Religiosidade
Em Cuba, povos de terreiro discutem os vínculos da ancestralidade africana nas Américas
Por Iris Pacheco
Da Página do SMT
Entre os dias 01 a 03 de Novembro de 2024, líderes religiosos provenientes de Cuba, Brasil e México estiveram na Ilha para participar do II Evento Internacional de Religiões Afro-Americanas (EIRA), realizado na cidade de Havana, e também aproveitaram para conhecer as experiências sociais e religiosas do país.
No mês que celebramos a consciência negra no Brasil, os povos de terreiros e pesquisadores discutiram mais do que a liturgia neste evento em Cuba. Os debates compartilharam além da diversidade de culto e religiosidade, aspectos históricos, sociais e políticos centrais para compreendermos a história da diáspora africana nas Américas. Além disso, ressaltou o papel do negro na sociedade e a crítica à prepotência criminosa dos colonizadores brancos europeus ao escravizar nossos ancestrais africanos e como isso trouxe consequências diversas para a nossa sociedade afroamericana.
Nesse sentido, a Makota Kidevolu Célia Gonçalves, Coordenadora do EIRA no Brasil e Coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB), ressaltou que os ancestrais nos legou a resistência e resiliência, portanto, “não podemos tratar como igual, quem historicamente nos trata como desigual.” Para ela, deve haver sim uma crítica contudente ao não reconhecimento da escravidão como crime de lesa-humanidade, termo do direito internacional que descreve ações criminosas e sistemáticas contra a vida e a dignidade de uma população civil.
Seguiremos lutando por reparação histórica para a população negra nas Américas e construindo um lastro internacional para que além da vontade política tenha também orçamento para executá-la.”
Makota Kidevolu Célia Gonçalves
No Brasil ou em Cuba, foi possível perceber como o racismo religioso é algo que impacta a vida das pessoas que são das religiões de matriz africana, principalmente pela construção político social de que frente ao cristianismo como cultos “pagãos” e “atrasados”. Ou até mesmo associar essas formas de espiritualidade ao “diabo”, são essas mesmas estruturas de pensamento que os colonizadores tinham quando proibiram esses cultos e usaram o cristianismo como uma ferramenta de controle e poder sobre os povos originários.
Para além das fronteiras, unidade dos povos afro americanos
O documento final do encontro apontou ações necessárias, que passam sobretudo, pelo caráter proativo de cooperação entre o estado brasileiro e cubano para a promoção da igualdade racial envolvendo as populações afro-descendentes, carente de ações afirmativas que partam do reconhecimento da consequente reparação histórica dos danos causados a essa população pelo processo da escravidão e seus desdobramentos nos dois países.
Nesse sentido, o que essas autoridades religiosas sugerem é a mobilização de “recursos pelo governo brasileiro para que, em parceria com o governo cubano, promova a construção de um espaço memorial, na forma de um centro cultural da diáspora, que enseje o intercâmbio, a produção de conhecimento e o debate sobre as realidades envolvendo os povos tradicionais afro-cubanos e afro-brasileiros”, salientam no documento final.
Dialogando com o resultado do documento final, em sua exposição sobre religiões de matriz africana e sua perspectiva decolonial, o Babá Clébio Ifatomisin Odeyale, devoto de Orunmila-Ifá e do culto aos Orixás, Historiador, Mestre e Doutor em Educação e Diversidade, reforçou a relação ancestral do axé como força vital e o princípio não dicotômico da vida. “Somos povos tradicionais com princípio filosófico próprio, cultura, idiomas e organização social que se difere do que prega o modernismo capitalista. Por isso temos uma visão integrada da realidade.”
E é pensando nessa cosmovisão, que a solidariedade internacionalista entre os povos foi pauta junto à embaixada brasileira em Cuba. A delegação dos povos veem a necessidade do estado brasileiro realizar ações intensivas de caráter humanitário que venham emergencialmente socorrer o povo cubano, em áreas como segurança alimentar e saúde, mas principalmente, de criar políticas públicas, que fomentem a cooperação entre organizações da sociedade civil brasileira e as comunidades e grupos tradicionais afro-cubanos, favorecendo a troca de saberes e alavancamento de potencialidade a partir de organizações que trabalham diretamente com projetos na promoção da igualdade racial no Brasil e em Cuba.
José Andrés Knights, Presidente do EIRA e do Templo Ezinwe, e Vice presidente da Instituição Bantu de Cuba, comentou sobre a expectativa para o III EIRA. “Agradecemos a participação de todas e todos aqui presente e queremos afirmar a realização do III EIRA para novembro de 2025 para seguirmos compartilhando e fortalecendo os laços entre aqueles que cultuam seus ancestrais.”
O EIRA é fruto de uma articulação internacional dos povos de terreiro após a realização do Egbé – Encontro Nacional dos Povos de Terreiro, realizado pelo Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab) com apoio de diversas organizações sociais no Brasil, sobretudo, o MST.
Confira abaixo o documento final do II EIRA:
*Editado por Fernanda Alcântara