Dia do Trabalhador/a Rural
Jornada Nacional do MST reafirma necessidade de políticas públicas para produção de alimentos
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Após as famílias Sem Terra conquistarem a criação de um assentamento, além de seguir na luta pela estruturação do território e a instalação da comunidade rural nesses locais, também é necessário avançar na função social da terra, gerando vida e produzindo alimentos saudáveis para garantir a sobrevivência e renda das famílias assentadas nas áreas de Reforma Agrária. Diante disso, com o lema “Para o Brasil alimentar, Reforma Agrária Popular”, nesta semana, de 23 a 27 de julho, o MST realiza a Jornada Nacional por Alimento Saudável e Reforma Agrária, com ações em vários estados do país.
O marco central da Jornada acontece nesta quinta-feira (25), no Dia do Trabalhador e da Trabalhadora Rural e Dia Internacional da Agricultura Familiar, em comemoração à data e cobra a necessidade de investimentos públicos por parte do estado para incentivar a produção de alimentos saudáveis nos territórios de Reforma Agrária.
Como parte da Jornada foram realizadas mais de 25 atividades em diversos municípios, como ocupações de terra, ocupações nas sedes estaduais dos Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e bancos públicos, o fechamento de rodovias e negociações com representantes dos governos estaduais e federal e órgãos públicos sobre a pauta da Jornada. Ao todo, cerca de 20 mil pessoas participaram das atividades realizadas em 15 estados nas cinco regiões do país, como Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia, Pernambuco, Ceará, São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Paraná, Roraima, Piauí, Maranhão, Sergipe, Paraíba e Rio Grande do Norte.
O 25 de julho também é uma data importante para as mulheres do MST, que celebram o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, com o objetivo denunciar e visibilizar o racismo e o sexismo que impactam a vida das mulheres afrodescentes, mas, também destacar os processos de lutas e resistência construída historicamente e na atualidade. Confira mais AQUI.
Pautas estagnadas
A Jornada reafirma a importância da Reforma Agrária como uma política fundamental para combater a fome no país, mas que para isso os camponeses e trabalhadores/as rurais necessitam de um conjunto de investimentos públicos. As ações denunciam o orçamento do governo federal, que no caso da agricultura familiar e camponesa está abaixo do necessário, e repudiam o fato do agronegócio seguir abocanhando os maiores volumes de investimentos, sendo que não produz alimentos para a população brasileira, mas commodities para a exportação.
A pauta também traz como central o acesso à terra, a partir da desapropriação de latifúndios para que esses territórios possam ser tornar espaços democráticos de produção de alimentos. Nesse sentido, o MST cobra o assentamento de todas as mais de 60 mil famílias acampadas no país, além da realização do cadastramento até dezembro de 2024 e o acesso a um fomento inicial/emergencial para a produção de alimentos.
Os Sem Terra também reivindicam a liberação de crédito, garantindo o acesso de todas as famílias assentadas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) A, de maneira permanente e contínua para a produção de alimentos saudáveis, e a renegociação de dívidas. Bem como a ampliação do orçamento nacional para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), recursos para a construção de moradias nos assentamentos. Atualmente, existe um déficit de 100 mil novas casas para serem construídas e 400 mil moradias para reforma. Já na educação, a Jornada cobra a liberação de recursos no valor de 120 milhões para o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), para o início de 78 cursos que já foram aprovados pelo programa.
Os assentamentos de Reforma Agrária tem papel fundamental a produção de alimentos saudáveis, contribuindo no combate à fome, na regulação dos preços dos alimentos no mercado interno, além de possibilitar à população produtos à preços justos, em feiras, mercados locais ou diretamente com os produtores, em sistemas de cestas ou outras formas diretas de comercialização.
Mas, para a geração de renda e o desenvolvimento dos assentamentos também são fundamentais o acesso a um conjunto de políticas públicas e a criação de outras para o fomento de insumos, ferramentas e tecnologias para o trabalho da agricultura familiar camponesa, além de créditos para a criação de agroindústrias no campo e redes de comercialização desses produtos, e o acesso da população consumidora a esses alimentos.
