Aquecimento Global
As cidades, a crise climática e a revolução necessária
Por Gilmar Mauro, Jade Percassi e Chico Barros*
Da Carta Capital
Não há mais tempo: a atual massa e a taxa de gases do efeito estufa na atmosfera, como CO2, óxido nitroso e metano, já são suficientes para derreter as geleiras. O processo de aquecimento, cada vez maior, é inexorável e só vai piorar se a classe trabalhadora não se opuser.
Isso tudo já vai acontecer, pois gases como o CO2 e o óxido nitroso são de longa duração na atmosfera, demoram para se dissipar. Eles são exalados pelas queimadas, a indústria da transformação, a construção civil e os adubos químicos aplicados pelo agronegócio. Somam-se a eles o gás metano, produzido pela pecuária no campo, e os lixões nas cidades. É uma massa muito grande de gases danosos expelida para a atmosfera.
Esse acúmulo todo provoca a evaporação de água de forma mais intensa e rápida – já devido à elevação da temperatura global em 1,5 grau –, o que retroalimenta o próprio processo de aquecimento: mais nuvens e mais e mais aquecimento.
Com tantas nuvens, podem ocorrer catástrofes como aconteceu no Rio Grande do Sul, com a entrada de uma frente fria, aliada a um bloqueio atmosférico, fazendo chover em um só mês, em um único lugar, mais de 400mm. O que aconteceu no Rio Grande do Sul pode ocorrer em qualquer cidade brasileira. Imaginem uma chuva de 400mm em São Paulo. O que vai acontecer com os rios Tietê e Pinheiros? Vão se juntar e os bueiros da cidade vão explodir, com os rios canalizados, tampados pela cidade. Ou, ainda, imaginemos se esta precipitação acontece na região de Belo Horizonte, com todas as barragens de rejeitos próximas, ou Recife, ou Fortaleza. Esse tipo de chuva provocaria enormes problemas ambientais, especialmente para o povo das periferias.
Esse é o tema central: são cidades insustentáveis pelos pontos de vista social, econômico e ambiental. São grandes conglomerados de pessoas que, irracionalmente, concentram tudo e consomem tudo em um mesmo lugar.
São milhões de toneladas de comida transportadas em caminhões vindos de diversas regiões do País para esse tipo de cidade, todos os dias. São milhões de toneladas de minérios. Imaginem a quantidade de ferro e cimento, trazidos de fora, chegando nesses centros e gerando crateras enormes de onde foram retirados.
Temos de repensar as cidades, em uma perspectiva de delas aproximar a produção agrícola, em novos assentamentos de reforma agrária, o que exigiria menos transporte. Para a construção civil, devemos primeiro ocupar os imóveis vazios e apenas reformar os atuais edifícios. As novas construções devem fazer uso de materiais reciclados, com o reúso do entulho e da própria terra extraída dos canteiros de obras, além de construirmos com madeira advinda dos reflorestamentos.
É uma necessidade urgente.”
Assim afirmamos, pois a emissão dos gases do aquecimento global não vai parar por si só, pela simples razão de que o capital só é capital quando se acumula e se expande permanentemente. Nenhuma empresa ou país do mundo vai abolir as tecnologias criadas pela segunda revolução industrial. Se compreendermos que o 1% mais rico do planeta contribui com 50% da emissão de gases do efeito estufa – segundo a Oxfam –, a responsabilização do sistema capitalista de produção pelo crime planetário fica ainda mais clara.
É um processo que se retroalimenta e estamos alcançando o “ponto de não retorno” muito rapidamente.
Para resolver, basta acabar com a indústria de guerra, modificar a indústria automotiva, parar com a extração de petróleo e com os hidrocarbonetos em geral, que geram o plástico e contaminante do solo dos oceanos e até das pessoas com os microplásticos.
Como solução, além de termos de plantar 80 milhões de hectares de árvores para a pronta captação de CO2, é necessário repensar o consumo e, por consequência, toda indústria – com destaque para a construção civil – de modo a se abolir as emissões de gases do efeito estufa.
Temos de repensar as cidades, os transportes, a cultura alimentar – é possível dar de comer a toda humanidade de forma agroecológica – nas próprias agroflorestas, com tecnologias apropriadas, aliando preservação da natureza a relações de trabalho justas e democráticas.
Isso significa transformar a terra e os bens da natureza em patrimônio público coletivo, com a reforma agrária e a reforma urbana populares. Significa descentralizar a ocupação do território, desadensando os grandes centros urbanos.
O que fatalmente implica em fazermos uma revolução. É a única alternativa que temos. Não apenas com a tomada dos meios de produção – como historicamente temos defendido –, mas, agora, com novos paradigmas tecnológicos e de ocupação do território para vivermos uma nova cultura, com outras formas de sociabilidade e felicidade.
*Gilmar Mauro é cientista social, da Coordenação Nacional do MST e colaborador da Rede BrCidades./Jade Percassi é cientista social, do Coletivo de Cultura do MST. /Chico Barros é arquiteto e urbanista, do Setor de Formação do MST.