Artigo

Queimadas diferentes numa mesma produção capitalista destrutiva

Em artigo especial para o MST, pesquisadores da questão agrária apontam elementos para compreender a gênese dos conflitos socioambientais da agricultura brasileira e abordam os impactos da financeirização na agricultura para os biomas
Queimadas no Mato Grosso. Foto: João Pompeu

Por Fábio Pitta*, Cássio Boechat** e Teresa Paris***
Da Página do MST

Pioneiros da geografia universitária brasileira, como o francês Pierre Monbeig e o alemão Leo Waibel, atestavam já nos anos 1940 uma forma predatória de avanço da agricultura capitalista no Brasil, em que a busca pela fertilidade natural da terra recém-desmatada e um uso pouco equilibrado dos “recursos naturais” levavam a um rápido esgotamento do solo. Monbeig chegou mesmo a constatar a diminuição das chuvas e o aumento da temperatura no interior paulista como decorrência da “onda cafeeira”.

Essa “marcha pioneira”, como a vista na expansão da cafeicultura, começava com a grilagem de terras devolutas e passava pela contratação de famílias para formar fazendas por meio do desmatamento que selecionava umas poucas árvores de madeiras de lei e tinha o fogo como principal ferramenta de limpeza do terreno. Depois de formada a fazenda, seu uso intensivo e sem reposição adequada de nutrientes, rapidamente esgotava o solo e fazia decair a produção dos cafeeiros, impulsionando a busca por novas áreas e deixando um rastro de terras desgastadas e “cidades mortas” para trás. Monbeig e Waibel esperavam que em algum momento a ausência de terras férteis facilmente disponíveis viesse a mudar essa dinâmica de queima rápida de recursos.    

Nos anos 1970 e 1980, o sociólogo José de Souza Martins também teorizou sobre um duplo da fronteira. De um lado, indígenas e posseiros pobres se valiam de pequenas coivaras para abrir seus pequenos roçados para uma reprodução familiar na terra; enquanto, de outro, eram eles mesmos alvos de grileiros e fazendeiros que visavam a constituição de fazendas numa outra escala e numa outra lógica de produção, voltada para a obtenção de dinheiro, a partir da produção em série de mercadorias agropecuárias, sobretudo para o mercado exterior, buscando a manutenção e ampliação de seus patrimônios. 

A violência da frente pioneira da fronteira agropecuária, em que os grandes proprietários se apropriam da base fundiária e da natureza, também se vale do uso do fogo para limpar terreno, tanto de vegetações como de populações consideradas por eles “indesejadas”. Neste caso, o fogo, na escala da reprodução familiar, mesmo que integrada ao mercado, representa algo completamente diferente do fogo como ferramenta da grilagem que busca transformar a terra e os próprios membros das famílias de posseiros e comunidades originárias em objetos da lógica abstrata e destrutiva do capital.  

Nos últimos meses, no principal período do ano de estiagem no Brasil, vimos novamente, assim como em anos anteriores, as queimadas se alastrarem pelo país. Os chamados “rios voadores”, aqueles corredores aéreos em que o vapor de água migra de regiões a outras do país, acabaram se tornando o caminho por onde a fumaça das queimadas avançam e se espalham, podendo chegar a cobrir e impactar as grandes metrópoles do sudeste do país. Os gigantescos incêndios florestais profundamente destrutivos que vêm assolando toda a população se originaram este ano na Floresta Amazônica, no Cerrado, no Pantanal e no final de agosto, no estado de São Paulo.

Amplo debate sobre as causas destas queimadas vem sendo feito na academia, nas mídias e redes sociais e na disputa política classista entre representações patronais e movimentos sociais. A própria “bancada ruralista” acusou o MST de se utilizar de incêndios criminosos para “sabotar” a produção de commodities do agronegócio. Acusação sem qualquer fundamento real, na esteira daqueles que fizeram a “CPI do MST” para criminalizar os movimentos sociais. 

Deputado Coronel Zucco(Republicanos – RS), presidente da Comissão, e deputado Ricardo Salles (PL-SP), relator da CPI. Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Ao mesmo tempo, o uso do fogo não pode ser tratado como tendo sempre as mesmas motivações e finalidades. Uma coisa é a prática da coivara por camponeses, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, que usam o fogo para limpar uma pequena área de capoeira ou de floresta, para ali plantar para produzir seus meios de vida e vender certas mercadorias nas feiras-livres municipais, podendo rotacionar frequentemente sua produção, enquanto as áreas anteriormente utilizadas se recuperam. 

Outro uso completamente distinto e com impactos profundos nas próprias condições de reconstituição dos ciclos da natureza é aquele promovido pelo próprio agronegócio para a sua expansão, a qual ocorre por meio de desmatamentos e incêndios para a grilagem de terras e expropriação de comunidades rurais. Atualmente, tal expansão da produção de commodities agropecuárias pelo agronegócio se dá condicionada pelo que foi designado de financeirização do capital, como veremos adiante. 

Antes disso, é bom indicar que o argumento mais convencional para explicar as queimadas junta interpretações que naturalizam os fenômenos vistos e as práticas agrícolas. Por exemplo, fenômenos climáticos como o El Niño ou a La Niña e a prática alegadamente recorrente de se utilizar o fogo para limpar um terreno para se iniciar uma nova plantação seriam os responsáveis pelo que está acontecendo. Nada mais enganoso.

El Niño e La Niña têm sido cada vez mais intensos em razão das mudanças climáticas, cujas causas se encontram na inexorável tentativa do capital de expandir sua produção de mercadorias visando a acumulação. Transformar dinheiro em mais dinheiro infinitamente a qualquer custo e por quaisquer meios vai, assim, mostrando ser algo catastrófico num mundo geograficamente limitado. Tais fenômenos climáticos vêm provocando secas profundas e inéditas, sendo estas um contexto ideal para o espalhamento das queimadas.

Aqui, desejamos apresentar argumentos que relacionam o movimento de constante expansão territorial do agronegócio, a financeirização do capital e a destruição da natureza como partes de um mesmo processo, permitindo que relacionemos as causas das queimadas atualmente (e a própria realimentação das mesmas) com os limites ambientais que estão sendo atingidos pela sociedade capitalista. 

Financeirização da agricultura e avanço da fronteira agrícola

A financeirização do capital ocorre a partir dos anos 1970, aparecendo como a necessidade de criação de dinheiro nos mercados financeiros para, por meio do crédito, condicionar a produção de mercadorias. Isso se deu em razão dos processos de acumulação e crise do capital, que atingiram um ponto culminante a partir daquela década. No século XXI, e no que diz respeito ao agronegócio, este processo adquiriu características muito particulares. A definição dos preços de commodities passou a ocorrer nos mercados financeiros, mais especificamente, no mercado futuro, no qual se cria um tipo de derivativo financeiro onde gigantescos fundos e investidores internacionais especulam com os preços das commodities para o futuro. De toda forma, dado os altos montantes investidos, oscilações de preços costumam ser drásticas, tanto nos momentos de alta quanto nos de baixa, e isso interfere diretamente nos preços pagos nos mercados pelas commodities e também nos preços das demais mercadorias que dependem dos preços destas para serem definidos.

Entre 2003 e 2011, por exemplo, os preços de commodities atingiram picos históricos. O agronegócio, a fim de aproveitar tais preços, se endividou em montantes elevadíssimos, tendo tais preços futuro por garantia. Pegava-se crédito em muito maior quantidade do que uma determinada empresa seria capaz de saldar, caso não expandisse sua produção tanto em produtividade, com mecanização etc, quanto em área. Quando os preços nos mercados financeiros de commodities caíram, após a crise financeira do capitalismo neoliberal de 2008, mas principalmente após 2011, muitos capitais do agronegócio não conseguiram mais pagar suas dívidas. De toda forma, não poderiam parar sua produção e tinham que expandir em área para produzir, mesmo que em piores condições, a fim de tentar vender mercadorias e tentar lidar, de algum modo, com todo seu endividamento. Essa característica não vale apenas para o agronegócio, mas para a empresa capitalista em geral, de todo modo. 

A destruição da vegetação nativa e as mudanças climáticas vão prejudicar diretamente o agronegócio no Brasil. Foto: Getty Images

A expansão do capital, assim, tanto pelo agronegócio como pelo capital em geral, se dá até os limites do que a natureza, tratada como recurso e fonte de matéria-prima para o capital, pode oferecer. Com o aprofundamento da devastação da natureza que o processo de financeirização do capital produz estamos alcançando efetivamente os limites, tanto internos de acumulação de capital, com precarização e superexploração do trabalho; quanto externos, com o esgotamento do planeta Terra e, consequentemente, da própria possibilidade de existência da vida neste planeta. 

A expansão agropecuária para produção de commodities pelo agronegócio  ocorre de forma privilegiada nas áreas de fronteira, utilizando-se de desmatamentos, queimadas, grilagem de terra, violência para promover expropriações, pressão sobre áreas protegidas e flexibilização de legislações ambientais e de direitos territoriais de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais. 

Atualmente, essa expansão avança particularmente sobre a Amazônia e o Cerrado, biomas onde vem ocorrendo as maiores incidências de focos de queimadas, segundo dados do Inpe. Os altos índices de desmatamento e incêndios nessas áreas de expansão da fronteira – que este ano atingiram recordes históricos –  não são reflexo da proteção ambiental em outras áreas; pelo contrário, evidenciam que biomas como a Mata Atlântica já foram amplamente devastados em décadas passadas. Nesses biomas, o desmatamento está associado ao uso do fogo em grandes extensões – ao contrário do uso tradicional do fogo na coivara, por exemplo -, e frequentemente serve à consolidação da grilagem de terras. 

No Cerrado, especialmente na região do Matopiba (que abrange parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a destruição da vegetação nativa nas últimas duas décadas está fortemente associada à expansão dos cultivos da soja e do milho e à especulação com terras agrícolas fomentada pela presença de imobiliárias agrícolas transnacionais que especulam com a terra como ativo financeiro, grandes grupos produtores de commodities e trading companies, muitas vezes articulados aos grileiros locais. 

O desmatamento no Cerrado é frequentemente realizado a baixo custo, utilizando apenas dois tratores e um correntão. Essa prática não se limita a desmatamentos não autorizados; muitas vezes, as autoridades estaduais emitem permissões, inclusive sobre áreas griladas. As queimadas são empregadas para consolidar a abertura da fazenda, que depois será vendida como forma de “esquentar a terra”. A possibilidade de expansão a custo relativamente baixo, por meio da grilagem, do desmatamento e do fogo, é fundamental para a permanência do agronegócio na região. 

Diferentemente do Cerrado, a Amazônia registrou uma redução no desmatamento no último ano, enquanto as queimadas cresceram. Em recente entrevista, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, argumentou que, historicamente, 70% das queimadas na Amazônia ocorrem em áreas de desmatamento, onde a floresta já foi derrubada. No entanto, atualmente, há um aumento de incêndios em áreas de floresta. 

Isso se deve a uma prática dos produtores que optam por degradar a floresta de forma gradativa, primeiro com a retirada seletiva de madeira e, depois, utilizando o fogo ano após ano como uma solução mais barata para grilagem de áreas que serão transformadas em pastagens e lavouras. A fiscalização dessa prática é muito mais difícil quando não é precedida pelo desmatamento. Essa lógica é impulsionada pelas condições climáticas secas e quentes, que tornam a floresta mais suscetível às queimadas e, assim, estas aparecem como uma “janela de oportunidade” diante do endurecimento das fiscalizações e embargos do órgão ambiental: “Já que eu não posso mais desmatar, vou botar fogo”.

No Pantanal, houve uma escalada dos focos de incêndio em comparação aos anos anteriores. Este bioma enfrenta o período mais seco das últimas décadas, e 15% da área já havia sido queimada até setembro de 2024. O presidente do Ibama destaca que o preço da terra no Pantanal está muito alto e, em um cenário em que o bioma está sofrendo com a seca e não tem mais as cheias que existiam antes, houve um aumento da procura por terra para agricultura e pecuária, observando-se também um aumento do desmatamento, inclusive de forma autorizada, seguindo a ideia de que, como o Pantanal não enche mais de água, dá para plantar mais.

