Dia da Araucária
Araucária em pé: pinhão é fonte de renda e alimentação a comunidades do MST no Paraná
Por Diangela Menegazzi e Ednubia Ghisi, do Setor de Comunicação e Cultura do MST no PR
Da Página do MST
Na segunda-feira, 24 de junho, é celebrado o Dia Nacional da Araucária. A árvore símbolo do Paraná figura na lista das espécies ameaçadas de extinção desde a década de 1990. Entre a desenfreada exploração madeireira e a expansão agrícola, atividades que colocaram em risco a árvore, camponesas e camponeses Sem Terra buscam manter viva a espécie ancestral e gerar renda com os frutos no Paraná.
Durante a realização da 2ª Jornada da Natureza, sob o lema “Semeando vida para enfrentar a crise ambiental”, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou a semeadura aérea de 3,3 toneladas de pinhão no assentamento Nova Geração, em Guarapuava. As sementes foram colhidas pelas próprias famílias camponesas em comunidades da reforma agrária da região. A ação realizada no Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, está diretamente ligada ao projeto de famílias Sem Terra, faxinalenses, quilombolas e posseiros, para construir uma cooperativa, a CooperGuairacá.
A organização das famílias busca estabelecer uma cadeia produtiva do pinhão, entre outros produtos do bioma Mata Atlântica, nas áreas que antes foram degradadas pela exploração predatória de grandes madeireiras. “Estamos avançando na criação da cooperativa, estruturando seu estatuto de fundação alinhado ao nosso compromisso com a preservação do meio ambiente”, anuncia o morador do assentamento Nova Geração, Nelson dos Santos.
As florestas de araucária já ocuparam 40% do território paranaense. Hoje, estima-se uma redução de mais de 97% de sua ocorrência em relação à porção original. A espécie é considerada ancestral, pois faz parte de um grupo de plantas que foram as primeiras a se estabelecerem de forma definitiva no ambiente terrestre há mais de 300 milhões de anos.
“Ela já vivia aqui muito antes de nós, e hoje podemos ser os guardiões desses territórios, porque, para nós, a araucária em pé significa uma fonte de sustento duradoura e sustentável”, expressa Clesmilda de Oliveira, acampada na comunidade Encontro das Águas.
Parte da renda da trabalhadora Sem Terra vem da coleta e comercialização do pinhão. Porém, hoje depende de atravessadores para obter a remuneração. Devido a isso, Clesmilda projeta que haverá melhora com a fundação da cooperativa. “A CooperGuairacá vai ser uma cooperativa camponesa para unificar nossa região e agregar valor ao pinhão”, afirmou.
O cuidado com a natureza é uma tarefa central no Programa Agrário do MST, documento que reúne as linhas políticas do movimento. Entre as ações práticas realizadas pelas comunidades da Reforma Agrária está o Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis, que busca intensificar a recuperação ambiental e a produção de alimentos saudáveis, com a meta de plantar 100 milhões de árvores até 2030.
A conservação pelo uso
“Nós sabemos que muitas pessoas veem a araucária como problema. Então, já desde pequena, cortam a árvore para que ela não cresça. Quando o pinhão é valorizado como alimento, as pessoas podem ver que a araucária vale muito mais em pé do que derrubada”, chama a atenção a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Florestas, Rossana Catie Bueno de Godoy.
Araucária em pé também é o que o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Flávio Zanette, defende há quase 40 anos. Ao longo da sua trajetória, ele pesquisou a Araucaria angustifolia, nome científico da planta, com objetivo de conhecer melhor o pinheiro-do-paraná para uso e manejo adequado e propor uma proposta de viabilidade econômica da espécie.
Assim, desenvolveu, por meio da enxertia, a possibilidade de araucárias produzirem pinhões a partir dos seis, sete, anos de idade, diferente das espécies comuns que demoram de 15 anos a 20 anos. “Trata-se de uma espécie de muita importância e devemos preservá-la, na verdade conservá-la. E como se conserva? Estimulando o plantio, e plantando para ter retorno financeiro”, destaca Zanette.
A aplicação dos estudos da pesquisadora da Embrapa e do professor da UFPR fizeram parte da programação da 2ª Jornada da Natureza, com realização de oficinas de enxertia e de preparo de alimentos com pinhão para as comunidades da reforma agrária de Guarapuava e Pinhão.
Pinhão na culinária
Além do consumo tradicional, cozido ou assado, a diversificação do uso do pinhão na culinária surpreendeu Ana Paula Siqueira Rodrigues, da comunidade Cinco de Maio. Ela participou do curso “Alimentação com os sabores do Pinhão” e descobriu novas receitas com pinhão.
