Educação
MST e Pronera iniciam I Turma de Mestrado em Comunicação na UFMA
Por Maria Silva
Da Página do MST
Na última segunda-feira (14), o MST e outras organizações do campo, em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), deram início à primeira turma de Mestrado Profissional em Comunicação.
Essa é a primeira iniciativa da UFMA em relação aos movimentos sociais na perspectiva de formação na área da comunicação. Segundo o Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – Mestrado Profissional (PPGComPro), Marcio Carneiro, a ideia é continuar com outras iniciativas que contribuam cada vez mais para a socialização do acúmulo de conhecimento da universidade e que estejam ligadas à realidade. “Nós queremos ir além, queremos operar com a realidade, que é complexa e desafiadora. O mestrado profissional tem como objetivo um produto, um artefato que incida na realidade concreta”, afirma.
Carneiro relembrou também a contribuição de muitas pessoas para a construção do projeto do curso, orçamento, normas, etc. “Essa é uma construção coletiva, são referências e mundos diferentes que se juntam e tornam essas diferenças mínimas”, reconheceu, desejando poder “contribuir no conhecimento de vocês e que possamos avançar nesse processo, nessa construção. Estamos muito felizes por receber essa turma.”
Por ser um edital aberto para ampla concorrência a todos que possuem ligação com territórios de Reforma Agrária, as 15 educandas e educandos dessa nova turma vêm de movimentos sociais, como o MST e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), comunidades quilombolas, Incra e outros.
No cerimonial de abertura do curso, Maria Leda Ribeiro, do Setor de Educação do MST no Maranhão, relembrou a importância da construção deste e de outros cursos de graduação e pós-graduação voltados para a Educação do Campo e reafirmou a responsabilidade que todas e todos têm para com suas comunidades de origem, o MST e a classe trabalhadora como um todo. “Cada um de vocês aqui representa uma luta ancestral, não se esqueçam de maneira alguma dos territórios, de onde vieram e como chegaram até aqui, […] a escola não é um negócio, a educação não é mercadoria”, lembrou Leda.
Levi Pinho Alves, da Superintendência Regional do Incra/MA, fez coro com Leda ao afirmar a importância da construção do curso, desejando que essa formação dê visibilidade para os processos desenvolvidos nos diversos assentamentos e espaços de onde vêm os educandos e educandas. “Essa turma representa muito, tanto para os movimentos quanto para nós, servidores do Incra, e para toda a sociedade. Desejamos que novos cursos sejam criados e aprovados pelo Pronera aqui no Maranhão e em todo o Brasil”, finalizou.
Estiveram presentes também na mesa Rosangela Fernandes, diretora de Pós-Graduação da Agência de Inovação, Empreendedorismo, Pesquisa, Pós-Graduação e Internacionalização (AGEUFMA), e Fabrício Souza, chefe da Divisão de Desenvolvimento e Educação nos Assentamentos do Incra.
Em seu momento de fala, Fabrício aproveitou para respaldar o tripé que constitui e mantém vivo até hoje o Pronera: o Incra, os movimentos sociais e sindicais, e a universidade. Para ele, só está funcionando porque esses três elementos lutam todos os dias para que isso aconteça, mesmo em condições completamente desfavoráveis, como foi o caso do governo federal passado.
Segundo Souza, muitas coisas aconteceram desde que o Programa foi criado. Uma delas é que, enquanto estava em determinados espaços, como os cursos de educação básica, estava tudo bem, mas “quando o Pronera começou a colocar o pé na universidade, começou a ser questionado”, revelou. “Mas a mística que vimos aqui traz o recado: é o povo do campo chegando aos espaços que, por vezes, se tornaram também latifúndios, como as universidades”, finalizou comemorando.
Por parte da AGEUFMA, Rosangela Rodrigues também deu as boas-vindas aos novos egressos do mestrado e reforçou, mais uma vez, a responsabilidade da universidade de repassar os saberes acumulados, que, segundo ela, não pertencem a ninguém em particular. “O conhecimento é do povo. Nossa missão é tentar transmitir esse conhecimento, que já não é nosso. Muito obrigada e sejam bem-vindos à nossa casa!”, encerra.
Aula Inaugural
A Aula Magna “Comunicação e Educação do Campo” aconteceu no Centro de Ciências Sociais (CCSo) da UFMA e foi ministrada por Rafael Villas Bôas, militante do Coletivo de Cultura do MST e Professor Doutor da Universidade de Brasília (UnB). Villas Bôas começou apresentando alguns pontos que considera fundamentais para todo e qualquer militante, especialmente para aqueles que se desafiam a assumir também a tarefa de pesquisador e pesquisadora, como é o caso dos novos egressos.
Para ele, é essencial que o estudo seja uma constante: “É importante estudar sempre e estudar como rotina, não ‘quando dá’, mas como tarefa.” Também reforçou a importância de “ler e referenciar os nossos e as nossas no desenvolvimento dos nossos trabalhos e não se ater apenas aos clássicos da Academia, para que consigamos ouvir o que os nossos estão produzindo também”, referindo-se à vasta produção, também acadêmica, de livros, teses e dissertações que a classe trabalhadora tem realizado ao longo de sua existência.