Cerca de 95% dos focos de fogo no Pantanal foram detectados em propriedades privadas e apenas 5% em áreas de proteção ambiental ou reservas indígenas. Os incêndios atuais estão fora do padrão natural da dinâmica de utilização do fogo da região, que inclui ciclos de cheias e secas, e apenas 1% das queimadas têm origem em causa natural, como raios, enquanto 99% tem a atividade humana como principal vetor. A seca, resultado do desmatamento e das queimadas, se torna justificativa para mais desmatamentos e queimadas.

Os custos da modernização

Foto: Folha de S.Paulo/Reprodução

A modernização desigual da agricultura brasileira, a partir dos anos 1960/70, modificou bastante, em algumas realidades como a da produção canavieira de São Paulo, a dinâmica de alguns setores produtivos no campo, passando a incorporar por meio do crédito subsidiado insumos modernos, tais como tratores, máquinas, mas também fertilizantes e pesticidas químicos, além de promover a exploração de trabalhadores assalariados, não mais residentes nas propriedades, na maior parte das vezes migrantes contratados informal e precariamente para a safra. No entanto, para além de diversos outros aspectos problemáticos do ponto vista socioambiental, essa produção modernizada seguiu utilizando o fogo para o preparo do corte manual da cana. 

Com o crescimento das preocupações ambientais, canalizadas por imposições às empresas que buscavam certificações para ampliar a entrada no mercado financeiro em meio à bolha das commodities (2003-2011), e com as queixas acumuladas contra a poluição do ar e das casas das cidades do interior paulista, em 2002 foi promulgada a Lei Estadual n. 11.241, que dispunha, em seu primeiro artigo, da “eliminação do uso do fogo como método despalhador e facilitador do corte da cana-de-açúcar”. Em seguida, o Decreto n. 46.700, de 2003 propunha um plano de erradicação gradual das queimadas, até 2021, incidindo primeiro sobre as áreas “mecanizáveis” e indo progressivamente às demais. Desse modo, o critério para a restrição das queimadas passava pelo “progresso técnico” das máquinas colheitadeiras, ou colhedoras mecânicas, que gradativamente também eliminariam o corte manual feito pelos trabalhadores migrantes. 

Desde 2008, um protocolo assinado por representantes do setor canavieiro e a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo antecipava de 2021 para 2017 o fim das queimadas. Em 2014, porém, a Justiça Federal deu ganho ao Ministério Público e obrigou que o licenciamento de queimadas tivesse estudos de impacto ambiental, o que acabou antecipando a colheita daquele ano e acelerando a mecanização e o fim das queimadas. 

Diversos programas como o Moderfrota, de 2000, o Finame e o PSI (Plano de Sustentação de Investimento), de 2009, – mas também os novos laços de todo o setor com o mercado financeiro, antecipando créditos e especulando com o preço futuro do açúcar e do álcool – possibilitariam a compra intermediada pelas usinas de colhedoras mecânicas, fazendo cair brutalmente o número de trabalhadores empregados no setor canavieiro paulista, de quase 300 mil, em 2008, para 87 mil, em 2017. 

A “queima” de postos de trabalho pela proibição da “queima” dos canaviais não foi o único resultado dessa modernização recente. Outro “efeito colateral” se desdobrou no retorno incontrolável das próprias queimadas.

Queimadas atingem vegetação do Parque Estadual do Pantanal. Foto: João Farkas / Documenta Pantanal

O motivo desse “efeito perverso” pode ser buscado na própria mecanização, que exigiu dos produtores e usinas a terraplanagem e reordenação dos talhões, unificando as porções de canaviais, eliminando carreadores, georreferenciando as linhas de cana e preparando o solo para que a máquina opere o mais continuamente possível, com o mínimo de manobras. A lógica territorial de organização produtiva mudou, assim, drasticamente, embora seja mera continuação da busca abstrata pelo aumento contínuo da produtividade na tentativa de ganhar a concorrência (ou de pagar dividendos aos acionistas). 

Isto é, antes as estradas/carreadores e os talhões eram pensados para dividir o canavial para o corte manual e o transporte da cana, o que passava por queimas frequentes e relativamente “controladas” dessas parcelas, geralmente colocando fogo (contra a direção do vento) contra fogo (a favor do vento) e se valendo das próprias estradas de terra como aceiros para limitar a expansão da queimada. Depois da mecanização e da transformação dos inúmeros talhões num imenso e único canavial, as queimadas vêm sendo abolidas enquanto um procedimento padrão, ao mesmo tempo em que se tornaram completamente incontroláveis. 

