Campanha contra Agrotóxicos
Encontro de direitos humanos discute a violência no campo e suas diversas faces
Por Iris Pacheco e Roberta Quintino
Da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Quantos homens nas gaiolas desta vida, aprisionados pela empáfia do poder, são como pássaros, cativos da injustiça, morrendo aos poucos na prisão do mau-viver”
Para enfrentar as violações de direitos humanos por agrotóxicos no contexto da luta pela terra e avançar na construção de articulações e na formação de advogadas e advogados e defensores populares, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela vida e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em parceria com a Universidade de Brasília (UNB) promoveram em Fortaleza – Ceará, o 2° Encontro Nacional do Coletivo Jurídico Zé Maria do Tomé, em conjunto com o Seminário de Formação Comunitária em Direitos Humanos.
A abertura da atividade aconteceu na quarta-feira (7), momento que reuniu mais de 120 pessoas do campo e da cidade, incluindo parlamentares, advogados populares, representantes de organizações e movimentos sociais, agricultores, quilombolas e indígenas.
Pela coordenação da Campanha Contra os Agrotóxicos, Jakeline Pivato enfatizou a importância da representatividade e da união entre lutadores e advogados populares, que há 13 anos têm se dedicado a denunciar os impactos dos agrotóxicos na vida do povo brasileiro e anunciar a agroecologia como alternativa ao modelo de produção do agronegócio.
Para ela, o Encontro aconteceu em um momento importante para a Campanha, especialmente no contexto do Ceará. O Coletivo jurídico da Campanha, formado por dezenas de organizações e movimentos sociais, prestaram homenagem a Zé Maria do Tomé, um símbolo de resistência que foi assassinado por sua luta contra o agronegócio os agrotóxicos e pela defesa dos direitos das comunidades no estado cearense, em particular, na região da Chapada do Apodi.
“Zé Maria do Tomé é um símbolo de lutador que tombou nesta pauta, na luta contra os agrotóxicos, contra a pulverização aérea e que segue sendo uma bandeira em defesa e em memória e pela justiça de Zé Maria do Tomé”, frisou Jakeline Pivato.
Durante quatro dias, os participantes debateram sobre racismo ambiental e a defesa dos territórios e dos bens comuns diante da emergência climática, a necessidade de uma regulamentação internacional sobre agrotóxicos, as possibilidades e desafios da internacionalização dos casos, além das resistências contra as formas de violência e conflitos no campo.
Violência no campo
Ao analisar essas faces dos conflitos no campo, Ayala Ferreira, do Setor de Direitos humanos do MST, ressaltou que estas são consequências concretas de um modelo econômico de produção cuja concretude é a violência.
“Quase a maioria dos 2.203 conflitos no campo em 2023 foram originados pelo agronegócio e sua natureza, que é a violência. Em meio a isso, temos mais de 5.000 estabelecimentos agrícolas concentrados ocupando quase metade da área rural brasileira. Isso é reflexo da desigualdade social na distribuição da terra no Brasil. Não realizamos a democratização da terra. É muita terra produtiva na mão de poucas pessoas”, explica Ferreira.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2023 o Brasil teve o maior número de violência no campo já registrado desde 1985, quando começaram os levantamentos. A região Norte lidera com 810 conflitos, seguida pela Nordeste (665), Centro-Oeste (353), Sudeste (207) e Sul (168).
No mesmo passo, os despejos judiciais no meio rural quase triplicaram e as violências causadas por agentes dos governos estaduais mais que dobraram, embora empresários e grileiros continuem liderando as agressões. Os relatos e depoimentos de povos quilombolas, indígenas e camponeses só ressalta o quanto esse cenário é real e agravante.
A desterritorialização forçada e violenta é uma crescente, além dos assassinatos e ameaças às lideranças nos territórios serem cada dia mais intensas e adquirindo novas faces. Nesse sentido, a criação do Coletivo Jurídico é um avanço estratégico na luta contra as violações e violências por agrotóxicos, proporcionando um espaço para a troca de experiências e a formulação de mecanismos de defesa jurídica, apontou a representante da Campanha. “O encontro atual, que reúne representações de todas as regiões do Brasil, é a continuação desse esforço, fortalecendo a mobilização e a formação necessárias para enfrentar as violações de direitos humanos em todo o país”, ressaltou Pivato.
Apesar do recorde de conflitos, as ações de resistência também se intensificaram. Foram concretizadas 119 novas ocupações e retomadas de territórios, um crescimento de 60,8% em relação a 2022. Um aumento ainda maior foi verificado na quantidade de novos acampamentos de posseiros e sem-terra, com 17, ou 240% a mais do que no período anterior.
Para Ayala, esse é um processo que reflete a intensificação da atuação do capitalismo no campo. “O debate agrário vem permeado do que estamos chamando de crise ambiental, vinculado à crise econômica do capitalismo, que encontrou na mercantilização da natureza a possibilidade de obter lucros extraordinários. Então, tudo que é público, bem comum, precisa ser privatizado e controlado, beneficiando assim o agro-hidro-minero-negócio. Nesse cenário, não cabe a reforma agrária, os indígenas, os quilombolas e outros povos tradicionais. O que nós percebemos? Somos sujeitos sem direitos, despossuídos do amparo do Estado”, concluiu.
Dos territórios ao Parlamento
Enquanto os povos do campo, das águas e das florestas lutam para sobreviver em seus territórios, o lobby do agronegócio e a bancada ruralista passam uma boiada sem fim de retrocessos no Congresso Nacional.
No tema dos agrotóxicos, aprovaram no início deste ano a Lei 14.785/2023, conhecida como “Pacote do Veneno”, que constitui uma mudança profunda na legislação anterior, a Lei 7.802/1989, em que cabia ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a atribuição conjunta de avaliação, a partir de critérios técnicos e científicos, para a liberação ou veto de registros e fiscalização dos agrotóxicos.
Na nova legislação, a atribuição tornou-se tarefa exclusiva do Mapa, pasta sob forte influência do agronegócio. Aos demais órgãos cabe apenas a revisão complementar à análise do Ministério. Na mesma porteira, o mesmo MAPA impede a aprovação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), elaborado e aprovado há dez anos, mas nunca foi posto em prática.
Previsto como parte do terceiro Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), uma série de políticas que o Executivo desenha junto da sociedade civil, o lançamento era previsto para 4 de julho de 2024, junto do Plano Safra, mas foi adiado para 16 de julho. Este foi o primeiro de dois adiamentos que o lançamento sofreu até agora por intransigência do Mapa, o Ministério da Agricultura e Pecuária.
Nos territórios ou no Congresso, os povos têm vivenciado diversas violações, que nos mantém como um país com potencial de mudanças estruturais profundas no clima, meio ambiente, saúde, agricultura, etc., mas também que carrega contradições na mesma medida. Desde 2011, o Brasil está no topo do ranking de países que mais usam agrotóxicos. Só em 2022, foram aplicados aqui mais agrotóxicos do que a quantia somada dos Estados Unidos e China – ao todo, 800 mil toneladas , segundo a FAO/ONU. Entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por agrotóxicos no país.