Coluna
Isenção agrotóxicos. Quem está no comando?
Por Leonardo Melgarejo
Do Brasil de Fato RS
Nesta semana o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um novo passo em discussão estreitamente relacionada a continuidade de avaliação, da Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553. Apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, esta ADI questiona a isenção de tributos aos agrotóxicos (60% no ICMS e até 100% no IPI).
Os ministros, que como boa parte dos brasileiros não possuem acesso a conhecimentos especializados da área, nem uniformidade de interpretação sobre o tema, escutaram nesta fase aportes trazidos por “amigos da corte”.
Os representantes de entidades patronais e organizações beneficiárias da isenção de tributos afirmaram que a medida é constitucional, que se não for mantida provocará redução na produção, na rentabilidade e na segurança das cadeias produtivas, levado à inflação de preços dos alimentos, e à insegurança alimentar, bem como ao estímulo no uso de produtos perigosos, irregulares e contrabandeados, “estes sim prejudiciais” a saúde. Argumentaram que os agrotóxicos utilizados no Brasil são objeto de avaliações robustas, continuadas e seguras. Que a suspensão dos benefícios não se apoiaria em evidências concretas, inexistindo relações de causa/efeito entre as atuais isenções e o uso de agrotóxicos, ou mesmo entre o “bom” uso destes venenos e os alegados danos à saúde e ao meio ambiente.
As entidades comprometidas com a saúde da população, a defesa ambiental e a segurança alimentar sustentaram o oposto. Seus argumentos apontaram que aquelas isenções desregulam o mercado de insumos e produtos, dificultando a consolidação de modelos de produção mais amistosos ao ambiente. Isto tornaria nosso território especialmente atrativo para absorção de venenos com uso não autorizado em outras regiões do planeta, explicando nossa posição de maior consumidor mundial de tóxicos não permitidos em seus países de origem. As implicações diretas se evidenciariam no comprometimento da potabilidade da água (pelo menos 27 agrotóxicos presentes nas águas de consumo urbano de 25% das cidades brasileiras) e da inocuidade dos alimentos (presença de resíduos de venenos de uso ou em quantidade irregular, em 25% dos alimentos), bem como na concentração de casos de câncer, anancefalia, abortos e mal formações fetais em regiões dominadas pelo uso daqueles venenos.
Utilizando mais de 80% dos agrotóxicos vendidos no Brasil, as lavouras de exportação (soja, algodão, cana e milho) e pastagens (que em conjunto teriam apresentado crescimento de 187% na área ocupada de 2000 a 2021), seriam responsáveis pela redução na oferta de alimentos (queda de 54% e 37% nas áreas cultivadas com arroz e feijão, respectivamente, para o mesmo período). Isto, associado à destruição de ocupações produtivas que aquele modelo provoca, explicaria o fato de que, ao sucesso do agronegócio de exportação correspondem o agravamento da fome, da miséria, da insegurança alimentar e da degradação ambiental em nosso pais.
Neste sentido, a par da fragilização de ecossistemas invadidos por aquele modelo de produção, que acabam ampliando a dimensão dos desastres ambientais, haveria que considerar a subtração de recursos públicos (R$12,9 bilhões apenas em 2021), que limitaria o alcance de medidas preventivas e de recuperação para situações que, como esta verificada no RS, se desenham para outras partes do território nacional.
Concluindo: uma vez aquelas facilitações e estímulos a uma agricultura dependente de venenos e subsídios já perdurava há 27 anos, os aportes sobre o tema, por parte da comunidade científica e das evidências de realidade, acabaram se tornando ineludíveis.
Com isso, abafadas e desmascaradas as campanhas de marketing, sociedade organizada comemorava o primeiro voto do relator desta ADI 5553, quando o julgamento foi suspenso. Naquele voto, evocando o princípio da precaução o ministro Fachin não apenas reconhecia a inconstitucionalidade e os malefícios daqueles privilégios (Isenção de impostos para agrotóxicos é inconstitucional, aponta ministro Edson Fachin), como sugeria caminhos para sua correção.
Na retomada do julgamento surgiram divergências e na reunião desta quinta-feira (13), evidenciada a necessidade de mais amplos esclarecimentos para o país como um todo, tornou-se oportuna a realização de uma audiência pública.
Com esta perspectiva, acatando proposta do ministro Fachin, o colegiado do STF optou pela figura da diligência processual. Nesta situação, o processo foi retirado de pauta para complementação de informações que serão coletadas em audiência pública, em data a ser informada, e para a qual precisaremos estar atentos e bem-preparados.
Com esta finalidade, e em complementação ao texto da coluna, recomendo leitura e divulgação de informe produzido pela campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko