Artigo

O zoneamento agroambiental do Setor Sucroalcooleiro do estado de SP

Confira, nesta segunda parte do especial, os impactos ambientais da monocultura canavieira no Pontal do Paranapanema
Foto: Filme “Nós Chegamos Primeiro”/Reprodução

Por Isabel Cristina Moroz-Caccia Gouveia e José Mariano Caccia Gouveia
Da Página do MST

Em série especial para o MST, geógrafos do Centro de Estudos em Educação, Trabalho, Ambiente e Saúde (CEETAS, FCT/UNESP) evidenciam através de dados as contradições do agronegócio no Pontal do Paranapanema, interior de São Paulo, que é favorecido pelo Zoneamento Agroambiental elaborado pela Secretaria do Meio Ambiente e da Secretaria da Agricultura e Abastecimento.

Na primeira parte da série os pesquisadores explicam o que o Zoneamento Agroambiental e as contradições no seu método de elaboração. Confira neste link.

Parte II: Impactos na região do Pontal do Paranapanema

Os estudos produzidos pelo Coletivo CEETAS de Pesquisadores, grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Geografia, ao Programa de Pós-graduação em Geografia e ao Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP (campus de Presidente Prudente), evidenciam os impactos diretos do Zoneamento Agroambiental (ZAA), proposto pela Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA) na qualidade ambiental e conservação dos recursos naturais na região do Pontal do Paranapanema, extremo oeste paulista.

Os estudos efetuados pelos pesquisadores do CEETAS avaliaram a situação de apropriação da cana de açúcar em cada sub-bacia hidrográficas do Pontal do Paranapanema e observaram que algumas sub-bacias apresentam índices de apropriação pela monocultura canavieira superiores a 60% do total de suas áreas (ROCHA et al (2016), o que implica no comprometimento dos recursos hídricos disponíveis, no tocante à sua qualidade e quantidade.

A tabela abaixoexpressa a proximidade do cultivo de cana-de-açúcar e recursos hídricos superficiais no ano de 2016, a UGHRI 22. 

Áreas de cultivo de cana-de-açúcar próximas às nascentes e cursos d’água
Área de Cultivo de cana (ha)
Distância (m)Nascentes Rios
2505.028,7057.645,55
50021.798,58143.904,09
1.00082.680,19305.886,03
Fonte: Moroz-Caccia Gouveia in Flores et al. (2020)

Como ilustra as figuras abaixo, há ocorrência de processos erosivos associados à cultura de cana-de-açúcar na região.

Caminho de terra

Descrição gerada automaticamente
Evidências de processos erosivos associados cultura de cana-de-açúcar no município de Teodoro Sampaio/ Autor: João Paulo de Oliveira Pimenta (2016)

Em relação aos aquíferos, de acordo com o ZAA as áreas de alta vulnerabilidade na UGRHI-22 correspondem a 195.769 ha (15,9 % da UGRHI) e são classificadas como Áreas Adequadas com Restrições Ambientais. De acordo a Resolução SMA Nº 88 (SÃO PAULO, 2008) o licenciamento ambiental de novos empreendimentos e de ampliações de empreendimentos existentes nessas áreas fica condicionado ao atendimento das exigências constantes no artigo 3º (adoção de equipamentos de controle, procedimentos operacionais e de monitoramento que garantam o atendimento dos limites de emissões para os poluentes – Material Particulado e Óxidos de Nitrogênio, nas chaminés das caldeiras a bagaço; e, demonstração da preservação integral dos remanescentes de vegetação nativa primária dos biomas Mata Atlântica e Cerrado, bem como das formações secundárias no estágio avançado de regeneração e das várzeas naturais não cultivadas, na área onde estiver instalada a unidade industrial e nas áreas próprias de cana-de-açúcar do empreendimento).

Foto: Filme “Nós Chegamos Primeiro”/Reprodução

Fotos em anexo. Crédito: Filme “Nós Chegamos Primeiro”.

