Pela Natureza e seus Povos

Como o uso do pinhão na culinária contribui para preservar a Mata Atlântica

No Paraná, comunidades da Reforma Agrária buscam alternativas para gerar renda, permanecer no território onde vivem e preservar a araucária
Ana Paula Siqueira Rodrigues, da comunidade da Reforma Agrária Cinco de Maio, localizada em Pinhão (PR). Foto: Diangela Menegazzi 

Por Diangela Menegazzi e Ednubia Ghisi
Da Página do MST

A semente da araucária, árvore-símbolo do Paraná, faz parte da história de resistência dos povos originários e da cultura alimentar do estado até hoje. Para além da forma tradicional como o pinhão é consumido, cozido ou assado, a ampliação do seu uso na culinária tem se mostrado uma aliada na preservação e recuperação da araucária, uma das espécies ameaçadas de extinção no bioma Mata Atlântica.  

Ana Paula Siqueira Rodrigues surpreendeu-se ao ver 100 modos de preparo do pinhão, em receitas doces e salgadas. “Até então eu pensava que o pinhão era só cozido ou na chapa [do fogão à lenha], não sabia que ele pode ser utilizado em outras receitas e assim diversificar nossa alimentação”, comentou a jovem camponesa da comunidade da Reforma Agrária Cinco de Maio, localizada no município de Pinhão, região Centro do Paraná. 

Conhecer diferentes modos de preparo do pinhão é o que Ana Paula e diversas pessoas de assentamentos e acampamentos da Reforma Agrária dos municípios de Pinhão e Guarapuava, integrantes da Brigada Cacique Guairacá do MST, estão buscando. Por isso, no último dia 28 de maio, participaram do curso “Alimentação com os sabores do Pinhão”. 

As novas receitas salgadas e doces foram apresentadas pela nutricionista Maria Fátima de Oliveira Negre, colaboradora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e pela bolsista de Tecnologia de Alimentos Maria Iolanda Mendes Silva. 

Além de muito versátil para pratos doces e salgados, Fátima Negre reforçou o valor nutricional do pinhão, muito rico em fibras, em potássio e fósforo. O alimento ajuda a prevenir doenças intestinais e cardiovasculares, pela redução do colesterol e dos triglicerídeos. O período de coleta do pinhão coincide com a época mais fria do ano no estado, entre meados de abril e junho. 

Negre é coautora do livro “O Pinhão na Culinária”, publicado pela própria Embrapa, com 100 receitas para todos os gostos. “Essa experiência foi muito enriquecedora, trabalhar com as pessoas da agricultura, ensinar elas e aprender é muito importante. Isso vai agregar valor para cooperativa e aos produtos delas”, conta sobre a experiência de trabalhar com o grupo de mulheres do MST. 

O curso “Alimentando com os sabores de Pinhão” reuniu mais de 30 pessoas, principalmente mulheres camponesas. Foto: Diangela Menegazzi

Iara de Souza, integrante da direção da Brigada, contou que o curso vai contribuir com a organização da CooperGuairacá, cooperativa das famílias camponesas da região. “É um impulso muito grande para nossas produções. Esse curso vai agregar muito na comercialização da nossa futura cooperativa, que está em processo de construção. Grande parte das associadas são mulheres, que com certeza vão replicar as produções aprendidas hoje”.

As mulheres da Brigada formam o coletivo Eternas Guerreiras, que realiza diversas ações de formação e organização das camponesas da região.

O curso faz parte de uma ação preparatória para a 2ª Jornada da Natureza – “Semeando Vida para enfrentar a Crise Ambiental”, que será realizada do dia 3 a 7 de junho no estado do Paraná. No dia 5, as áreas de reserva legal do Assentamento Nova Geração, de Guarapuava, e da comunidade Nova Aliança, de Pinhão, vão receber Lançamento de 1,5 toneladas de semente de araucária, além do plantio da árvore enxertada e outras espécies no Sistema Agroflorestal (SAF).

Mata Atlântica protegida e geração de renda

A pesquisadora Rossana Catie Bueno de Godoy, da Embrapa Florestas, enfatiza que a valorização do pinhão como alimento pode transformar a visão dos produtores sobre a araucária, uma árvore frequentemente vista como problema e cortada ainda jovem. 

Agregar valor aos frutos da Mata Atlântica é o objetivo das famílias camponesas que veem no futuro a construção da CooperGuairacá. Foto: Diangela Menegazzi

“Quando o pinhão é valorizado como alimento e isso ganha uma notoriedade, a pessoa pode ver que a araucária vale muito mais em pé do que derrubada. Isso muda todo um contexto”, afirma a pesquisadora. 

Godoy ressalta que o pinhão, além de ser um alimento nutritivo e culturalmente significativo, pode melhorar a gastronomia local e ser inserido na merenda escolar. A agroindustrialização do pinhão em forma de farinha amplia suas possibilidades de uso, como em pães, bolos e massas caseiras, diversificando a cesta de bens de consumo e aumentando seu valor.

Eva Franciele dos Santos, da comunidade Encontro das Águas, em Guarapuava, também destacou a importância de valorizar os produtos da sociobiodiversidade para potencializar o projeto de Reforma Agrária e a preservação da Mata Atlântica. “Entendemos que somos parte da natureza e podemos conviver com ela sem perder a qualidade de vida”, afirmou Eva.

