Artigo

Até quando esperar para começar as mudanças?

Confira artigo de João Pedro Stedile sobre a crise climática
Foto: Christian Braga/Greenpeace

Por João Pedro Stedile
Da Folha de S. Paulo

Os crimes e as tragédias ambientais se repetem no Brasil com frequência cada vez maior. Secas na Amazônia, enchentes no Maranhão e em Recife, queimadas no pantanal, desmatamento e rebaixamento do lençol freático no cerrado, a reserva hídrica das três maiores bacias hidrográficas do país…

A tragédia no Rio Grande do Sul é apenas a ponta do iceberg de tantas agressões que atingem milhões de pessoas e obriga a sociedade, e, sobretudo, os governos, nos três níveis, a refletir sobre a necessidade de mudanças urgentes.

Foi uma tragédia anunciada. Há muito tempo a comunidade científica vinha alertando que o monocultivo de grãos e as pastagens levam a um desequilíbrio na distribuição das chuvas.

As mudanças no Código Florestal, defendidas e aprovadas pela bancada ruralista na década de 2000, diminuíram o tamanho das áreas de cobertura vegetal nas margens dos córregos e rios e desobrigaram a reposição de áreas de desmate. Sem qualquer fiscalização, foi uma festa.

O governo gaúcho ainda mudou centenas de artigos da lei estadual ambiental. Tudo para ajudar o agronegócio, que nem sequer deixa riquezas no estado, porque exporta commodities agrícolas sem pagar um centavo de ICMS, graças à Lei Kandir, do governo FHC.

Somam-se a esse desplante as ações predadoras da mineração, em todos os cantos, desde a retirada de areia até as grandes mineradores de ferro, além dos crimes dos garimpeiros.

Por fim, o uso de agrotóxicos talvez seja a maior agressão à natureza. O Brasil é o país que mais usa agrotóxicos, inclusive produtos proibidos na Europa, que eliminam a biodiversidade, alteram o equilíbrio da natureza e contaminam o lençol freático. Mas quem se importa se isso é controlado por meia dúzia de empresas transnacionais, que não pagam impostos, mas financiam políticos?

Os crimes estão aí, escancarados. E os mais afetados são sempre os pobres, que pagam com suas vidas. São os moradores de locais não adequados, empurrados pela especulação imobiliária das cidades para encostas; são os ribeirinhos; são os agricultores familiares.

O que fazer? Não precisamos mais derrubar nenhuma árvore para plantar ou criar gado. O desmatamento zero precisa ser estendido da Amazônia aos demais biomas, como o cerrado, a mata atlântica e o pantanal. Essa política deve ser combinada com um grande plano nacional de reflorestamento nesses biomas, nas cidades, na beira das estradas e nas margens de córregos e rios. Empresas estatais deveriam criar viveiros e distribuir mudas de árvores nativas e frutíferas.
Precisamos colocar limites ao avanço do agronegócio, ao modelo predador que enriquece apenas as empresas transnacionais exportadoras e meia dúzia de fazendeiros.

Somente a agricultura familiar pode “esfriar” o planeta, protegendo a biodiversidade e combatendo a fome.

Para isso, devemos estimular a policultura de alimentos saudáveis, com um grande programa de agroecologia, que distribua insumos necessários aos agricultores familiares, com uma política de reindustrialização que forneça máquinas agrícolas adequadas e fertilizantes orgânicos.

A reforma agrária é uma política fundamental para garantir acesso à terra aos agricultores que não as têm —muitos expulsos pelo avanço do agronegócio— e para realocar os atingidos climáticos. Nas cidades, é primordial garantir moradia digna em locais com segurança e futuro.
Tudo isso custa muito dinheiro, mas é melhor prevenir e salvar as vidas e a natureza do que chorar depois. O Rio Grande do Sul vai precisar agora de R$ 60 bilhões apenas para repor perdas.

Vamos continuar correndo atrás da reparação ou vamos nos preparar para uma vida melhor para todos?