Reforma Agrária Popular

Da terra à vida: a história de Binho e a força da agroecologia no Sertão Alagoano

Conheça a história de Francisco de Assis, do assentamento Roseli Nunes (AL)
Foto: Mykesio Max

Por Joyce Maia
Da Página do MST

Sob o sol escaldante do semiárido, Francisco de Assis, de 33 anos, vive junto à família há uma década e meia no assentamento Roseli Nunes, na terra de Mata Grande, Alto Sertão Alagoano. 

Num solo considerado hostil, Binho, como é conhecido o agricultor, fez brotar majestosas hortaliças que os servem de subsistência, movimentam a economia local e acima de tudo refletem a resistência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a luta pela soberania alimentar, através da agroecologia e da Reforma Agrária. 

Do começo

Binho largou os estudos, ainda menino, para trabalhar na fazenda em que morava com seu pai, mãe e irmã, em troca da prestação de serviços para o dono do lugar. “O serviço era pesado, arrancar toco com a chibanca ou roçar o mato. Foram 3 anos e meio recebendo 5 reais diários por esses serviços, sem aumento;25 reais semanais não davam nem para uma feira.”, disse o agricultor. Em condição análoga a escravidão, se reconheceu submisso e decidiu partir dali. 

Dona Maria do Carmo, a mãe, conseguiu sua aposentadoria, e através desse dinheiro compraram um pedaço de terra, com uma casinha simples, em sociedade com a proprietária de um mercado local. No entanto, ao ver a produção crescendo, a sócia comerciante que em nada os ajudava, adotou a mesma postura do antigo patrão, além de cobrar 50% dos lucros dos trabalhos.

O MST

Na mesma época, no boca a boca, Francisco soube da presença do MST nas proximidades, resolveu conhecer, encontrou velhos conhecidos e por lá ficou. “Quando a gente veio para o assentamento, a nossa vida mudou completamente. Desde o início da ocupação, tivemos liberdade para produzir, criar e prosperar.”, comenta ele.

De acordo com a Enciclopédia Municípios de Alagoas (2023), Mata Grande é originada a partir de um latifúndio de sesmarias. A concentração de terras é uma característica do meio rural brasileiro que provoca problemas no campo como desemprego, baixos salários, precárias condições de trabalho, degradação ambiental, entre outras consequências, que Binho presenciara ao longo de sua história. 

Entendendo que o compromisso dos trabalhadores rurais Sem Terra era com a justiça social, Reforma Agrária, distribuição justa de terras e incentivo à agricultura agroecológica, além da formação crítica e social dos acampados e assentados, Francisco soube que havia encontrado sua causa. 

A produção

Foto: Mykesio Max

Feijão de corda, milho, abóbora, macaxeira, entre outros alimentos, o destaque da produção são as hortaliças cultivadas por meio de um sistema que ele e outros produtores da região desenvolveram.

Existe apenas uma nascente para a distribuição de água no local e que a água disponibilizada pelo poder público é salgada. Através dos próprios recursos, a comunidade viabilizou a desobstrução de uma outra nascente que fez água jorrar e dar vida às margens secas da região. 

“Com o que gastamos até agora, temos uma estrutura avaliada em 30 mil. A produção começou de forma manual, com irrigadores, mas hoje temos pequenas máquinas que atendem nossas necessidades e praticamente vivemos das hortaliças”, explica Binho. Ele destaca também que consegue gerar empregos. 

O cultivo funciona dentro do sistema agroflorestal, que tem como objetivo proteger o solo da erosão para que não perca seus nutrientes. Esse método favorece a produção sustentável, conserva a biodiversidade do ambiente e ameniza os efeitos das mudanças climáticas.

Além de Mata Grande, os alimentos escoam em outras duas cidades próximas, Canapi e Inhapi, seja através dele ou de revendedores. 

A ausência de apoio do governo estadual e dos políticos municipais é a principal dificuldade apresentada pelo trabalhador. Diante dessa circunstância, a insegurança sobre a distribuição dos alimentos é grande, pois os lucros das feiras locais são incertos. 

Tradição

Foto: Mykesio Max

Mais que uma atividade agrícola, o cultivo de terras é uma tradição passada de pai para filhos. Binho faz questão de dizer que toda a família participa do processo. Para além do trabalho, produzir é terapêutico segundo o próprio, promove conexão com a terra e fortalece os laços familiares e comunitários, promovendo um círculo solidário. 

Assim como as hortaliças que crescem vigorosas em meio a um espaço inoportuno, Francisco, seus familiares e o MST permanecem resistindo às adversidades. Cada folha verde que rasga a terra árida é um símbolo da força e da resiliência de quem, mesmo em meio às dificuldades, se recusa a ceder.

Binho é um dos 150 feirantes que está participando da 23ª edição da Feira da Reforma Agrária organizada pelo MST em Alagoas. Com expectativa de comercializar cerca de 500 toneladas, a Feira segue até o próximo sábado, na Praça da Faculdade, no bairro do Prado.

*Editado por Fernanda Alcântara