Além disso, o artigo 6º institui que nas áreas de alta vulnerabilidade de aquíferos, a aplicação de vinhaça fica condicionada a apresentação de relatório contendo a caracterização hidrogeológica, com o objetivo de determinar a vulnerabilidade do aquífero local, sendo que para as áreas onde se comprovar a alta vulnerabilidade do aquífero local, deverá ser apresentado um Plano de Manejo, elaborado de acordo com as diretrizes da Norma Técnica Cetesb 4.231, contemplando a taxa de aplicação de vinhaça, frequência de aplicação, monitoramento de solo e águas subterrâneas.

Os estudos demonstram, ainda, que o cultivo da cana-de-açúcar tem avançado sobre essas áreas, conforme pode ser verificado na segunda tabela:

Cultivo de cana-de-açúcar na UGRH-22 nas áreas de alta vulnerabilidade dos aquíferos
AnoÁrea de Cultivo de cana (ha)
20023.516,27
200761.756,10
201372.756,40
201678.865,00
Fonte: Moroz-Caccia Gouveia in Flores et al. (2020)

Em relação aos componentes do meio biótico, Jordão e Moretto (2015) apontam que o ZAA se apoiou nos dados do Programa BIOTA/FAPESP sobre áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade do estado de São Paulo (FAPESP, 2008), e inclusive “considerou a conectividade entre fragmentos de vegetação e a criação de corredores ecológicos entre os fragmentos – o que é um ponto bastante positivo” (p. 91).  Os autores ressaltam que apesar das Unidades de Conservação de Proteção Integral (UCPIs) serem consideradas como áreas impróprias ao cultivo, suas respectivas áreas de amortecimento e Áreas de Proteção Ambiental (APAs) também estão presentes no mapa do ZAA, mas nelas a atividade canavieira não é considerada inadequada e não ficou claro se o zoneamento expressa restrições ao cultivo de cana-de-açúcar. Destacam também que não foram incluídos outros tipos UCs de uso sustentável e de âmbito municipal. 

Na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI-22), o ZAA considerou o Parque Estadual do Morro do Diabo, a Estação Ecológica Mico Leão Preto e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mosquito, bem como suas respectivas Zonas de Amortecimento, além de parte da Zona de Amortecimento do Parque Estadual Rio do Peixe, no limite norte da UGRHI. Entretanto, não foram consideradas a APA Federal Ilhas e Várzeas do Rio Paraná (Decreto nº S/N de 30/09/1997) e suas zonas de amortecimento, cuja área corresponde a 10.947 ha na UGRHI; e a RPPN Vista Bonita, com área total de 5.710,13 ha (Portaria 38 – DOU 48 – 11/03/2004 – seção/pg. 1/54) localizada no município de Sandovalina. 

De acordo a Resolução SMA Nº 88 (SÃO PAULO, 2008) o licenciamento ambiental de novos empreendimentos e de ampliações de empreendimentos existentes nessas áreas ficará condicionado ao atendimento das exigências constantes no artigo 3º (já mencionado). Ademais, o artigo 5º estabelece que as áreas classificadas como Adequadas com Restrições Ambientais, conforme os mapas “Prioridade para incremento da Biodiversidade (conectividade BIOTA)” e “Unidades de Conservação de Proteção Integral (existentes e indicadas – BIOTA)”, o licenciamento ambiental de novos empreendimentos e de ampliações de empreendimentos existentes do setor sucroalcooleiro fica condicionado à: 

I – Formação de corredores ecológicos dentro do perímetro de influência direta do empreendimento, através da preservação e recuperação de formações florestais, nativas ou recompostas, árvores isoladas e várzeas, unindo-os com Áreas de Preservação Permanente (APPs), conforme definido no EIA e respectivo RIMA;

 II – Adoção de planejamento da colheita de modo a minimizar influências negativas sobre a fauna silvestre, especialmente o atropelamento de animais; 

III – Elaboração e implantação de plano de monitoramento da fauna silvestre, contemplando a área de influência direta do empreendimento, conforme definido no EIA e respectivo RIMA; e 

IV – Apresentação de planos para minimizar eventuais impactos ambientais da atividade em licenciamento sobre a biota legalmente protegida e de interferência nos fluxos gênicos entre populações de plantas e animais presentes em remanescentes de vegetação nativa, áreas de preservação permanente e Unidades de Conservação. (SÃO PAULO, 2008b, s. p.)

