Cozinhas Solidárias

Solidariedade: a dedicação de Dona Beth para alimentar vítimas da enchente em Porto Alegre

Diante da tragédia, uma associação de costureiras se transformou em uma Cozinha Solidária no bairro Santa Tereza
Dona Beth reside há 40 anos na Vila Barracão. Foto: Clara Aguiar

Por Clara Aguiar
Do Brasil de Fato | Porto Alegre (RS)

No bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, a solidariedade tece em meio à adversidade. O espaço que antes acolhia uma associação de costureiras transformou-se em uma Cozinha Solidária, liderada por Elisabeth Lopes da Silva. O que começou com linhas e agulhas, hoje é movido por panelas e colheres, oferecendo refeições diárias a uma comunidade marcada pelas enchentes de maio de 2024.

Na Cozinha Solidária da Vila Barracão, localizada na Rua Dona Helena, a produção de marmitas inicia às 13h. Às 18h, centenas de refeições quentes são distribuídas, tanto para os abrigos das vítimas das enchentes quanto para os próprios moradores do bairro. O local, que antes era um espaço de oficinas de costura, precisou adaptar-se às circunstâncias.

“Nossa presidente é a Beatriz Souza. Ela é conselheira tutelar e atua junto conosco. Foi ela que conseguiu fogãozinho para a gente. A gente costurava e, ao mesmo tempo, preparava um almoço. No dia 1º de maio, a Mariana Dambroz, do Levante Popular da Juventude, que atua com a gente aqui na vila, propôs fazermos um almoço em comemoração ao Dia do Trabalhador. Eu topei na hora e fizemos, felizes da vida, mas, no dia 1º, aconteceu essa tragédia da enchente. A nossa felicidade do Dia do Trabalhador se transformou nessa situação que vocês estão vendo. A gente se uniu e isso aqui se tornou uma ajuda para os desabrigados. Desde então, não paramos mais”, relata Dona Beth, como é carinhosamente conhecida na Vila Barracão, onde reside há 40 anos.

A transição de um ambiente criativo para uma cozinha emergencial ocorreu de maneira repentina, impulsionada pelas necessidades provocadas pela tragédia. Desde o início de maio, a equipe de Dona Beth não parou. Mulheres e moradores voluntários do bairro se reúnem diariamente para preparar e distribuir as refeições. “A equipe é a maioria daqui mesmo, da nossa redondeza. A gente vai segurando aqui do jeito que dá, mas não deixamos de abrir”, conta Dona Beth.


Na Cozinha Solidária da Vila Barracão, localizada na Rua Dona Helena, a produção de marmitas inicia às 13h. Às 18h, centenas de refeições quentes são distribuídas. Foto: Clara Aguiar

Durante o auge da enchente, a Cozinha Solidária da Vila Barracão chegou a distribuir pelo menos 1.100 marmitas por dia. Com a situação mais estabilizada, a cozinha tem focado na janta diária e no fornecimento de refeições para os abrigos no centro da cidade. “No começo, era só um gazebo emprestado. Montávamos e desmontávamos o gazebo todo dia. Era chuva, era vento, e a gente ali embaixo servindo marmita. Mas estamos na luta e na batalha, e vamos continuar.” De acordo com Dona Beth, mesmo após três meses do ápice da tragédia, o fluxo de pessoas continua constante. “Se a gente parar, eles vão ficar muito pra baixo. Eles agradecem a gente, dizem que Deus abençoe”, comenta.

As refeições são variadas, sempre feitas com muito carinho, como as sopas quentes de frango com legumes, preparadas em dias frios. Dona Beth destaca que, além das marmitas, também há distribuição de legumes para as famílias cadastradas. Além das marmitas, a Cozinha Solidária da Vila Barracão destina hortaliças para as famílias cadastradas. A maior parte das doações vem do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com alimentos oriundos dos assentamentos do MST, além de contribuições da comunidade e parcerias com mercados locais. 


A maior parte da equipe de voluntários vem da própria comunidade, incluindo moradores que dedicam seu tempo, que ajudam sempre que possível, assim como os meninos integrantes do Levante da Juventude. Foto: Clara Aguiar

Apesar do apoio, Dona Beth conta que a cozinha enfrenta desafios diários. Além da falta de espaço, a equipe lida com a escassez de recipientes para armazenar as marmitas. “Ontem mesmo veio um rapaz na fila, cortou uma garrafinha pet e queria que a gente botasse comida ali mesmo”, lamenta Dona Beth. Para tentar contornar a falta de recipientes, as voluntárias da cozinha adaptaram embalagens de leite. Agora, as caixinhas de leite se tornaram uma solução para quem não possuía nem prato para colocar comida.

A costura como acolhimento

Para o futuro, Dona Beth tem esperança de retomar as atividades da costura, que, segundo ela, já trouxeram tanto conforto e alegria para as mulheres da comunidade. “A gente fazia fuxicos e, quando as mulheres se uniam, transformava-se em um momento de terapia. Mulheres que chegavam aqui deprimidas logo diziam que tudo havia mudado. Estávamos aprendendo a cortar tecidos, mas tivemos que tirar tudo. Agora está tudo guardado, em malas e sacos. O armário está cheio, temos máquinas dentro do armário”, conta Dona Beth.

A oficina de costura era um espaço de acolhimento, onde mulheres compartilhavam experiências e histórias. “Espero que as coisas se ajeitem para nós ter a nossa sala de costura de volta”, diz, com esperança. “Vai ajudar muito, até pra fazer o avental, até pra fazer touquinha. Pra gente aqui vai ser muito útil.”

Dona Beth e sua equipe de voluntários continuam na batalha diária, entre agulhas e panelas, unindo a força feminina à solidariedade. E assim, com cada marmita doada, a comunidade resiste. Para Dona Beth, a vida se tece com o esforço coletivo.

Edição: Katia Marko