Além da construção coletiva de uma cooperativa para agregar valor ao pinhão, à erva-mate e as frutas nativas, a Brigada Cacique Guairacá planeja criar um viveiro de araucária enxertada para reflorestar áreas afetadas pela antiga indústria de madeira pertencente a João José Zattar. O objetivo é proteger os bens comuns da natureza e viver em harmonia com ela por meio da agroecologia e cooperação. 

Leila Klenk, superintendente do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) no Paraná, esteve no curso e enfatizou o papel das comunidades da Reforma Agrária da região em aliar melhores condições de vida para as famílias camponesas, em harmonia com a natureza. “Nós, como poder público, temos a obrigação de oferecer à sociedade políticas públicas que pensem na preservação do meio ambiente e na qualidade de vida da população”. 

Proteger os bens da natureza e viver em harmonia por meio da agroecologia e cooperação é o que a Brigada Cacique Guairacá deseja desde o centro do Paraná. Foto: Diangela Menegazzi

Programação da 2ª Jornada Natureza

A Jornada reforça a integração da luta pela Reforma Agrária com ações de enfrentamento à crise ambiental, que já causa danos incalculáveis à vida, sendo a mais recente no Rio Grande do Sul, e em diversas partes do planeta. As mobilizações vão marcar o Dia Mundial Meio Ambiente, celebrado no dia 5 de junho, e fazem parte da Jornada Nacional em Defesa da Natureza e seus Povos, organizada pelo MST em todo o país.

A ação é parte do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, do MST, e busca intensificar a recuperação ambiental e a produção de alimentos saudáveis, com a meta de plantar 100 milhões de árvores até 2030.

Confira a programação completa: 

03 de junho, segunda-feira
Local: Município de Quedas do Iguaçu (PR)
Atividade: Lançamento de 7 toneladas de sementes de palmeira juçara em cerca de 250 hectares de reserva legal do assentamento Celso Furtado e das comunidades Vilmar Bordin, Fernando de Lara e Dom Tomás Balduíno. 

Programação:
7h30 – Café da manhã Sabores da Mata Atlântica, com visita à mata e à agroindústria (para autoridades convidadas)
9h – Início do sobrevoo para lançamento das 7 toneladas de sementes 
10h – Visita técnica de pesquisadores e autoridades às áreas semeadas em 2023
11h30 – Assembleia Popular da 2ª Jornada da Natureza
13h30 – Almoço comunitário (trazer pratos e talheres)
15h – Continuação do sobrevoo para lançamento de sementes
15h30 – Matibaile

04 de junho, terça-feira
Local: Terra Indígena Rio das Cobras – Nova Laranjeiras (PR)
Atividade: Semeadura aérea de 2 toneladas de semente de palmeira juçara e 1 tonelada de pinhão, em cerca de 40 hectares. Restauração produtiva de 2 hectares em Sistema Agroflorestal (SAF) Comunitário, com mudas nativas, erva-mate, araucária e mandioca.  Distribuição de 100 kits produtivo: rama de mandioca, mudas e sementes.
Local central: Sede Terra Indígena Rio das Cobras – Nova Laranjeiras/PR

Programação:
8h – Recepção e Acolhida
Visitas à escola da comunidade, Unidade de Saúde e Unicentro
9h – Início mutirão para Restauração produtiva em Sistema Agroflorestal (SAF) Comunitário com mudas nativas, erva-mate, araucária e mandioca.
9h30 – Sobrevoo para semeadura de 2 toneladas de semente de palmeira juçara e 1 tonelada de pinhão
11h30 – Assembleia Popular da 2ª Jornada da Natureza, com entrega dos kits de mudas e ramas
13h –  Almoço comunitário (trazer pratos e talheres)
14h – Atividades Culturais 

05 de junho, quarta-feira (Dia Mundial do Meio Ambiente)
Local: Comunidade Nova Geração e Nova Aliança – Guarapuava e Pinhão (PR)
Atividade: Lançamento de 1,5 toneladas de semente de araucária — Assentamento Nova Geração. Assembleia Popular da Reforma Agrária — Comunidade Nova Aliança

Programação:
> Assentamento Nova Geração – Guarapuava/PR
7h30 às 8h30: Café e acolhida
9h: Mística de abertura e Assembleia Popular da 2ªJornada da Natureza
9h30: Sobrevoo para semeadura de semente de araucária 
> Comunidade Nova Aliança – Pinhão/PR
12h30:  Almoço comunitário (trazer pratos e talheres)
14h: Assembleia Popular da Reforma Agrária
15h: Plantio de araucária enxertada e árvores no Sistema Agroflorestal (SAF) Comunitário

07 de maio, sexta-feira
Local: Comunidade José Lutzemberger, município de Antonina (PR)
Atividade: Lançamento de 1 tonelada de palmeira juçara

Programação:
9h: Café Caiçara e acolhida
9h30: Mística de abertura e Assembleia Popular da 2ª Jornada da Natureza
10h30: Sobrevoo para semeadura de 1 tonelada de juçara
11h: Visita ao Sistema Agroflorestal e Agroindústria
13h: Almoço comunitário (trazer pratos e talheres)
14h: Leitura da carta caiçara
Tarde: Apresentações culturais do grupo de Fandango Caiçara Mandicuera e Boi de Mamão
Feira da Reforma Agrária Popular e banho de rio  

*Editado por Wesley Lima