Os estudos efetuados pelo coletivo de pesquisadores CEETAS obtiveram os seguintes dados referentes ao cultivo de cana-de-açúcar nas Zonas de Amortecimento das UCs, apresentados na Tabela 3.

Cultivo de cana-de-açúcar nas Zonas de Amortecimento das Unidades de Conservação da UGRHI 22.
AnoÁrea de Cultivo de cana (ha) nas ZA
200224.758,45
2007159.406,00
2013172.123,90
2016173.812,65
Fonte: Moroz-Caccia Gouveia in Flores et al. (2020)

A proximidade do cultivo de cana-de-açúcar com as Unidades de Conservação gera uma série de impactos, dentre os quais podemos citar a contaminação por agrotóxicos da flora e fauna via aérea (efeito de deriva) ou via escoamento superficial (pluvial e/ou fluvial). 

Outro componente analisado pelo ZAA, refere-se à “qualidade do ar nas bacias aéreas no Estado de São Paulo” (Figura 1F, que aponta as áreas de São Paulo, Baixada Santista, Vale do Paraíba, Sorocaba, Piracicaba, Campinas e Ribeirão Preto como sendo “saturadas” enquanto que parte da região de Bauru foi classificada como “em vias de saturação”, e o restante do estado, “sem restrições”. Entretanto, não foram realizados estudos referentes às condições atmosféricas e a questão do risco em relação ao efeito deriva das pulverizações aéreas de agrotóxicos.

De acordo com Jardim (2019):

A pulverização aérea de agrotóxicos tem se tornado cada vez mais pauta de discussão acerca de sua viabilidade e segurança. Se, por um lado, trata-se de uma ferramenta que confere ganhos econômicos e redução de tempo nos setores agrícolas, por outro lado, expõe à riscos toda a circunvizinhança das lavouras que são pulverizadas por agrotóxicos, devido à ocorrência do fenômeno denominado deriva, que nada mais é que o arraste das gotículas de venenos agrícolas pulverizados para fora da área alvo, podendo atingir áreas de culturas agrícolas sensíveis, vegetação nativa, cursos d’água, animais domésticos e silvestres e os seres humanos e está diretamente relacionada com as condições meteorológicas no momento das operações aeroagrícolas.
(JARDIM, 2019, p. 8)
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Em seu estudo, que consistiu na “análise das séries históricas de cinco estações meteorológicas situadas no oeste paulista, em comparação com os parâmetros meteorológicos indicados nas bulas dos agrotóxicos utilizados nos canaviais da região e por especialistas”(p. 8) , Jardim (2019) concluiu que “há reduzidíssimos momentos em que é possível a prática da pulverização aérea de agrotóxicos, tornando-a praticamente inviável de ser praticada no Pontal do Paranapanema”(p. 94) pois “em raríssimos momentos há combinação concomitante dos fatores velocidade do vento, umidade relativa do ar e temperatura atmosférica, de modo a possibilitar a utilização do avião agrícola para tal fim” (p. 94).

Jardim (2019) relata ainda a ocorrência de danos agrícolas após tais pulverizações que foram notificados ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente, Núcleo Pontal do Paranapanema, do Ministério Público do Estado de São Paulo e adverte que

…urge que sejam tomadas medidas de proibição de tal atividade sob o risco do agravamento dos impactos socioambientais negativos, dos quais devem se considerar o aumento de taxas de doenças como os cânceres, más formações congênitas, bem como dos impactos econômicos, haja vista tais problemas de saúde recaírem sobre o sistema público de saúde, sem citar os prejuízos econômicos diretos sofridos pelos camponeses devido às perdas de suas produções, como a do bicho-da-seda, por exemplo. (JARDIM, 2019,p. 94).

