Reforma Agrária Popular

Feira do MST em Alagoas debate políticas públicas para agricultura familiar e camponesa

A 23ª edição da Feira bateu um dos recordes em vendas de alimentos e relembrou a luta pela produção de alimentos através da agroecologia
Foto: Ana Cecília

Por Jhessyka L. P. Fernandes
Da Página do MST

Na 23ª edição da Feira da Reforma Agrária do MST em Alagoas, o coração da agroecologia e da agricultura familiar bateu mais forte que nunca: foram 502 toneladas de alimentos vendidos na atividade que acontece anualmente, na Praça da Faculdade, no bairro do Prado, em Maceió. Com programação extensa nos 4 dias, incluindo rodas de conversa, apresentações culturais e ações de promoção agroecológica, de saúde e bem estar, a Feira foi novamente sucesso de público.

Realizada desde 2000, a Feira traz como debate principal o acesso à alimentação de qualidade, sem agrotóxicos e com produção descentralizada, incluindo mais de 150 feirantes e suas produções resultantes da agroecologia – modo de produção que vincula a agricultura a práticas sustentáveis – e da luta pela Reforma Agrária, buscando garantir estruturas fundiárias através da redistribuição de propriedades rurais a pequenos produtores e estabelecendo a verdadeira função da terra: garantir alimento de verdade.

Uma das missões que a feira traz é levar o debate acerca do acesso ao alimento que entra em nossas casas: como ele chega até nós, quais os processos que passa para a sua produção e quais os benefícios ele introduz na nossa alimentação?

Segundo dados de estudo feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), o consumo brasileiro de ultraprocessados nos últimos dez anos teve aumento significativo de 5,5%.

Ultraprocessado é um termo que designa produtos industriais prontos para o consumo que contém pouco ou nenhum alimento inteiro em sua composição, sendo excessivos em conservantes e outros insumos industrializados, utilizando também derivados de colheitas de alto rendimento, que aplicam grandes quantidades de agrotóxicos.

O termo, inicialmente cunhado pelo pesquisador brasileiro de nutrição Carlos Monteiro, que integra a equipe do Nupens, abriu a discussão acerca das transformações nutricionais pelas quais a sociedade brasileira está passando e o que motiva o consumo desse tipo de produto: vida corrida, baixo valor e alto poder de influência de compra resultantes de ações de marketing enganosas são as grandes justificativas.

Atualmente, há poucas políticas públicas de incentivo à alimentação de qualidade. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criado em 1955, é mantido pelo Governo Gederal e consiste em redistribuir recursos financeiros para instituições de ensino na modalidade da educação básica nas redes municipal, estadual e federal e entidades filantrópicas, sem fins lucrativos e conveniadas com os setores públicos.

Vandélia Maria, do assentamento Fidel Castro, na cidade de Joaquim Gomes, relata as inúmeras dificuldades para que a Feira possa acontecer. “A falta de estrutura governamental não contribui para que ela aconteça mais vezes no ano e em outros locais. A nossa Feira é uma resposta à dificuldade de diálogo com órgãos públicos, mostrando que é isso que a gente precisa”, diz. Ela fala que os trabalhadores rurais sabem de seus direitos e corre atrás, muitas vezes buscando conversar “na marra”, já que o contato com os setores administrativos do governo não é fácil.

Sendo filha de assentados em Maragogi, Vanda, como é conhecida, entrou no MST aos 7 anos de idade. Sem filhos, ela não precisa de muito para entender a falta de efetividade do PNAE nas escolas. “O PAA e o PNAE são algumas das políticas que incentivam a gente a plantar, pois já é uma compra garantida, mas o governo deveria fiscalizar melhor essas políticas. O PNAE obriga que 30% da merenda escolar seja obtida através da agricultura familiar, mas não é o que vemos. Nossas crianças voltam reclamando que comeram bolacha e suco”.

Vanda. Foto: Mykesio MAx

A Feira cumpre o papel da comercialização, mas vai muito além disso. Débora Nunes, Coordenadora Nacional do MST, relembra que a Feira é um espaço para conhecer melhor o MST e outras dimensões da esfera social, como o meio ambiente, cuidado da natureza e principalmente o papel que a Reforma Agrária cumpre na sociedade.

Porém, apesar de todo o volume e abundância de produção, a Reforma Agrária carece de outros investimentos e políticas públicas, como irrigação, transporte, crédito agrícola, infraestrutura produtiva… tudo para ampliar a produção. Esse tipo de demanda estimula de forma permanente que os governos contribuam para a produção.

Segundo Débora, “existem duas políticas que são essenciais à Reforma Agrária e à agricultura familiar no que se refere à comercialização”. Ela cita o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), política onde a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) compra alimentos da agricultura familiar da Reforma Agrária em várias modalidades. Em Alagoas, é realizado o PAA na modalidade Doação Simultânea. A CONAB compra alimentos dos agricultores e entrega às entidades e associações beneficentes que atendem famílias em situação de vulnerabilidade. Ainda não se tem o volume necessário, mas ainda é uma política muito importante para as famílias que dela necessitam.

Citando o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a coordenadora do MST informa que a política estabelece a obrigatoriedade de ao menos 30% da merenda escolar do estado e municípios vindos da agricultura familiar. Infelizmente muitos gestores de órgãos públicos cumprem com a lei, o que agrava a situação alimentar de crianças pertencentes a famílias em situação de vulnerabilidade.

O acesso à produção é completamente acessível. Através de pesquisa de preços, o MST, na Feira, constrói uma tabela de preço máximos para que nenhum dos feirantes ultrapasse o limite, de forma a tornar o valor de um produto completamente agroecológico com preço justo tanto para quem vende como para quem compra.

É necessário criar uma narrativa pela sociedade para aqueles que lutam pelo acesso justo à terra – já que há “muita terra sem gente, muita gente sem terra” – porque o estado brasileiro não cumpre a constituição, que estabelece que a terra que não cumpre a função social deve ser destinada para a reforma agrária. Se tais requisitos fossem cumpridos, não haveria ocupação, não haveria o movimento social e não haveria o MST. Os que possuem terras são os que influenciam o cumprimento de tais leis ou se beneficiam com a execução ineficaz destas.

O acesso ao alimento de qualidade, que dá saúde, que gera emprego e que contribui com a preservação do meio ambiente, só está sendo garantido através de muita luta e todas as entidades devem apoiar, tanto na construção, execução e fiscalização das políticas públicas para que o estado atue de forma com toda a competência e eficiência que deve possuir.

Foto: Oberlan Oliveira

*Editado por Fernanda Alcântara