse acampamento aqui na Curva do S, esse local que para a gente é um local sagrado. Ele vem com um caráter de memória, de luta e também de resistência. E estamos aqui também em apoio a todos os processos de ocupação que estão acontecendo tanto no estado quanto no Brasil”, explica Romario Rodrigues, da direção estadual da juventude do MST.
Frente ao monumento dos mártires, juventude pede justiça aos assassinados e mutilados. Foto: Igo Galvino
Apesar do massacre, o estado do Pará, território onde avançam as monoculturas, o agronegócio e as atividades de mineração, segue sendo um dos mais violentos no campo, com cinco assassinatos somente no ano de 2023.
“Em uma região como essa, marcada por muitas lutas, por processos de resistência de camponeses em defesa da reforma agrária e que lamentavelmente vitimou dezenas de lideranças de trabalhadores e trabalhadoras do campo, mais do que nunca, fazer esse ato, aqui na Curva do S em memória de Eldorado dos Carajás, mas também de todos aqueles que tombaram ao longo dos anos aqui nessa região, é algo muito importante, para que isso nunca mais ocorra, de mortes e assassinatos no campo, e também para dizer que a paz no campo só é possível com a implementação da reforma agrária popular”, explica Ayala Ferreira, da Direção Nacional do MST no Pará.
Sobrevivente do massacre e hoje assentada, a vingança de Maria é ensinar aos que ainda não sabem. Foto: Eduardo Moura
Mulher negra, mãe solo, Maria Zelzuíta é uma das sobreviventes que ajuda a erguer o acampamento e, principalmente, a alimentar a juventude de sonhos e rebeldia, sob o comando da cozinha que serve cerca de 300 pessoas, transformando a dor e o luto, em luta por justiça aos companheiros assassinados e enterrados ali mesmo.
“O meu sentimento aqui nesse pedaço de chão não é de felicidade, é de raiva, é de revolta. Cadê a justiça que foi feita? São 18 anos e cadê a justiça? Só eles que estão ali debaixo do chão. Porque só o Oziel aparece e os outros nomes não aparece? Porque ele foi a criança, o mais massacrado, o mais torturado”.
19 camponeses foram brutalmente assassinados no momento, outros 2 vieram a falecer em consequência da violência. Foto: Igo Galvino
Zelzuíta lembra da violência brutal da polícia naquele dia contra milhares de camponeses que marchavam rumo a Belém, onde iriam cobrar o direito a um pedaço de chão para viver. Naquele 17 de abril de 1996, hospitalizado, o filho pequeno avisou que sentiu que perderia a mãe.
“O pessoal veio em cima, né? Aí eu lembrei do que ele tinha me falado. Meu filho ia ficar sem mãe e já não tinha pai. Foi nessa hora que eu corri, levando mais duas criancinhas, que era do pessoal do meu grupo e tinha se perdido da mãe. E aí uma gritaria, sangue no meio da pista, pedaços de cabeça, de tudo. Então todo acampamento, no dia 9 quando a gente chega aqui, vem um filme na minha cabeça… isso é o que faz eu permanecer todos os anos no acampamento”, lembra Zelzuíta.
De 155 policiais militares que atuaram nos atos de violência brutal praticados no Massacre de Eldorado dos Carajás, somente os dois comandantes da operação foram julgados e punidos, 16 anos após os crimes. A pena do coronel Mário Colares Pantoja foi de 228 anos de prisão, sendo apenas quatro deles em regime fechado e, logo depois, liberado para prisão domiciliar, mas ele faleceu no ano de 2020 por complicações de saúde relacionadas à covid-19. Já o Major José Maria Pereira Oliveira, foi condenado a 158 anos de prisão e também garantiu o direito de prisão domiciliar, enquanto os outros 155 policiais militares foram absolvidos.
Ceres Hadich e Tito Moura, da coordenação nacional do MST reforçam papel da Reforma Agrária. Foto: Ícaro Matos
Em celebração aos 40 anos do MST e em plena construção do 7º Congresso Nacional do movimento que acontece de 15 a 19 de julho deste ano, a direção nacional se fez presente no acampamento e reforça o papel de lembrar episódios de dor e luto da sua história para seguir avançando.
“A luta pela reforma agrária não é uma luta criminosa, não é uma luta ilegal. A luta pela reforma agrária é uma luta pela libertação da terra, das pessoas, pela honra dos nossos mártires. Então Eldorado dos Carajás nos ensina que é preciso seguir acreditando, é preciso seguir sonhando, pela memória de todos os nossos mártires”, explica Ceres Hadich, da direção nacional do MST.
Até o momento, a Jornada Nacional de Luta pela Terra do MST contabiliza a realização de 30 ações diversas neste mês de abril, em 14 estados do país, mobilizando mais de 20 mil famílias. Desse total, são 24 ocupações de terra em 11 estados.
“É fundamental a gente anunciar, não só aqui no estado do Pará, não só aqui na Curva do S, mas em todo o nosso país, de que a luta, essa nossa luta, precisa seguir se fazendo, trazendo aquilo de mais libertador, aquilo que significa mais renascimento para o nosso movimento, que são as ocupações de terra. E que a nossa luta siga por mais quantos anos forem necessários, até que não tenha mais gente sem terra e terra sem gente”, conclui Ceres.
Edição: Matheus Alves de Almeida