Lutadora

52 anos de legado: a coragem de Helenira Resende e a luta da Guerrilha do Araguaia

A coragem de Helenira Resende e a luta da Guerrilha do Araguaia permanecem como símbolos de resistência e esperança
Helenira Resende. Foto: Reprodução

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Trazer a memória de Helenira Resende e das lutadoras e lutadores da Guerrilha do Araguaia é sempre um dever dos movimentos populares. Figura importante na memória da luta popular, Helenira reside nas histórias, nas ideias e até em poesias que foram escritas em homenagem a ela por sua mãe. Sua trajetória reflete a coragem e a esperança da Guerrilha do Araguaia no desejo profundo de um país mais digno.

Helenira se destacou não apenas por sua força, mas também por sua capacidade de estabelecer laços comunitários. Durante sua atuação na guerrilha, uma de suas atividades foi buscar integrar as demandas dos camponeses à luta mais ampla contra a opressão. Por isso, sua trajetória serve de exemplo também para o Movimento Sem Terra (MST).

“Como filha daquela região e parte do Movimento Sem Terra, que se consolidou anos depois dos eventos da Guerrilha do Araguaia, sei que existem muitas informações que estão presentes no imaginário popular do sul e sudeste do Pará, além de partes do Tocantins e do Maranhão. Essa região, que chamamos de Bico do Papagaio, foi palco de uma experiência de luta armada organizada pelo PCdoB, em resposta ao recrudescimento da violência da ditadura”, conta Ayala Ferreira, do Setor de Direitos Humanos do MST.

As histórias sobre o papel dos guerrilheiros e guerrilheiras no imaginário popular são múltiplas e, segundo Ayala, algumas dessas figuras se tornaram míticas. Entre as mulheres, destacam-se Helenira, Lúcia, Dina, Suely e Luzia, que são recordadas por suas atuações na guerrilha. “Eram mulheres alegres, que dialogavam de forma simples e eram solícitas no cuidado das populações tradicionais, ribeirinhas, indígenas e camponesas que migravam para a nova fronteira de expansão agrícola do Brasil.”

O paralelo de Helenira com o MST é significativa, especialmente considerando as ocupações que ocorreram na região sudeste do Estado do Pará por aqueles e aquelas do Araguaia. O MST homenageou estas mulheres em duas ocupações; uma com o nome de Dina Teixeira, na região de Canaã, e a outra de Helenira Rezende, próxima a Marabá, na fazenda vinculada ao grupo Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas.

“O acampamento leva o nome de Helenira Rezende, nesta ideia de nos aproximarmos dessa memória, que foi intencionalmente negligenciada pelas forças conservadoras, sobretudo nas Forças Armadas do nosso país, mas que merece ser resgatada.”

Essa conexão com o campo foi fundamental para fortalecer a resistência e criar um sentimento de pertencimento e solidariedade entre os guerrilheiros e as comunidades do Araguaia. Embora marcada por desafios, a área onde esses guerrilheiros estiveram também foi um espaço de esperança e de construção coletiva. Os militantes, sob a liderança de figuras como Helenira, promoviam atividades que visavam à conscientização política e à valorização das tradições locais, baseadas na troca de saberes e experiências.

“Muitos camponeses pobres estavam em busca de terra e, nesse processo, essas mulheres travaram um diálogo, exercendo trabalhos concretos de cuidado, como oferecer medicamentos e orientações sobre doenças comuns; na educação, tentando alfabetizar camponeses pobres e analfabetos, ensinando-os a assinar seus nomes; e orientando as pessoas quando eram procuradas. Esse cuidado era fundamental, e as pessoas lembram muito disso”, conta Ayala.

A luta que continua

Historicamente, a região onde aconteceram os conflitos da Guerrilha do Araguaia se destaca pela violência, injustiça e exploração de camponeses por parte de latifundiários. A Guerrilha do Araguaia, que ocorreu entre 1972 e 1974, envolveu militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e buscou mobilizar as comunidades locais em torno de ideais de liberdade e justiça social. 

As histórias sobre as mulheres guerrilheiras se tornaram ainda mais marcantes, com comentários sobre como elas eram “boas de tiro”; a pontaria de Dina, uma das guerrilheiras, era certeira. Essas mulheres eram descritas como combatentes destemidas, que não recuavam diante da ofensiva do Exército nas tentativas de desmantelar a guerrilha. A resistência desses espaços foi estratégica para a luta armada, que buscava promover mudanças sociais e políticas em um Brasil marcado pela repressão militar. “Quando falamos da Guerrilha do Araguaia, as pessoas falam com respeito sobre a atuação dos jovens, meninos e meninas, que aspiravam a transformar o Brasil frente à violência da ditadura”, lembra Ayala.

Neste sentido, a luta do Movimento Sem Terra (MST) está conectada com a busca por soberania, liberdade e direitos humanos, valores defendidos já na Guerrilha do Araguaia. “Ao longo de 40 anos de existência, sempre reafirmamos que somos herdeiros e continuadores daqueles que nos antecederam na luta popular no Brasil. Essa máxima está presente em nossa consigna, que inclui a luta indígena, a luta negra e a luta popular. Por isso, não nos vinculamos apenas à Guerrilha do Araguaia, mas a todas as lutas que nos antecederam e que nos inspiram a seguir em frente.”

O sonho que moveu os setores populares do Brasil ainda é muito presente nos dias atuais. Apesar das conquistas e esforços, ainda vivemos uma realidade de desigualdade e concentração de terras. O Brasil é um dos países com maior concentração de terras no mundo, o que representa a profunda desigualdade que enfrentamos, assim como a negação de direitos essenciais para garantir uma vida digna e plena.

A luta defendida pelo MST está conectada à busca por soberania, liberdade e direitos humanos, sendo um movimento herdeiro e continuador das lutas populares no Brasil, incluindo pelos direitos indígenas, negros e de gênero. Essa herança não se limita apenas à Guerrilha do Araguaia, mas se inspira em todas as lutas que a precederam. Ayala finaliza destacando que o sonho que impulsiona os setores populares ainda vive, pois, apesar das conquistas, o Brasil continua a ser um dos países com maior concentração de terras no mundo, resultando em uma profunda desigualdade e na negação de direitos essenciais para uma vida digna.

“Essas desigualdades nos movem a seguir caminhando, construindo o que chamamos de democratização de todos os direitos para reafirmarmos um país livre e, consequentemente, um país emancipado. Não existe soberania com terra concentrada, com direitos negados, com a fragilização da democracia e das liberdades. Se não tivermos a plena realização dessas condições necessárias para o desenvolvimento da sociedade, não descansaremos, pois lutamos por um país soberano e livre”, concluiu Ayala.

Imagem: Reprodução