Programas governamentais para produção de alimentos
As políticas públicas voltadas às famílias dos assentamentos de Reforma Agrária na área da produção de alimentos, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além da modalidade do PAA formação de estoques públicos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e um programa de abastecimento e cooperativismo, coordenado pela SEAB, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), são essenciais para garantir a permanência dos assentados/as no campo, assegurar a subsistência dessas famílias e combater a fome no país. No entanto, Giselda Coelho, da coordenação nacional do setor de produção do MST aponta que o recurso destinado para o PAA de R$ 300 milhões até o momento já foi ultrapassado e precisa de reajuste, ainda este ano. A promessa do governo federal é que o reajuste suba para 1 bilhão, mas até o momento isso não foi liberado.
“A primeira chamada do PAA já ultrapassou mais de R$ 1 milhão, mas por outro lado, não tinha orçamento para disponibilizar a execução desses projetos. Então está sendo feito de forma parcelada, e ainda não se finalizou o pagamento desses projetos da primeira chamada. De novo, a gente bate na disponibilidade de orçamento para atender as demandas”, destaca Giselda.
Já em relação ao PNAE, Giselda pontua a necessidade de avançar na organização para o acesso das famílias assentadas junto às prefeituras municipais, nos locais em que essa política se encontra territorializada. O Programa é gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), que atende os alunos da rede pública da educação básica, matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias.
O PNAE tem caráter suplementar à educação, como prevê o artigo 208, da Constituição Federal, e é executado por meio de repasses financeiros aos estados, Distrito Federal e municípios, com base no Censo Escolar realizado no ano anterior ao do atendimento, informa o site do programa.
“[O PNAE] é uma política pública importante, mas também depende de um processo de organização e de mobilização. Apesar de ser uma política nacional, ela tá descentralizada por chamadas a partir dos municípios”, constata Giselda.
Segundo o governo, o programa também busca promover a inclusão de alimentos produzidos perto das escolas, estimulando circuitos curtos de comercialização e o desenvolvimento local e sustentável das comunidades, porém, em muitos municípios o percentual de 30% de compra da agricultura familiar e camponesa não é respeitado, além das dificuldades burocráticas para os assentados acessarem essa política. Entramos em contato com o FNDE solicitando informações, mas até o momento não tivemos retorno.
Formação de estoque e políticas para cooperativas
Outra área fundamental em relação ao avanço da Reforma Agrária Popular na produção de alimentos saudáveis para garantir a soberania alimentar trata-se da política de formação de estoques públicos da Conab. Nesse sentido, o governo federal tem demonstrado interesse em construir uma política pública de abastecimento, que visa adquirir produtos e alimentos dos assentamentos da Reforma Agrária.
Segundo o dirigente do setor de produção do MST, Diego Moreira, os produtos ofertados para a Conab no último período pelas famílias assentadas foram hortifrúti, arroz, feijão, carnes, leite, temperos, açúcar, café, farinhas e derivados de milho, mas o montante de produtos adquiridos está aquém das demandas das famílias assentadas e das cooperativas, além da falta de normas e instrumentos administrativos, e do sucateamento da empresa nos últimos dois governos.
Ele reclama que a maior dificuldade em operar essa política resulta da destruição de políticas públicas e do sucateamento da empresa pública realizado nos governos Temer e Bolsonaro. “O governo brasileiro e a Conab têm uma política de abastecimento, que é fundamental, e permite regular o preço dos alimentos e combater a inflação. Isso para os assentamentos de Reforma Agrária é importantíssimo, porque a missão primeira da Reforma Agrária Popular é fortalecer o mercado interno e ir de encontro com o dilema da fome. Mas, a companhia está amarrada em instruções normativas e regras que os governos anteriores impuseram”.
Em relação à necessidade de investimentos públicos para as cooperativas na agroindustrialização, Giselda aponta que as famílias assentadas cobram a retomada de recursos para o fortalecimento e organização, com a retomada de programas já criados no governo Dilma. “Do ponto de vista da agroindustrialização, não se retomou o programa Terra Forte, de fomento à industrialização. Mas o Incra retomou na sua política a perspectiva de regulamentar e atualizar o Terra Sol, que é uma política que pode fomentar a agroindústria, mas até o momento essa política também não se materializou”.
