Queimadas

Pantanal em chamas: “muralha de fogo” assusta em festa junina em Corumbá

Área queimada este ano chegou a 627 mil hectares, mostra o LASA/UFRJ; somente no fim de semana foram 256 focos de calor, segundo o INPE
Foto: Reprodução

Do ClimaInfo

Corumbá, Mato Grosso do Sul, noite de sábado (22/6). Em primeiro plano, as festividades do tradicional Arraial do Banho de São João, a principal festa típica do município. Ao fundo, uma “muralha de fogo” formada pelos incêndios no Pantanal cerca a cidade e lança uma densa fumaça no ar.

A cena seria inacreditável, não tivesse sido registrada em vídeo, repercutido amplamente nas redes sociais e também em diversos veículos, como g1, Hora 1, O Globo, Estadão, Terra, Poder 360 e UOL. E resume a tragédia do fogo no bioma, com números crescendo dia a dia e batendo sucessivos recordes.

Para se ter ideia da velocidade da destruição, dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) indicavam que as chamas haviam queimado 576,1 mil hectares no Pantanal de 1º de janeiro até sábado (22/6). Um dia depois, a destruição já totalizava 627 mil hectares, de acordo com o LASA/UFRJ. Uma área equivalente a mais de 4 vezes a cidade de São Paulo. E crescendo.

Somente em 22 e 23 de junho o Pantanal registrou 256 focos de calor, segundo o INPE. Em Mato Grosso do Sul foram 248 focos e em Mato Grosso, 8. Corumbá concentra 85,2% dos focos – 218.

No domingo (23/6), as labaredas se alastraram por boa parte da BR-262, principal acesso entre Corumbá e a capital do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, mas também seguiram pelas margens do Araguaia, que corta o estado verticalmente. Formaram o que a Veja chamou de “cruz de fogo”.

Com os incêndios piorando, o governo de Mato Grosso do Sul decretou situação de emergência, relata o g1. O decreto, publicado no Diário Oficial do estado na 2ª feira (24/6), vale para as cidades atingidas pelo fogo, mas não cita os municípios. A medida permite, por exemplo, que haja licitações sem edital para ações emergenciais.

O governo federal anunciou o envio de 7 aeronaves do IBAMA e do Exército para reforçar o combate ao fogo no Pantanal. Dois aviões chegaram no fim de semana a Corumbá, mas os demais continuam sem data definida de chegada, segundo a CBN. Cinquenta agentes vão atuar no enfrentamento ao fogo.

A lentidão dos governos federal e dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul em agir contra o fogo agrava o cenário. Mas é fato que o Pantanal sofre com uma estiagem severa e fora do período habitual em que as águas baixam na maior planície inundável do planeta – situação que tem como causa as mudanças climáticas, provocadas majoritariamente pela queima de combustíveis fósseis.

“O Pantanal, assim como toda a região do Brasil Central, está sofrendo, em 2024, uma das maiores secas de sua história causada pelas mudanças climáticas. Estamos observando uma redução muito forte da precipitação, que certamente está causando estes incêndios. Agora, é importante enfatizar que a maior parte desses incêndios são criminosos e trazem prejuízos enormes para o ecossistema. E basicamente todos esses incêndios são focados na expansão da agricultura”, explica o físico Paulo Artaxo, professor da USP e membro do IPCC, em falas repercutidas por BBC, Folha, Exame e O Dia.

O clima do Pantanal agora se assemelha ao que só era observado no Nordeste e no norte de Minas Gerais, explicou ao Fantástico a pesquisadora de secas do CEMADEN, Ana Paula Cunha. “O aumento das temperaturas nas últimas décadas e a redução das chuvas levou a uma mudança do clima da região, e parte do bioma é caracterizado como clima subúmido seco”, detalhou.

Em entrevista a Sônia Bridi no Fantástico, a professora da UnB Mercedes Bustamante reforça o peso da crise climática não apenas na seca no Pantanal, mas em outros eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos em todo o planeta. “O que estamos vivendo era algo que a ciência apontava como provável. Hoje temos uma parcela significativa da população vivendo fora do nicho climático para os seres humanos”, explicou.

Como as emissões de gases de efeito estufa continuam subindo, a especialista faz um alerta: “Quanto mais emissões, mais difíceis nossas estratégias de adaptação serão. Nossa capacidade de adaptação tem limites. São barreiras econômicas e sociais, mas também o que chamamos de limites ‘duros’, como a própria fisiologia humana. Todas elas vão depender do nosso esforço de redução das emissões”.

Em tempo 1: O governo do Mato Grosso do Sul solicitará recursos do Centro de Coordenação de Respostas de Emergência da União Europeia. O mecanismo mobilizou fundos para o Brasil na pandemia (2020), na crise nutricional da população yanomami (2023) e na tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul (2024), informam Poder 360 e Investing.com.

Em tempo 2: O Instituto Centro de Vida (ICV) anunciou o fim da parceria com  o governo de Mauro Mendes (União Brasil) em projeto de conservação no estado. Para a organização, “falta engajamento político” do governo estadual nas pautas ambientais, informa ((o))eco. O programa, chamado “Estratégia PCI – Produzir, Conservar e Incluir”, existe há cerca de 10 anos e foi construído como ferramenta para assegurar o cumprimento dos compromissos firmados por Mato Grosso no enfrentamento da crise climática.