Novas Relações Humanas
Enfrentar as violências é tarefa de todo revolucionário
Por Wesley Lima
Da Página do MST
Entre os dias 5 e 7 de junho, o Movimento Sem Terra realizou o 2º Seminário das Relações Humanas e a Reforma Agrária Popular, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), localizada em Guararema (SP). A atividade reuniu militantes Sem Terra de todo o Brasil para discutir os principais desafios e as perspectivas da luta contra as violências nos territórios do MST.
Um conjunto de temas fizeram parte dos debates realizados, como as “As marcas da violência na subjetividade e nas relações humanas”, “O avanço do conservadorismo no Brasil como projeto de poder” e “Emancipação Humana e a Reforma Agrária Popular”. Essas questões serviram como base para construção de ações práticas de enfrentamento às violências, que terão desdobramentos nas áreas e espaços do Movimento e no VII Congresso Nacional do MST, que ocorrerá em julho de 2025, em Brasília (DF).
O Seminário apontou uma série de afirmações e aprendizados importantes para seguir no monitoramento, acolhimento e enfrentamento direto às diversas formas de violência no campo.
Segundo Lucineia Freitas, da direção nacional do MST pelo setor de Gênero, a principal síntese dessa construção é a afirmação que “o enfrentamento às diferentes formas de violência é um ato revolucionário”, e que uma organização que propõe a transformação da sociedade precisa atuar também a partir das contradições dentro do Movimento da história.
“Para o MST o Seminário foi importante porque aprofunda o entendimento do papel da violência no modo de produção capitalista e de como impacta a nossa subjetividade e nossa humanidade. Ele [o Seminário] ajudou também a pensar a centralidade do enfrentamento às violências (auto infligidas, interpessoais e coletiva) para que possamos avançar na implementação da Agroecologia e da Reforma Agrária Popular”, explicou Freitas.
Dados da violência
Historicamente, a luta camponesa pela terra é atravessada pela violência do latifúndio, do agronegócio e do Estado. Essa repressão tem resultado em diversas violações de direitos humanos e massacres. Um dos mais conhecidos foi o Massacre de Eldorado do Carajás, no estado do Pará, que vitimizou, em abril de 1996, 21 trabalhadores rurais Sem Terra.
Esse não foi um caso isolado na história do Brasil e, atualmente, a violência no campo segue sendo uma questão alarmante.
De acordo com o relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (2023), o Brasil registrou número recorde de conflitos no campo. Foram contabilizados 2.203 conflitos agrários no país. Na última década, até então, o maior número de conflitos havia sido registrado em 2020, com 2.130 casos.
Estes conflitos podem ser relacionados à terra, à água, ao trabalho, entre outros. Alguns exemplos de violência no campo são casos de pistolagem, grilagem, invasão de terras, expulsão, destruição de pertences, trabalho análogo à escravidão, entre outros.
O Seminário chamou atenção para esses números, mas também, com um nível de destaque importante, para os números de violência protagonizados pelo machismo, pela LGBTQIAPN+fobia e pelo racismo no Brasil. A ideia é construir um diagnóstico de como esses dados também estão presentes nas áreas e nos espaços do Movimento, para construir ferramentas formativas e organizacionais no enfrentamento também a essas formas de violências contra os povos do campo.
Em 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. Os dados referem-se a oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança (BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ, SP). Essa informação consta do novo boletim Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver, divulgado nesta quinta-feira (7). Ao todo, foram registradas 3.181 mulheres vítimas de violência, representando um aumento de 22,4% em relação a 2022.
Cerca de 20 milhões de brasileiras e brasileiros (10% da população), se identificam como pessoas LGBTQIA+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), desse total, 92,5% dessas pessoas relataram o aumento da violência contra a população LGBTQIA+, segundo pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, com o apoio da Fundação Ford.
Dados do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) divulgados em 2022 apontaram que mais de 17 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes foram registradas de janeiro a abril de 2023, sendo que 14 mil violações aconteceram na casa da vítima, do suspeito ou de familiares.
Além desses números alarmantes, a avaliação de que pessoas pretas são as que mais sofrem com o racismo é quase unanimidade entre os brasileiros, já que nove em cada dez pessoas (96%) compartilham dessa visão. Esses são alguns dos dados da pesquisa Percepções sobre o racismo no Brasil, realizada pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), sob encomenda do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista).
Ainda de acordo com o estudo, mais da metade (51%) dos brasileiros declarou já ter presenciado um ato de racismo, e seis em cada dez pessoas (60%) consideram, sem nenhuma ressalva, que o Brasil é um país racista. Outros 21% concordam em parte com essa visão.
O que fazer?
Entender que vivemos em um país marcado pela violência é o primeiro passo para pensar ações concretas de sensibilização, prevenção, acolhimento das vítimas e de enfrentamento direto a todas as formas de violência. Durante o Seminário, o MST ressaltou que esse entendimento precisa ser coletivo para, a partir disso, desenvolver um conjunto de agendas que possam atuar nessas perspectivas.
Nesse sentido, o Seminário sinalizou que é essencial durante todo o ano de 2024 avançar na construção de atividades formativas, como cursos, seminários, oficinas, e na construção de campanhas internas que possam atuar também na formação e na sensibilização em torno do tema com as famílias assentadas e acampadas do MST.
Apareceu também a necessidade de se pensar processos de articulação política junto a coletivos que possam contribuir no atendimento psicológico às vítimas e na construção de espaços de acolhimento.
A ideia é que a partir do Seminário e desses apontamentos, um conjunto de iniciativas possam ser incorporadas no Movimento a nível nacional para contribuir no enfrentamento às violências e na garantia da participação de todos e todas que constroem a luta em defesa da Reforma Agrária Popular.
*Editado por Fernanda Alcântara