Confira as ações realizadas em cada região do país:
Região Sul
Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, 800 trabalhadores/as do MST ocupam desde a quarta-feira (24), a sede do Incra e o Centro Administrativo (CAFF) do estado, para cobrar a liberação de políticas públicas para a Reforma Agrária. Ainda na quarta uma comitiva do MST no estado se reuniu com representantes do governo estadual, do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para discutir o reassentamento de famílias atingidas pelas enchentes no estado e a concretização de políticas públicas.
No Paraná, no município de Rio Bonito do Iguaçu, nesta quinta-feira (25), representantes das famílias do MST, do acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio, se mobilizam em frente à agência do Banco do Brasil no município e se reuniram com o gerente do banco para reivindicar a pauta nacional voltada os assentados, que tem como objetivo consolidar assentamentos em todas as áreas de acampamentos. As famílias estão acampadas há dez anos aguardando o assentamento. Em Londrina, os Sem Terra também se mobilizaram em frente a agência do Banco do Brasil.
Sudeste
Em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, na manhã desta quinta-feira (25), cerca de 500 Sem Terra do MST fecharam a BR 101, na altura do Km 26, próximo a localidade de Morro do Coco, reivindicando o acesso à terra, com a criação de assentamentos no estado, a regularização dos assentamentos Irmã Dorothy, PDS Osvaldo de Oliveira e Sebastião Lan 2, além da seleção das famílias do acampamento Cícero Guedes. E a garantia de acesso a créditos do Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf), a criação do Programa Desenrola Brasil para o Campo, entre outras pautas.
Na manhã da sexta-feira (26/07), militantes do MST em São Paulo realizaram ações de denúncia em frente ao Instituto Nacional do Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), órgãos responsáveis pela regularização da Comuna da Terra Irmã Alberta.
Localizado no bairro de Perus desde julho de 2002, o acampamento abriga cerca de 100 famílias de trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra resiste a repetidas tentativas de reintegração de posse por parte da SABESP.
Centro-Oeste
Em Cuiabá, no Mato Grosso, nesta quarta-feira (24), 250 trabalhadores/as do MST, montaram acampamento na capital mato-grossense para participar de audiências de negociação com representantes do Incra, MDA e da Conab. Já nesta quinta-feira (25), as famílias Sem Terra realizam marcha até do bairro CPA I, na sede da Receita Federal, em que realizaram um Ato Político e reivindicaram a liberação imediata de orçamento para o fortalecimento da Reforma Agrária, em especial, para o assentamento de famílias Sem Terra acampadas no estado.
Já em Goiânia, Goiás, na quarta-feira (24), 300 trabalhadores/as do MST ocuparam a sede do Incra para cobrar a desapropriações de terras para fins de Reforma Agrária e produção de alimentos saudáveis.
Na Bahia, as famílias Sem Terra realizaram a ocupação de dois latifúndios nesta quinta-feira (25). As duas áreas ocupadas, ambas improdutivas, estão localizadas nas regiões da Chapada Diamantina e no Extremo Sul baiano. Na região da Chapada Diamantina cerca de 230 famílias ocuparam a fazenda Alcobaça, localizada entre os municípios de Lafaiete Coutinho e Maracás. A fazenda estava abandonada há mais de 20 anos. No Extremo Sul da Bahia, a ocupação aconteceu com mais de 250 famílias na fazenda Boa União, localizada no município de Vereda. O MST reivindica que as duas áreas sejam destinadas à Reforma Agrária, para que as famílias assentadas possam produzir alimentos saudáveis nesses territórios, garantindo geração de emprego e dignidade ao povo dessas regiões.
Em Feira de Santana, na região do Recôncavo baiano, cerca de 170 agricultores e agricultoras dos acampamentos e assentamentos se mobilizaram em frente ao Banco do Nordeste para dialogar sobre crédito para a Agricultura Familiar no fortalecimento da produção de alimentos nas áreas de Reforma Agrária.
