Internacionalismo
Do Contestado para o mundo
Por Jan Schoenfelder, chef e jornalista, compõe o Coletivo Marmitas da Terra/PR
Da Página do MST
A cidade da Lapa, pequeno município de 45 mil habitantes nas cercanias de Curitiba, teve um passado impactante.
Sobre seu terreno de arenito, encimado por uma escarpa devoniana onde viveram monges milagreiros, caminharam tropeiros vindos do Sul para São Paulo, plantou-se a erva-mate e extraiu-se madeira nobre.
Entre outras coisas, a região foi também palco de duas guerras: a do Cerco da Lapa, durante a Revolução Federalista no fim do século XIX, e a do Contestado, nos anos de 1912 a 1916.
A primeira vitimou quase mil pessoas, entre soldados e população civil. O saldo da segunda foi bem pior: 15 mil mortos, grande parte militares, mas com moradores pagando alto preço também: o que não se resolveu na bala, foi na faca. E os julgamentos à revelia antes das execuções rivalizaram com os piores cenários já descritos nesse tipo de conflitos.
Eram tempos duros, que deixaram na atmosfera da região uma aura de misticismo, luta pelo poder e resistência política.
Novo cenário
Ao longo dos milhões de anos, a Lapa já foi mar, rio, deserto e também esteve coberta de gelo.
Hoje tem o benefício de um solo propício à agricultura, sendo igualmente um núcleo leiteiro e de geoturismo, com suas serras, escarpas, cachoeiras e o conjunto arquitetônico tombado pelo patrimônio histórico.
Nas áreas plantadas se destacaram as frutas de caroço e um modelo mais recente, a lavoura de orgânicos. É aí, com o sistema de agroecologia, que outra história começou a ser escrita.
Mais precisamente, no dia 7 de fevereiro de 1999, com a ocupação das terras onde se instalou o assentamento Contestado, do MST. O local, que abriga cerca de centena e meia de famílias, é a sede da Cooperativa Terra Livre e da Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA).
Um lugar sinônimo de resiliência e esperança, referência para quem procura produzir alimentos saudáveis e desenvolvimento econômico, agregados a uma forma solidária de viver.
Diplomacia dos povos
Foi para o assentamento Contestado que militantes internacionalistas da América Latina e do Caribe acorreram em outubro deste ano, em busca de formação em agroecologia e teoria política.
O que eles têm em comum, além da juventude, é um sentimento de inquietação e necessidade de compartilhar esperança. Mas não esperança simbólica, e sim aquela que, na prática, supera adversidades e contorna as incertezas com conhecimento teórico e científico.
Dessa maneira, estreitamos nossos laços com outros países e contribuímos para o fortalecimento do poder popular, onde quer que ele se manifeste.
O coletivo Marmitas da Terra conversou com alguns dos intercambistas. Nesta parte do artigo, alguns desses personagens, na multiplicidade de suas origens e na diversidade de profissões e sotaques, ganham nome. Veja quem são.
Internacionalizemos a luta! Internacionalizemos a esperança!
“Vim por um compromisso com a revolução, com os ideais que temos. A Venezuela é um país que tem atravessado múltiplas crises internas e externas. Entendemos que esta é uma época muito complicada para o socialismo, é um momento de transição em que temos sido muito atacados externamente. Nós, como juventude, assumimos nosso compromisso em nome da pátria. Escolhemos a agroecologia como alternativa porque nosso país é autossustentável e podemos tanto nos manter através dela como também exportar para os países do entorno.”
Estar aqui simboliza a união dos povos que, apesar da distância geográfica, compartilham ideais de liberdade e soberania, defendendo não só a sua causa, mas também a causa de todos os povos do mundo. A Palestina precisa muito de médicos e meu título leva também os nomes dos mártires que deram a vida pela minha pátria. O que faço representa minha necessidade humana, revolucionária e pacifista de expressar meu desacordo com a agressão ao povo da Palestina.”
Yousef Abualrob, 25 anos, médico generalista graduado pela Universidad de Ciencias Médicas de Cienfuegos, Cuba – Jenin, Cisjordânia. Depois que concluir a formação em agroecologia, Yousef voltará a Cuba para se especializar em cirurgia vascular, antes de retornar à Palestina.
“Minha região é muito produtiva em milho, mandioca e vários outros cultivos com uso excessivo de agrotóxico. Eu atuo especificamente na produção de queijos, mas minha intenção é voltar para minha região e implementar um banco de sementes para cultivar e expandir as culturas de sementes sadias, sem agrotóxicos, sem alterações genéticas, para uma produção 100% natural”, afirma Carlos Archila, 21 anos, estudante de Engenharia da Informática – Elorza, Venezuela.
Para Ender Rojas, Técnico Superior Universitário, agricultor e policial – Venezuela, “a agroecologia é nossa alternativa e opção de vida. Mente sã, corpo são, terra sã. Queremos mostrar que é possível cultivar sem agrotóxicos. Meu plano específico, quando voltar para a Venezuela, é reunir um coletivo-base, passando aos pequenos, aos jovens, o conhecimento em agroecologia, quais os métodos, quais os alimentos, que benefícios trazem.”
A formação política é muito importante na agricultura, especialmente em El Salvador, um país pequeno e com imensas dificuldades na posse das terras. Vim ao Brasil para compreender melhor as lutas travadas pelo MST e compartilhar as diferentes culturas que estão presentes nesta turma. Quero expandir meu conhecimento e enlaçar as lutas internacionais.”
Erick Alexander Rivas Arriazza, 32 anos, licenciado em Biologia – Ahuachapán, El Salvador
Sou agricultor desde criança. Recebi um convite do MST feito ao Movimento Nacional Campesino Indígena, organização argentina da qual faço parte, para que viéssemos fazer o curso de Teoria Política. Trabalho numa comunidade terapêutica que atua na transição de encarcerados e de pessoas em prisão domiciliar, a fim de que essas pessoas e as que vivem em situação de rua possam sair e habitar o campo de uma maneira política consciente e revolucionária.”
Rafael Vera, 30, agricultor, comunicador e Psicólogo Social – Mercedes, B.A., Argentina
“Quero criar e implementar hortas e bancos de sementes para tentar manter o ambiente mais limpo e nossa independência agrícola, porque na zona semirrural a contaminação está muito presente. Penso também em mudar o sistema energético a partir da energia solar e eólica, pois o sol e os ventos são muito presentes na Venezuela”, afirma Diomar Cova, agricultor e Técnico Superior Universitário em Educação Musical – Venezuela.