O curso, ministrado pela nutricionista Maria Fátima de Oliveira Negre e pela bolsista Maria Iolanda Mendes Silva, destacou para cerca de 30 camponesas e camponeses a versatilidade e o valor nutricional do pinhão. “Até então eu pensava que o pinhão era só cozido ou na chapa [do fogão à lenha], não sabia que ele pode ser utilizado em outras receitas e assim diversificar nossa alimentação”, comentou Ana Paula.
Agroindustrialização de pinhão já é realidade em Bituruna
Um pouco mais ao sul do estado, no município de Bituruna, assentadas e assentados da reforma agrária geram renda com o pinhão. No assentamento 27 de Outubro, Elisa Ribeiro inspira confiança de que investir no processamento do pinhão é um bom negócio. Somente neste ano, a agricultora assentada da reforma agrária processou uma tonelada do alimento.
Parte do pinhão descascado, cozido e embalado a vácuo na agroindústria da Elisa e família foi destinada ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) por meio da Cooperativa de Comercialização de Produtos da Reforma Agrária do Contestado, a Coopercontestado, da qual Elisa é hoje presidenta.
A agricultora e sua família também investem na plantação de araucária enxertada para terem, no futuro, produção própria do pinhão. A família já tem mais de cem pés plantados em consórcio com a erva-mate. Atualmente, os pinhões beneficiados são comprados de outras pessoas da região.
No assentamento Rondon III, Jessé da Rosa e Geane Soares dão continuidade ao trabalho da família da Rosa, que iniciou com Anísio da Rosa e Isaura Dias da Rosa quando a área foi ocupada em 1989. O jovem casal conta que o pedaço de terra, àquela época, era totalmente degradado. As principais árvores, como cedro, araucária, e imbuia haviam sido retiradas por madeireiras. Mas pelo trabalho de conservação da espécie realizado pela família no Sítio Terra Campesina (como o nomearam), em 2024, cerca de cem árvores de araucária frutificaram no lote.
Jessé estima que nos últimos três anos, aproximadamente, seis mil quilos de pinhão foram comercializados, grande parte, também pela Coopercontestado. “De forma geral, uns 30% da nossa renda vem desse trabalho”. O camponês reforça, contudo, que “é preciso avançar em uma rede de intercooperação que pense o produto para além do que já é comercializado, para outras formas de consumo e outros mercados”.
“Araucária não é peça de museu”
Flávio Zanette esteve pessoalmente no acampamento Nova Aliança, em Pinhão, para ministrar a oficina de enxertia do pinheiro araucária. Na oficina para as camponesas e camponeses, ele ressaltou que a araucária não é peça de museu, e precisa ser regenerada.
Impactado pela gravidade do dano ambiental e social deixado pela madeireira de João José Zattar que atuava no local, ele defendeu a atual ocupação. “O povo tá aqui com a mão calejada trabalhando, o povo quer trabalhar, então vamos organizá-los para que tenham vida decente”, defendeu.
Eva Franciele dos Santos, do acampamento Encontro das Águas, município de Guarapuava, participou da oficina de enxertia ministrada pelo professor e a considerou importante para o projeto camponês. “Junto com a cooperativa, temos o desafio de construir um viveiro de araucária enxertada para o reflorestamento das áreas que foram afetadas pela indústria de madeira”, finalizou.
ALEP homenageia MST e órgãos públicos por ação de reflorestamento
A 2ª Jornada da Natureza será homenageada nesta segunda-feira, Dia da Araucária, pela Assembleia Legislativa do Paraná. A menção honrosa é uma proposição do deputado estadual Goura (PDT), e será entregue a integrantes do MST; da Terra Indígena Rio das Cobras; da Polícia Rodoviária Federal (PRF); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do Paraná (Ibama); Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Paraná (Incra); Companhia Nacional de Abastecimento do Paraná (Conab); Laboratório Vivan de Sistemas Agroflorestais da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Laranjeiras do Sul; Programa de Pós Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (PPGADR) da UFFS; Itaipu Binacional; Curso de Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR); e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária do Paraná (Embrapa) Florestas.
Realizada entre os dias 3 a 7 de junho deste ano, a 2ª Jornada realizou várias ações de reflorestamento, com a semeadura aérea de 12 mil quilos de sementes de palmeira juçara e de pinheiro araucária. Além da comunidade Nova Geração, em Guarapuava, as atividades ocorreram nas comunidades Dom Tomás Balduíno e assentamento Celso Furtado, em Quedas do Iguaçu; na Terra Indígena Rio das Cobras, em Nova Laranjeiras; na comunidade Nova Aliança, em Pinhão; e no assentamento José Lutzenberger, em Antonina.
*Editado por Fernanda Alcântara