Em Feira de Santana, BA, 170 Sem Terra também realizaram mobilização em frente ao Banco do Nordeste, nesta quinta (25), cobrando a liberação de crédito e a renegociação de dívidas para os assentados nas áreas de Reforma Agrária. E no município de Teixeira de Freitas (BA), o MST participa de uma Feira da Reforma Agrária com a venda de alimentos produzidos nos assentamentos, que ocorre entre esta quinta e sábado (27).
Já no Recife, em Pernambuco, nesta quinta (25), mil trabalhadores/as do MST realizam ocupação no Incra. E em Caruaru, cerca de 200 Sem Terra ocuparam a agência do Banco do Nordeste, enquanto em Petrolina, 400 membros do MST seguem em luta na unidade avançada do Incra, entregando a pauta de negociação. Os Sem Terra reivindicam junto ao governo orçamento para a Reforma Agrária, e que a pauta seja tratada como central na liberação de políticas públicas, como habitação rural, regularização das famílias nas áreas, créditos do Pronaf, entre outras demandas.
No Ceará, na manhã desta quinta (25), famílias do MST ocuparam duas agências do Banco do Nordeste: a agência do município de Nova Russas, com cerca de 100 pessoas, e a agência de Quixeramobim, com aproximadamente 250 trabalhadores/as rurais. As reivindicações são principalmente por renegociação das dívidas dos assentados, novos créditos para os assentamentos, orçamento para o Pronera e outras políticas para os assentamentos de Reforma Agrária, além de desapropriação de novas áreas.
No Piauí, o MST ocupa a BR 343, nesta quinta (25) e reivindica o assentamento de mais de 40 famílias acampadas no acampamento Terra da Gente, em Miguel Leão. A propriedade foi apreendida com a plantação de maconha, em 2015, e que deve ser destinada para fins de Reforma Agrária.
Em Aracaju, Sergipe, os trabalhadores/as do MST de vários municípios sergipanos participaram nesta quarta-feira (25), do ato que marca a comemoração pelo Dia da Trabalhadora e Trabalhador rural no estado. O ato faz parte do conjunto de ações na Jornada Nacional por Alimento Saudável e Reforma Agrária com o lema “Para o Brasil alimentar, Reforma Agrária Popular”. A concentração aconteceu na Praça em frente ao Incra, e partiu em direção à Praça Fausto Cardoso, com o intuito de reivindicar direitos e a celeridade da Reforma Agrária.
No estado da Paraíba, na manhã desta quinta (25), o MST ocupou a sede da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) em João Pessoa. A CONAB é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O Movimento conseguiu mobilizar entre 200 a 300 Sem Terra e pautaram a contratação de projetos relacionados ao PAA, entre outras demandas.
No centro de Ceará-Mirim, na região metropolitana de Natal, Rio Grande do Norte, na manhã de quinta (25), a brigada Carlos Marighella realizou a doação de 2 toneladas de alimentos e 200 cestas de produtos da Reforma Agrária à população local. Entre os produtos foram entregas banana, batata doce, macaxeira, inhame, mamão, coco verde, seco, alface e coentro. A ação faz parte da Jornada Nacional por Alimento Saudável e Reforma Agrária do MST, que mobiliza famílias Sem Terra organizadas em todo país, e reafirmar a Reforma Agrária como uma política fundamental para combater a fome, mas que para isso são necessários investimentos públicos.
Amazônica
Em Boa Vista, Roraima, nesta quinta (25), trabalhadores/as Sem Terra se reúnem com representantes do Incra e MDA para apresentar as demandas de Reforma Agrária no estado.
No Maranhão, trabalhadores/as do campo reocuparam as fazendas União e Amaralina, no município de Itinga (MA), durante a Jornada de Lutas por Alimentos Saudáveis e pela Reforma Agrária. As áreas são terras públicas que foram griladas e os Sem Terra cobram que sejam destinadas para fins de Reforma Agrária para garantir vida digna para as mais de 100 famílias que estão no território, possibilitando a produção de alimentos saudáveis para o conjunto da população na região. O acampamento foi batizado com o nome Salete Moreno, em homenagem a uma mulher, professora, amazônida, negra, latino-americana, militante do MST Maranhão, que faleceu em acidente de moto no dia 4 de dezembro de 2007.
*Este texto segue em atualização até o final da Jornada neste próximo sábado (27)
**Editado por Wesley Lima