O processo que se inicia com a justificativa ambiental de restrição de uma prática produtiva que se valia do uso relativamente “controlado” do fogo culmina, desse modo, num agravamento descontrolado do problema que se queria inicialmente contornar. A lógica da racionalização da produção visando aumentar a produtividade para ganhar a concorrência intercapitalista produz, assim, mais uma faceta de irracionalidade, entre outras.

É verdade que os relatos sugerem que há muito mais por trás disso. Queimadas provocadas por vizinhos, queimadas provocadas para acelerar a fila de processamento da cana na usina, queimadas provocadas para acelerar loteamentos, queimadas provocadas para prejudicar políticos rivais, queimadas para mostrar que governos minimamente preocupados com o meio-ambiente não conseguem controlar queimadas, até chegar à possível participação de facções criminosas que estariam disputando o ramo de distribuidoras de combustíveis com grupos canavieiros. Todas essas possibilidades de motivações devem ser investigadas e são possíveis desdobramentos de uma concorrência capitalista de todos contra todos encarniçada e difusa. No entanto, a estrutura sobre a qual o fogo aqui se transforma em arma para prejudicar algum opositor é a base de uma produção capitalista que criou historicamente o cenário perfeito para a propagação de queimadas monstruosas. 

*

Enfim, a expansão do capital se dá, assim, sob a lógica de uma produção agrícola industrializada, financeirizada e cientificizada que está associada aos desmatamentos e queimadas, utilizados historicamente para formação de novas fazendas e expropriação de camponeses, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. A prática da coivara utilizada por estes, em termos de amplitude das queimadas, é diminuta em relação àquelas que são estruturais para a existência do agronegócio, em sua concentração fundiária e centralização de capitais. A expansão do agronegócio, desta forma, é responsável pela supressão vegetal que por si já promove o aumento da seca e o recrudescimento do aquecimento global. Se a floresta em pé é capaz de reter umidade e de trocá-la com o ambiente externo à floresta (criando os rios voadores), conforme esta vai sendo extinta, a umidade vai cedendo lugar à seca e qualquer foco de incêndio pode se alastrar com cada vez mais facilidade. Imaginemos o que ocorre quando as queimadas são amplamente utilizadas como padrão de abertura de novas fronteiras. 

Ao mesmo tempo, a própria produção de commodities agropecuárias, como mostramos para o caso da cana em São Paulo, também é responsável pelo aquecimento global, por exemplo, através dos processos de transformação química a partir da decomposição dos agrotóxicos amplamente utilizados em tal produção, o que também libera gases do efeito estufa. Estamos diante de um processo que se realimenta: o agronegócio financeirizado se utiliza de desmatamentos e queimadas que, conforme recrudescem, ampliam as condições de espalhamento das próprias queimadas. Poderíamos dizer que estamos diante de uma bomba de calor e devastação, que talvez já tenha até atingido seu ponto de não retorno.

Para finalizar, é importante lembrar que indicamos a financeirização como estando na base da reprodução dos capitais atrelados ao agronegócio. Neste momento em que promessas de salvação pelo desdobramento de uma financeirização verde são renovadas, com a regulamentação de mercados de carbono e a emissão de toda sorte de títulos de dívidas verdes (green bonds, CRAs e LCAs verdes, Cbios, etc.) é bom abrir bem os olhos. A canalização (ou mesmo a produção) de mais dinheiro para estas finanças verdes desdobradas tende a jogar mais lenha nas caldeiras das grandes corporações, incluindo as do agronegócio, que assim lavam suas imagens e rolam suas dívidas enquanto alegam que a crise climática estaria sendo contornada, embora esteja sendo aprofundada.

*Fábio Pitta – Pesquisador Colaborador do Departamento de Geografia da USP e Coordenador da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos;

**Cássio Boechat – Professor do Departamento de Geografia da UFES;

***Teresa Paris – Pesquisadora e Assessora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

****Editado por Fernanda Alcântara