Os riscos à saúde humana e os prejuízos econômicos à produção camponesa podem ser inferidos em função da proximidade das áreas de cultivo de cana-de açúcar em relação aos assentamentos rurais e áreas urbanas na UGRHI-22, conforme Tabela 4. Os dados apoiam-se na Instrução Normativa nº 2/2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que não permite 

a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de quinhentos metros de povoações, cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população; e duzentos e cinquenta metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais (MAPA, 2008, s. p.)
Proximidade das áreas de cultivo de cana-de-açúcar e população da UGRHI-22 
Área de Cultivo de cana (ha) 
Distância (metros)Áreas urbanasAssentamentos Rurais
1.0001.817,4425.249,34 
500452,7311.193,41
25081,83227,73

Fonte: Moroz-Caccia Gouveia in Flores et al. (2020)

Fica evidenciado, observando os dados expostos a partir dos estudos realizados, que o ZAA amplia um conjunto de práticas agrícolas produzidos pelo agronegócio que se caracteriza pela degradação ambiental, como a contaminação dos recursos hídricos e do ar, o desmatamento, o assoreamento de cursos d’água e a perda de biodiversidade. 

Portanto, é necessário contrapor esse mapeamento produzido pelo Estado. A contraposição, para nós, é a realização de um mapa de arrecadação de terras públicas para a reforma agrária. O uso e ocupação da terra com outra relação entre sujeito e natureza, a partir das práticas agroecológicas, é uma forma de promover desenvolvimento social com cuidado com a natureza.

Na terceira e última parte dessa série de estudos iremos avançar nessa discussão, trazendo para a reflexão o contexto de surgimento e aplicação da Lei 17.557/2022, que está promovendo a regularização fundiária em benefício dos latifundiários para ampliação da produção de commodities agrícolas.

REFERÊNCIAS 

CEETAS, Centro de Estudos da Educação, Trabalho, Ambiente e Saúde. Relatório Científico, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP. Presidente Prudente, 2015.

FAPESP, FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Diretrizes para a conservação e restauração da biodiversidade no estado de São Paulo. São Paulo: Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Instituto de Botânica, FAPESP, São Paulo, 2008

JARDIM, F. H. C. Condições meteorológicas do Pontal do Paranapanema e as pulverizações aéreas de agrotóxicos, (Dissertação), Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP, Presidente Prudente, 2019. 100 p.

JORDAO, C. de O.; MORETTO, E. M. A vulnerabilidade ambiental e o planejamento territorial do cultivo de cana-de-açúcar. Ambiente & Sociedade, v. 18, n. 1, p. 75-92, São Paulo, 2015 Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2015000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19/06/2020.  https://doi.org/10.1590/1809-4422ASOC675V1812015en.

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Instrução Normativa nº 2 de 03/01/2008 /
(D.O.U. 08/01/2008) Disponível em: < https://www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink.php?numlink=1-77-23-2008-01-03-2> Acesso em: 18/06/2020

MOROZ-CACCIA GOUVEIA, I. C.; GOUVEIA, J. M. C.  Projeção de cenários para a redução de erosão laminar na Unidade de Gestão de Recursos Hídricos Pontal do Paranapanema (UGRHI 22) – SP. VII Workshop Internacional sobre Planejamento e Desenvolvimento Sustentável em Bacias Hidrográficas, Universidade Estadual do Amazonas, Manaus, 2019.

ROCHA, P. C. et al A Expansão da atividade canavieira e interações com a rede hidrográfica na região do Pontal do Paranapanema, São Paulo, Brasil. In: Livro de Atas do IX Seminário Latino-Americano e V Seminário Ibero-Americano de Geografia Física, Universidade do Minho, Guimarães, 2016. 

SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Resolução SMA 88 – Define as diretrizes técnicas para o licenciamento de empreendimentos do setor sucroalcooleiro no estado de São Paulo. 2008. Disponível em: <https://licenciamento.cetesb.sp.gov.br/legislacao/estadual/resolucoes/2008_Res_SMA_88.pdf>. Acesso em 19/06/2020.

TOMMASELLI, J. T. et al. Erosividade da chuva na região oeste do estado de São Paulo. Rev. Bras.de Agrometeorologia, v. 7, n.2, Santa Maria, 1999, p.269-276.

*Professora Assistente Doutora – Departamento de Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista [email protected]

**Professor Assistente Doutor – Departamento de Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista [email protected]

***Editado por Fernanda Alcântara