Cuidado

Memorial Sebastião Leme realiza Encontro de Saúde Mental Maria das Dores, no interior de SP

Parceria do Departamento de Psicologia da USP/Ribeirão Preto com o Memorial Sebastião Leme realiza encontros no Assentamento Mário Lago
Foto: Filipe Augusto Peres

Por Filipe Augusto Peres
Da Página do MST

Na última sexta-feira (27), o assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, recebeu mais uma ação do Coletivo de Saúde Mental Maria das Dores, intitulada de “Encontro de Saúde Mental – Replantar o Assentamento”. As ações aconteceram na Unidade de Saúde Memorial Sebastião Leme. 

O Encontro faz parte do programa de Psicologia Territorializada e Cuidado Integral em Comunidade, coordenado por quatro docentes do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP-USP/Ribeirão Preto), do qual participam estudantes de graduação em Psicologia e mestrandas da universidade.

O trabalho acontece de forma colaborativa com as equipes de saúde da Unidade: médico, psicóloga, enfermeiras, técnicas de enfermagem, dentista, agentes comunitários de saúde. Todas as sextas-feiras de manhã, os estudantes realizam as atividades de estágio de promoção de saúde mental no assentamento, em uma perspectiva integral e vinculada aos princípios da atenção básica de saúde.  

O Encontro começou às 9h da manhã e teve duas ações que aconteciam simultaneamente, uma com crianças e outra com adultos. O grupo de crianças contou com atividades lúdicas, sob supervisão da professora Ana Paula Soares da Silva, Coordenadora do Laboratório de Psicologia Socioambiental e Práticas Educativas – LAPSAPE.

 

Fotos: Filipe Augusto Peres

A importância da ludicidade e da brincadeira 

Ana Paula destaca que a brincadeira é a principal forma de a criança exercitar a fantasia e a criação, expressar seus desejos e anseios. O Grupo Lúdico com Crianças tem sido uma ferramenta valiosa para fortalecer o vínculo entre as crianças, a Unidade e com o próprio assentamento.

“A ludicidade é uma das formas privilegiadas da criança se expressar como sujeito, de trazer seus medos e re-viver suas experiências. É essencial para sua constituição como sujeito. […] Então, a gente iniciou ações  em grupo lúdico na anti-sala, ou seja, enquanto a criança ou seus familiares esperam para serem atendidos por exemplo pelo médico, pela odontologia.  Ao invés dessa criança entrar junto com a mãe, sabe, a gente cria esse espaço lúdico. Com o tempo, as crianças foram criando vínculos com os estagiários. E também com demandas de alguns casos, a gente começou a fazer o que chamamos de Acolhimento Infantil, colaborando na discussão com a equipe sobre encaminhamentos necessários para outros serviços ou rede de proteção da criança”.

Foto: Filipe Augusto Peres

No Encontro, o grupo com adultos foi formado por assentados, agregados, moradores locais. A ideia foi resgatar, por meio do diálogo coletivo, as histórias e reflexões coletivizadas, as memórias do assentamento. Em seguida, às 10h, uma roda de conversa foi iniciada pelo Dr. Nélio Domingos, médico da unidade. O objetivo da conversa foi levar orientações sobre saúde mental e ouvir as demandas da comunidade.  

Fotos: Filipe Augusto Peres

À tarde, uma oficina de arte foi oferecida e, logo depois, às 14h30, uma nova roda de conversa reuniu assistentes sociais, a Defensoria Pública e o Núcleo Jurídico. O objetivo foi conversar sobre direitos, violências e acessibilidade aos serviços públicos.

O que é o Encontro de Saúde Mental Maria das Dores

O Encontro de Saúde Mental faz parte das ações do Coletivo de Saúde Mental Maria das Dores, o qual se iniciou em 2021. O nome é uma homenagem à agente comunitária de saúde Maria das Dores, que faleceu no mesmo dia em que o coletivo se reunia pela primeira vez. 

A equipe de profissionais da Unidade, estagiários e estagiárias e docentes se reúnem para discussão de casos no Coletivo de Saúde Mental Maria da Dores toda sexta-feira à tarde. Uma vez por mês, ele se amplia com assentados e assentadas, para pensar ações no território.  

Foto: Filipe Augusto Peres

A mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da USP-RP, Sarah Magela Morais, explicou que o Coletivo foi estruturado com o objetivo de proporcionar um cuidado ampliado e contínuo à população. Morais ressaltou que, nos encontros, o Coletivo não aborda, apenas, questões de saúde mental, mas também violências diversas, além das necessidades de assistência social e jurídica.

Situações de violência

A professora Profa. Dra. Laura Vilela e Souza, uma das docentes coordenadoras, desenvolve com seus estagiários e estagiárias trabalho com os adultos. Ela falou sobre os casos de violência: 

“Temos presenciado muitas situações complexas no território, como violência sexual e doméstica, além de luto e tentativas de suicídio. Nosso objetivo é acolher essas demandas, mas também valorizar a vida e fortalecer os vínculos comunitários”. 

Especialista em Psicologia e ações de co-gestão em serviços públicos de saúde, a Profa. Dra. Marina Simões Flório Ferreira Bertagnoli atua na gestão do projeto. Bertagnoli destacou a importância de integrar as diferentes áreas para o sucesso do trabalho. A docente Carla Guanaes Lorenzi também integra a coordenação do projeto, sendo responsável pela condução de atendimentos e reuniões familiares e visitas domiciliares.

Foto: Filipe Augusto Peres

A importância da participação dos movimentos sociais

Durante o evento, Sarah Magela Morais, mestranda e uma das organizadoras, destacou a importância da parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): 

“Sempre temos algum representante do MST acompanhando nossas reuniões, e isso é essencial para o desenvolvimento do projeto. Sem a articulação com o Movimento, não conseguiríamos realizar muitas das ações que fazemos aqui”. 

Luciano Botelho, da Direção Estadual do MST destacou a importância do Memorial e do Coletivo para a valorização do ser humano.

“Este espaço tem uma grande importância na valorização do ser humano, trazendo o esperançar em meio às dificuldades enfrentadas no cotidiano, tendo a vida como centro de discussão. Possibilita, ainda, trazer para cada sujeito a percepção de que é um protagonista de um processo histórico de luta, uma luta contínua e cotidiana, de resistência contra uma sociedade capitalista doente, que valoriza o dinheiro acima da vida.”

Sarah também comentou que as atividades procuram resgatar as histórias do assentamento, permitindo que os moradores se reconheçam como parte de um coletivo histórico e político.

Os danos dos incêndios na população 

As estudantes de psicologia destacaram que os incêndios causaram danos à saúde da população, principalmente nas crianças. 

“Elas brincam na fuligem e isso agrava os problemas respiratórios. Estamos vendo um aumento de tosse e outras complicações entre os menores”. 

Outro ponto abordado pela equipe foi a sobrecarga de trabalho a qual a brigada de incêndio (Brigada Fênix) sofreu com as constantes queimadas. 

O grupo ainda relatou que pretende desenvolver ações junto com assentados e assentadas do MST para reflorestar a Unidade, com atividades que devem ser realizadas na época das chuvas. A ideia é evitar a perda das mudas devido a seca. 

Setembro Amarelo

Com o objetivo de reforçar a valorização da vida e o fortalecimento das memórias e identidades do assentamento, o Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, foi lembrado em várias falas. 

Além das professoras doutoras, estiveram presentes na atividade de sexta-feira, atendendo a população, um grupo de mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia USP-RP e discentes da universidade que integram o projeto.

*Editado por Solange Engelmann