Denúncia

Agronegócio amplia violência contra quilombolas no Maranhão para plantar soja

Foto: Reprodução/Brasil Popular

Por Henrique Teixeira
Do Brasil Popular

O Brasil é o maior produtor de soja no mundo. Não há toa vários estados brasileiros têm esse meio de cultura como o principal produto agrícola. É o caso do Maranhão, que tem uma produção em valores financeiros quase três vezes superior ao milho em grãos, segundo item manufaturado mais vendido pelo estado, de acordo com o IBGE.

Enquanto a produção de milho em grãos alcançou a marca de R$ 2,08 milhões em 2023, a soja gerou valores da ordem de R$ 7,89 milhões. É nesse contexto que o agronegócio vem se expandindo no Maranhão e pressionando áreas de quilombos no estado.

Em 2023, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) fez um levantamento em todo o País e apontou o Maranhão como o estado com o maior número de conflitos agrários, afetando cerca de 4 mil quilombolas. Foram registrados naquele ano, no estado, 626 casos de violência na disputa pela terra. O número é três vezes maior do que o da Bahia, segundo estado mais violento, com 206 casos. Hoje, infelizmente, a realidade continua praticamente inalterada.

Conflitos

Apenas no município de São Benedito, no Maranhão, que tem cerca de 119 povoados, 73 deles têm conflitos agrários. Entre os tipos praticados de violência durante as disputas por terra estão assassinatos, agressões físicas e ameaças de morte.

Uma fiscal da Associação do Quilombo Cancela, que conversou com o Jornal Brasil Popular e preferiu não se identificar por conta das ameaças de morte, disse que as intimidações são frequentes e que 37 famílias estão nessas condições.

Segundo a fiscal, em uma das incursões de jagunços, foi ameaçada sob alegação de que estaria incentivando os quilombolas a buscarem os seus direitos. “Você é nosso alvo número um”, disse o fazendeiro Aldo José, que diz que é herdeiro das terras e que está impedindo os quilombolas até mesmo de pegar madeira para cozinhar.

A vice-presidente da Associação Guarimã, Joelma Tavares, denuncia que os produtores rurais estão invadindo terras de quilombos e destruindo a vegetação para plantar soja. “As pessoas que se acham donas da terra, mas não são, estão ameaçando os verdadeiros donos e destruindo tudo”, aponta. “Todos os quilombos recebem ameaças”, alerta Joelma. Inclusive, o atual presidente da Associação vive sob proteção, porque foi jurado de morte duas vezes.

Segundo Joelma, os fazendeiros chegam, dizem que são donos das terras e destroem tudo. Nascentes, vegetação, cemitérios. Ela conta que há 12 tratores destruindo tudo. “A nossa vida tem sido assim, recebendo ameaças o tempo inteiro. São muitos anos de lutas. É muito sofrimento, muita tristeza”, desabafa.

A Associação Guarimã, que representa outras 78 comunidades, vivencia conflitos agrários há 12 anos. O presidente da Associação, Maelson Bezerra, detalhou algumas das ações criminosas de alguns fazendeiros da região.

“Nesse tempo já queimaram casas e fizeram tentativas de homicídio, por isso estou em proteção. Dentro dessas comunidades, o nível de atuação desses grileiros e fazendeiros irresponsáveis é gritante. Tem região que já perdeu toda a sua vegetação nativa. Tem comunidades que foram expulsas na sua totalidade. É uma situação revoltante”, disse.

De acordo com Bezerra, o governo estadual é o principal estimulador desses conflitos na região, porque é quem libera as licenças sem a consulta prévia, livre e informada para derrubar milhares de palmeiras babaçu.

O deputado federal Rubens Júnior (PT-MA) destacou que as ações criminosas contra comunidades quilombolas no Maranhão representam uma grave violação dos direitos humanos, ambientais e culturais desses povos.

“É inaceitável que, em pleno século XXI, as comunidades tradicionais continuem sofrendo ameaças, perda de patrimônio e ataques violentos que, acima de tudo, querem apagar suas histórias e modos de vida. Vamos cobrar das autoridades uma investigação célere para que os culpados sejam responsabilizados”, aponta Júnior.

Preocupação governo federal

A Diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Claudia Maria Dadico, afirma que o governo federal vem acompanhando com preocupação o aumento da violência contra as comunidades quilombolas e tradicionais do Maranhão.

“A partir dessas missões foram realizadas articulações com as autoridades estaduais da segurança pública e ações interministeriais a fim de acelerar os processos de regularização fundiária, combater o desmatamento e levar políticas públicas que fortaleçam a proteção territorial das comunidades”, explica Dadico.

Governo estadual

Procurado, o governo do Maranhão informou, por meio da sua assessoria, que executa políticas públicas efetivas, como o programa Paz no Campo, e adota uma série de ações com foco na mediação, prevenção e resolução de conflitos no campo.

O governo maranhense informou ainda que emitiu decretos que estabelecem portarias para certificação de comunidades e limites em licenciamentos ambientais nesses territórios. Também destacou que criou a secretaria adjunta de Povos e Comunidades Tradicionais, que já incluiu mais de 1.300 comunidades no Cadastro Estadual deste tipo de comunidade tradicional e que, em 2024, foram reconhecidos nove territórios quilombolas no Maranhão.

De acordo com a assessoria do governo do Maranhão, os casos de violência contra as comunidades quilombolas são acompanhados por comissões coordenadas pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), por meio da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (Coecv). Também recebe denúncias de violações pela Ouvidoria dos Direitos Humanos no número (98) 99104-4558.

Já a Secretaria de Igualdade Racial do estado informou que não tem poder de polícia, mas que desenvolve ações e parcerias com outras secretarias na construção de uma legislação protetiva e de garantia dos direitos dos territórios quilombolas.

O Jornal Brasil Popular também tentou contato com a Delegacia de Crimes Raciais, Delitos de Intolerância Religiosa e Conflitos Agrários (Decradi) e com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno.