Audiovisual

Escola de Cinema do Campo inicia segunda etapa no Pará

Curso será composto por um total de quatro etapas desenvolvidas ao longo de 2024; segunda etapa acontece de 01 a 08 de junho, em Marabá
2ª etapa da Escola de Cinema do Campo. Foto: Maria Silva

Por Maria Silva
Da Página do MST

Desde o último sábado (01) o MST no Pará, através dos Setores de Comunicação e Cultura, reúne 18 educandos vindos de diversas regiões do estado para a realização da segunda etapa da Escola de Cinema do Campo, na Fundação Sócio Agroambiental Cabanagem, coordenada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), no município de Marabá, região sudeste do estado. Além dos educandos do MST, participam também uma pessoa da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) e um estudante da Universidade Federal do Pará (UFPA), que desenvolve extensão em um acampamento do MST.

O curso, concretizado a partir da Lei Paulo Gustavo, criada em 2022 a fim de proporcionar a realização de projetos e ações culturais em todo o território nacional, será composto por um total de quatro etapas, desenvolvidas ao longo deste ano de 2024, pela parceria entre o Centro de Formação, Produção e Artes da Amazônia (CONDURU), vinculado ao MST, e a Pró-reitoria de extensão Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA).

“A Escola de Cinema do Campo nasce da possibilidade de aprofundar mais a formação nos nossos territórios camponeses. A Lei Paulo Gustavo foi uma grande oportunidade pra gente conseguir impulsionar uma formação que pudesse trabalhar com os sujeitos do campo. Desde a construção da Escola, o pensar o Setor de Comunicação, de Cultura junto com parceiros, como a [cineasta] Julia Mariano, foi muito importante nesse processo. É uma escola de cinema, mas que trabalha também o audiovisual numa perspectiva do MST”, nos conta Nieves Rodrigues, do Setor de Comunicação no estado, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e uma das coordenadoras do curso.

Um dos principais desafios da Escola de Cinema do Campo está na formação de pessoas que possam se apropriar tanto das questões técnicas básicas como manuseio dos equipamentos disponíveis, por exemplo, quanto no âmbito da própria linguagem cinematográfica e audiovisual, na perspectiva de abordar temas que o estado pretende desenvolver em seus territórios, assim como contribuir com as produções do MST à nível nacional.

“O central dela [Escola] é a gente conseguir formar pessoas que sejam capazes de produzir, tanto no sentido técnico, mas também da palavra, de se profissionalizar no processo audiovisual. Temos construído isso e eu enxergo como muito importante que possamos ser multiplicadores desse processo”, complementa Nieves. “Nós já temos a Brigada de Audiovisual Eduardo Coutinho (BAEC), que é uma brigada nacional, e eu tenho a expectativa de que a gente consiga construir um núcleo dessa Brigada também aqui no Pará.”

O primeiro momento de formação da Escola de Cinema do Campo aconteceu durante o 18° Acampamento Pedagógico da Juventude Sem Terra Oziel Alves, na Curva do S, em Eldorado do Carajás, atividade que acontece anualmente entre os dias 10 e 17 de abril em memória ao Massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido em 1996. Aproveitando a realização da etapa durante o acampamento, os educandos da Escola tiveram como tarefa o registro audiovisual do mesmo, na expectativa de já irem descobrindo e se apropriando, desde o início da formação, da linguagem na prática. Alguns desses mesmos educandos ficaram também com a tarefa de organizar o material e avançar na edição do mesmo durante a segunda etapa do curso.

Repertório

Um outro objetivo da Escola é o que se chama de criação de repertório, de referências audiovisuais para o trabalho posterior nos seus diversos espaços de atuação, de conhecer, pesquisar, analisar a partir também de um olhar crítico, produções cinematográficas e audiovisuais que já foram realizadas. Para isso, um número grande de produções do cinema brasileiro, latino-americano e mundial, independente, bem como algumas das produções da BAEC, já passaram e ainda passarão por essa segunda etapa e nas próximas que seguem, visando os materiais que, de alguma maneira, influenciam e dialogam com a produção que se pretende com a formação na Escola e no fazer cotidiano do audiovisual no MST, no campo. Outro ponto trabalhado nessa etapa é a análise e construção de roteiros documentais e de ficção.

Nas discussões e construção desse repertório comum e, de certa forma, direcionado, assistir a filmes, episódios de séries e as próprias produções dos educandos realizadas durante as oficinas práticas, acalora a discussão sobre o que se produzir e como se produzir, de um lugar como os movimentos sociais e que, por sua vez, está dentro de uma sociedade que sempre nos fez acreditar que só havia uma única forma de fazer cinema e vídeos, a dos grandes meios de comunicação ou os de Hollywood apenas, o que Maria Raimunda, da Coordenação Nacional do Coletivo de Cultura do MST, aludiu em sua fala como uma “monocultura da imagem, do sentido, do sentir”, em que tudo o mais que não entre nisso, não poderia ser sequer considerado.

Para a cineasta Julia Mariano, que tem contribuído na formação da Escola de Cinema do Campo desde a construção do projeto, essa questão do território e da apropriação do fazer audiovisual, cinematográfico, é um ponto muito importante no todo desse processo de formação para e com os trabalhadores rurais, já que “pensar essa Escola, pensar a formação de cineastas rurais tem a ver com a importância das pessoas, nos seus territórios, serem capazes de tecnicamente, dramaturgicamente, cinematograficamente, contarem as suas próprias histórias”.

2ª etapa da Escola de Cinema do Campo. Foto: Maria Silva

O tema acaba sendo apontado para além da questão do ponto de vista no qual uma pessoa do e no campo produz filme, mas também onde se pode chegar ao pensar e propor essa mesma produção a partir do campo, dos territórios do MST, segundo Julia. “É uma questão de ponto de vista, sem dúvida nenhuma, mas também é uma questão formal, uma questão que eu fico pensando, enquanto cineasta brasileira, das possibilidades de novas linguagens que podem aparecer a partir de uma experiência de cinema no campo, a partir da perspectiva de cineastas rurais”.

Abrir a cabeça e refletir para além do que estamos acostumados a ver e ouvir como “certo”, edificado numa rapidez já constituída na intenção de não se ter tempo para o pensar ou o desenvolvimento de opiniões, é um desafio e tanto para quem produz ou deseja produzir materiais no campo da imagem. Fica ainda pior quando vamos para o campo, já que o próprio cinema ainda é um processo e “uma arte muito urbana. Mas a gente também entende que existe não só a demanda, mas o desejo e a vontade de se criar um cinema no campo, de se pensar o cinema para além da cidade”, diz Julia.

Nessa perspectiva do acesso a cada vez mais pessoas e organizações, a Escola se coloca também a entender a formação a partir de produções com o celular, que hoje se tornou uma ferramenta comum em muitas mãos, ainda que diversas dificuldades, como a falta de memória, qualidade da câmera, etc, permaneçam em muitos casos e interfiram diretamente no processo da produção fílmica. Ainda assim, pensar a edição a partir dessa ferramenta contribui para se criar também uma certa horizontalidade e ampliar a produção do conteúdo para e com nossa base, como já propõe a BAEC e outros coletivos e pessoas, como a educadora popular e cineasta Geo Abreu, que trabalha com o conceito a que se ousou denominar “Cinema de Emergência” e hoje contribui a partir desse tema na segunda etapa da Escola de Cinema.

“O Cinema de Emergência tem um lugar de você estar diante de uma situação na qual não tem existe o tempo de preparação adequado para fazer um filme, ao mesmo tempo em que precisa capturar imagens, sons, então o celular costuma ser essa ferramenta que está mais à mão, e a importância disso para os movimentos sociais é total […], saber usar as ferramentas e fazer de forma adequada. É um cinema de emergência, mas ele é pensado, não é só pegar o equipamento, e sair gravando tudo, aleatoriamente”, explica Geo, contextualizando o conceito e o trabalho desenvolvido. O reforço é para que, apesar da emergência no nome, deve-se ter um mínimo de preparo e intencionalidade para conseguir o que se quer, com os materiais e o tempo que se tem. “A oficina, essa formação aqui, serve justamente para a gente pensar a respeito de como se preparar para essa possível emergência, de estar pronto para sacar o celular e fazer o melhor possível”, arremata.

A perspectiva pedagógica de continuidade das formações e multiplicação da linguagem audiovisual e do cinema no Movimento, bem como a formação de formadores, segue nas falas de praticamente todos os participantes da Escola, desde a Coordenação Político Pedagógica até os próprios educandos, quando se pensa futuras produções que abordem as histórias dos seus territórios antes de se tornarem áreas de reforma agrária, por exemplo, como nos apresenta a educanda Lua Carvalho do que ela própria pode/pretende fazer quando finalizar o curso. “Depois da Escola de Cinema eu já estou pensando em escrever projetos de audiovisual voltados para a minha regional. Como eu faço parte do Setor de Comunicação, eu acho que seria interessante desenvolver um projeto falando, por exemplo, da Guerrilha [do Araguaia], as histórias da guerrilha, acho que seria interessante.”

2ª etapa da Escola de Cinema do Campo. Foto: Maria Silva

“Temos a tarefa de trabalhar nos nossos territórios, nas nossas casas, com a juventude, essa linguagem que é tão importante para demonstrar para a sociedade o quão importante, justa e bonita é essa luta que o Povo Sem Terra vem desenvolvendo nesses 40 anos de MST”, complementa outra educanda, Kananda Rocha.

Já o educando Eros Jara visualiza uma continuidade do seu processo formativo a partir de outro modo de perceber as coisas, como o conjunto e o trabalho em outras produções. “Eu tenho muita vontade de, quando terminar essa Escola, eu assistir obras que antes eu assistia, mas percebendo o processo que levou ao resultado final dessa obra, sabe?”, e avalia a formação adquirida durante a primeira etapa e metade da segunda, “é uma formação muito massa pra permitir pra gente coisas que, geralmente, não está muito no nosso acesso, ao nosso alcance”, finaliza.

Por fim, na crença de funcionar os processos formativos no MST, Nieves reforça uma vez mais o desejo de todos que constroem a Escola de Cinema do Campo no Pará, “de que a gente possa criar esse coletivo e que ele seja orgânico, consistente e com disponibilidade e criatividade. Que tenha essa dinâmica de criar mais possibilidades para trazer mais pessoas pra junto da gente, mas também desenvolver coisas nos territórios e à nível estadual, de como é que a gente pode contribuir com o nosso Movimento a partir do audiovisual, do cinema, colocando a nossa cara, a cara do MST, nessas produções”.

*Editado por Fernanda Alcântara