Amor pela Terra
Leonardo Boff traz à 21ª Jornada de Agroecologia reflexão sobre crise civilizatória e esperança
Por Diangela Menegazzi
Da Página do MST
Na manhã do último sábado (7), Leonardo Boff fez a última conferência da 21ª Jornada de Agroecologia, no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. Aos 86 anos, o teólogo e escritor subiu ao palco acompanhado por duas crianças Sem Terra e ao som de uma viola caipira, em um dia chuvoso que não desanimou o público presente. Em sua fala, ele abordou a gravidade da crise ambiental e social atual, mas também trouxe uma mensagem de esperança e soluções baseadas na solidariedade e no trabalho coletivo.
O teólogo e escritor subiu ao palco acompanhado por duas crianças Sem Terra. Foto: Abimael de Jesus
Boff definiu sua visão como um “pessimismo esperançoso”. Ele destacou motivos para o pessimismo, como a ameaça de uma guerra nuclear, a sobrecarga dos recursos naturais e o impacto das mudanças climáticas. Segundo ele, o Antropoceno, época em que o ser humano se tornou a maior ameaça à vida no planeta, é marcado por destruição e irresponsabilidade ambiental. “Nossa razão moderna enlouqueceu, pois criou o princípio da destruição”, afirmou.
Ele citou dados alarmantes, como o esgotamento anual dos recursos naturais – conhecido como o Dia da Sobrecarga da Terra – e a previsão de aumento das emissões de gases de efeito estufa em 2024. “A Terra é uma grande mestra, mas a desgraça é que não tem alunos”, lamentou. Ainda assim, ele acredita que há alternativas para evitar um colapso total.
A esperança de Boff está na organização popular e em movimentos populares como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Via Campesina. Ele elogiou a capacidade desses grupos de promover justiça social e práticas sustentáveis, apesar das críticas e desinformações que enfrentam. “Vocês são portadores da energia criadora. Mesmo não reconhecidos, estão construindo um futuro melhor”, afirmou.
“Vocês são portadores da energia criadora”, disse Leonardo Boff ao público presente da Jornada de Agroecologia. Foto: Abimael de Jesus
Entre as saídas propostas por Boff estão o biorregionalismo – uma estratégia de modo sustentável de vida (diferente de “desenvolvimento sustentável”) baseada nas características e bens comuns locais, e a promoção da agricultura familiar e das cooperativas. “A verdadeira sustentabilidade será construída na região, com pequenas e médias produções e a valorização das tradições locais.”
Boff encerrou destacando a necessidade de unir ciência, tecnologia e arte para fortalecer os laços sociais e espirituais. “As dores que estamos sofrendo não são dores de morte, mas de um parto. Está nascendo uma nova criatura, cheia de esperança e portadora do futuro”, concluiu.
Arte como força vital na agroecologia
Para Leonardo Boff, arte e agroecologia caminham lado a lado na construção de uma sociedade mais justa e sustentável. Ele ressaltou que a transformação social não depende apenas de ciência e tecnologia, mas também de manifestações culturais que alimentam o espírito e fortalecem os laços comunitários. Cantar, dançar, criar poesia e resgatar tradições populares são formas de resistência que dão sentido à luta diária e animam as pessoas a seguir em frente. “A arte dá coesão às pessoas e nos deixa animados para continuar a vida”, afirmou Boff.
A conexão com a natureza e com a própria essência humana, segundo Boff, passa por uma jornada interna. Citando Carl Jung, ele lembrou que “a viagem mais longa é ir em direção ao coração”. Esse movimento interior é essencial para acumular energias e enfrentar os desafios externos.
O encantamento da Orquestra Popular Camponesa
Não foi à toa que Leonardo Boff destacou a arte em sua fala. Antes do início da conferência, na chuvosa manhã de sábado (7), o filósofo e a plateia lotada foram encantados pela Orquestra Popular Camponesa. Essa foi a primeira apresentação realizada pelo grupo fora do Assentamento Eli Vive, em Londrina, onde nasceu em 2022.
Com foco em cordas populares e friccionadas, e voltada para crianças e adolescentes, a Orquestra Popular Camponesa busca a construção de espaços coletivos de ensino, aprendizado e prática musical em áreas de Reforma Agrária no Paraná. A primeira turma foi na comunidade rural Eli Vive, no distrito de Lerroville, em Londrina, e hoje conta com cerca de 150 educandos em dois núcleos na região norte do estado.
Primeira apresentação da orquestra fora do Assentamento Eli Vive, em Londrina. Foto: Abimael de Jesus
Na noite deste sábado (14), convidado por integrantes da Orquestra Sinfônica do Paraná, o grupo de crianças fará uma ocupação artística no Teatro Guaíra, no centro de Curitiba. A ocupação será histórica: sendo realizada 40 anos depois de, no mesmo espaço, ter sido realizado o primeiro Congresso Nacional do MST, tido como uma das atividades fundadoras do Movimento.
*Editado por Solange Engelmann