Rafael Villas Bôas acredita que a construção de cursos com turmas de movimentos sociais e assentados da Reforma Agrária é fundamental também para a elaboração de um pensamento crítico na sociedade, que só pode ser desenvolvido coletivamente, com seus diversos sujeitos sociais. Segundo ele, no campo das organizações, as devolutivas das sistematizações podem incidir diretamente sobre a própria estratégia de organização das mesmas. “A devolutiva para os movimentos do campo, quilombolas, sindicais, de uma sistematização, de uma reflexão aprofundada, é um olhar crítico e analítico que permite também que esse processo de formação se projete com consequências no âmbito de organização dessas forças, com um projeto que incide potencialmente sobre as estratégias das organizações.”
Mas, para ele, é importante também que esse diálogo com as comunidades não se dê apenas no final, e sim enquanto ainda estiver no processo da pesquisa. “Que esse mestrado consiga fazer a devolutiva para a militância e as comunidades antes da defesa final, para que a comunidade consiga intervir”, complementa Villas Bôas.
No âmbito pessoal, Rafael se diz muito honrado por participar desse momento inaugural do curso, por algumas razões: primeiro, pelas duas bases, dois eixos de formação que ele teve — a formação pela universidade pública, enquanto estudante do curso de jornalismo, e depois o mestrado em comunicação, entre outros; e a formação para além da universidade, nos movimentos sociais, sobretudo a partir dos anos 2000 no MST.
“E tem um terceiro aspecto que, para mim, foi muito simbólico estar presente nesse curso: lá no ano de 2002, eu ainda estudante de mestrado fui convidado para orientar uma militante da comunicação, e essa estudante, lá naquela época no Ensino Médio, fez um trabalho sobre a juventude do Assentamento Carlos Lamarca. De repente, me deparo com aquela militante, hoje bem mais madura, cursando o mestrado nessa turma”, lembra. “São ciclos históricos em que a gente vê que aquela juventude estudou, se graduou, se aperfeiçoou, aprendeu a fazer teatro, a fazer cinema, a usar os meios de comunicação de forma competente e agora está fazendo o mestrado em comunicação”, finaliza Villas Bôas.
Histórico
Mariana Castro, militante do Setor de Comunicação do MST no MA, que acompanhou desde as primeiras discussões com a UFMA, também avalia como memorável a construção do curso. “Esse é um momento histórico, fruto de uma luta coletiva que envolve não apenas o Maranhão, mas todo o Movimento Sem Terra em defesa do fortalecimento do Pronera e da comunicação popular, ferramenta estratégica de defesa da classe trabalhadora e anúncio da Reforma Agrária Popular.”
Ela é uma das educandas do Mestrado e hoje atua também no Pará como correspondente do Brasil de Fato pela Região Amazônica. Para ela, é muito importante que iniciativas como essas de democratização do conhecimento sejam cada vez mais comuns em todos os lugares. “Que cada vez mais, as portas das universidades se abram para o povo e cumpram, de fato, o papel social de democratização da educação”, afirma.
É o que espera e busca também Júlia Iara, da Direção Nacional do MST pelo Maranhão. Júlia faz parte da Coordenação Político-Pedagógica do curso e foi uma das pessoas, junto a um coletivo do MST, que acompanha a construção de novos cursos, do qual faz parte também Maria Gorete, do Setor de Formação do MST, quem esteve à frente das negociações e diálogos com a Universidade para a concretização do mesmo.
“Nossa perspectiva na construção coletiva de cursos superiores no Maranhão e no Brasil é democratizar o acesso à educação e profissionalização a partir da realidade e da necessidade dos camponeses e camponesas beneficiários de Reforma Agrária, para que possam depois retornar aos seus territórios e contribuir em diversas áreas”, analisa Julia, numa perspectiva mais geral, e depois especifíca o papel desse mestrado. “No caso do Mestrado em Comunicação, esperamos aprofundar conhecimento técnico e político pra que esses comunicadores e comunicadoras possam experimentar junto às suas organizações e comunidades uma Comunicação Popular que, uma vez massificada, ajude na tarefa de organizar o nosso povo e avançar na batalha das ideias.”
Além do mestrado, o estado vem construindo também um curso de graduação em Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo, também em parceria com a UFMA e já em vias de seleção. Seria o segundo curso da área que o MST participa e contribui na concepção. O primeiro, que recebeu o apelido de Jornalismo da Terra, aconteceu em parceria com a Universidade Federal do Ceará entre os anos de 2010 e 2013, formando 45 jornalistas de diversas organizações, como o MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outros.
“Temos na graduação o desafio de formar novos comunicadores na região Amazônica para avançar nas várias necessidades de organização da comunicação nos territórios e movimentos sociais do campo. Nesse período tão profundo de embate de ideias, de fortalecimento dos valores neofascistas no mundo, formar e qualificar comunicadores para esse combate é uma tarefa política fundamental”, finaliza Júlia.
*Editado por Fernanda Alcântara