Agroecologia

O capitalismo não dá conta da demanda da população, diz Stedile na 21ª Jornada de Agroecologia

Desigualdade e crise ambiental são alguns dos sintomas da crise capitalista e do agronegócio apontadas pelo líder do MST
Stedile esteve na primeira conferência da Jornada. Foto: Lia Bianchini

Por Franciele Petry Schramm
Da Página do MST

A marca de 59 milhões de pessoas em situação de pobreza apenas no Brasil é retrato de um sistema que precisa ser superado, na avaliação do economista e membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile.

A constatação foi feita durante os debates da conferência “A crise do sistema capitalista, as consequências para a população e a natureza. Quais os desafios para a classe trabalhadora hoje?”, realizada nesta quinta-feira (5). A atividade é parte da programação da 21ª Jornada de Agroecologia do Paraná, que acontece em Curitiba entre os dias 4 e 8 de dezembro.

Para um auditório lotado, Stedile apresentou uma análise sobre a relação entre o sistema capitalista, o agronegócio e a crise ambiental. Os reflexos dessa relação, segundo o economista, são sentidos na concentração fundiária e financeira, na exploração do trabalho, na exploração dos recursos naturais e na perda da biodiversidade. “Na agricultura, enquanto permanecer o capitalismo, sempre vai ter exploração da mais-valia, sempre vai ter acumulação do capital, sempre vai ter acumulação de terra”, destaca.

Foto: Lia Bianchini

O economista destacou o papel do capital financeiro e das empresas transnacionais na manutenção do agronegócio mundial. E falou da falsa impressão de autonomia de produção em um modelo que é dominado pelas transnacionais. “O Brasil tá ‘faceiro’ que é o maior exportador de soja do mundo. Mas quem vende a soja para o mundo? Apenas quatro empresas”, destacou ao se referir às quatro gigantes do agronegócio conhecidas pela sigla ABCD (das empresas Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyf), que controlam 90% da soja mundial.

Para Stedile, o resultado desse processo de acumulação e dessa lógica de produção traz grandes danos. “O agronegócio está destruindo a profissão e a arte de ser agricultor. Porque a essência da agricultura, dessa arte, é produzir de forma diversa, com todos os seres vegetais e animais que há na natureza. Quando reduz a um monocultivo, não é mais agricultura, é indústria de commodities agrícolas”, destaca.

Foto: Lia Bianchini

E nem só a agricultura está sendo destruída pelo agronegócio, como aponta. “Ele está destruindo a natureza, porque a essência do agronegócio é o monocultivo, e para ter o monocultivo ele precisa do agrotóxico para destruir todas as outras formas de vida”.

Ao falar sobre a manutenção do agronegócio enquanto modelo de produção, Stedile é enfático: “Eles [capitalistas] sabem que esse modelo não tem futuro”.

Agronegócio traz danos de de Norte a Sul

Produtora agroecológica e presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) do município de Mojuí dos Campos (PA), Sileuza Barreto sente na pele os efeitos do modelo predador do agronegócio citado por Stedile. No Oeste do Pará, além de as cidades enfrentarem uma seca histórica, estão há dias envoltas em fumaça, reflexo das queimadas provocadas pelo agronegócio na região.

No dia 25 de setembro, o município de Santarém decretou situação de emergência ambiental por conta da piora da qualidade do ar. Nos últimos dois dias, a cidade registrou uma concentração de poluentes 30 vezes maior do que a recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo dados da plataforma de monitoramento IQAir.

Sileuza Barreto, presidente do STTR de Mojuí dos Campos, Pará. Foto: Lia Bianchini 

Sileuza conta que o agronegócio vem avançando na região desde o ano 2000, a partir do incentivo dado pelos governantes da época para o plantio de soja nos municípios. A instalação de um porto da transnacional Cargill em Santarém também foi decisiva para o aumento da produção de soja, pois garantiu aos produtores um mercado consumidor.

Os efeitos, segundo Sileuza, foram variados. Um dos principais diz respeito às mudanças na população. Mojuí dos Campos, que segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 tinha pouco mais de 23 mil habitantes, registrou no censo de 2020 pouco mais de 16 mil. “No município, nós temos 19 comunidades que sumiram. Às vezes, a gente passa e consegue identificar onde era uma comunidade por conta de uma igreja, uma escola ou um cemitério abandonado no meio do nada, cercado pela plantação de soja”.

A extinção das comunidades foi resultado de processo de intensa pressão imobiliária para compra de terras para produção. Quando não aceitam vender as terras, agricultores familiares eram praticamente expulsos por conta da aplicação intensiva de agrotóxicos nas propriedades vizinhas. “Com isso a gente viu as famílias vendendo suas terras e indo para a cidade, as cidades foram inchando, as periferias crescendo, as famílias sendo destruídas, jovens entrando no mundo das drogas, do crime e a fome chegando”, conta.

Foto: Lia Bianchini

Com as terras deixando de ser usadas pela agricultura familiar, a região enfrentou outro grave problema: a perda da diversidade de produção. “A gente tinha uma produção muito grande de arroz, milho, feijão, e hoje a gente não vê mais, não tem”.

Ainda que o cenário seja bastante desafiador, Sileuza, que também preside a Associação de Mulheres Flores do Campo, vê a agroecologia como caminho. “Mesmo com todas as situações, a gente sabe que a agricultura familiar é predominante na região, e é com a produção de alimentos e com a agroecologia que a gente vem contrapondo essas situações e narrativas”.

Foto: Lia Bianchini

*Editado por Fernanda Alcântara