Pautas Urgentes

Movimentos populares organizam plebiscito sobre escala 6×1 e taxação dos ricos

Consulta popular, idealizada pelas frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, deve acontecer em setembro
Rud Rafael, do MTST, destaca a relevância dos temas: “É necessário debater a isenção do povo trabalhador”. Foto: Yuri Gringo/Comunicação MST

Por Carolina Bataier
Do Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Nesta terça-feira (4), representantes das frentes Brasil Popular e Povo sem Medo realizaram uma reunião para debater a organização de um plebiscito sobre a taxação dos super-ricos e a redução da jornada de trabalho para acabar com a escala 6×1. A proposta é que a consulta popular seja feita no mês de setembro deste ano.  

“Diz respeito à qualidade de vida do trabalhador”, destaca Manuela Mirella, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), sobre a relevância dos temas.  

Mirella destaca os danos da escala de trabalho 6×1 na rotina dos estudantes, já que cerca de 80% dos universitários estuda em entidades privadas. “E o perfil dessas universidades é de jovens, estudantes, trabalhadores. Então, é uma grande parcela dessa base que é refém da escala 6×1.”

A proposta de redução das jornadas de trabalho e fim da escala 6×1 é capitaneada pela deputada Erika Hilton (Psol-SP) e partiu do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), iniciado pelo vereador eleito do Rio de Janeiro (RJ) Ricardo Azevedo. 

“É necessário debater a isenção do povo trabalhador, das famílias que estão trabalhando e a taxação dos mais ricos, para que os bilionários que acumulam riqueza e terra nesse país paguem mais”, diz Rud Rafael, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).  

Atualmente, há 240 brasileiros bilionários, de acordo com lista da Forbes. Eles seriam os principais impactados pela taxação, cuja proposta permite ampliar os impostos sobre os bens dessa pequena parcela da população e direcionar os ganhos para ações de combate a pobreza.  

“Do ponto de vista político e do ponto de vista tático, é bem verdade que o principal tema que está na agenda é a desoneração dos pobres, de você diminuir o imposto de renda. Isso dialoga muito com as classes trabalhadoras”, afirmou João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

“É fundamental que a gente amplie essa discussão, aprofunde essa discussão junto ao povo para que a gente possa avançar nas nossas conquistas no Brasil”, afirma Simone Nascimento, do Movimento Negro Unificado (MNU).  

Como próximas ações, as frentes Brasil Popular e Povo sem Medo irão elaborar as questões a serem apresentadas no plebiscito e definir a data da realização da consulta popular. “É muito difícil deixar um debate desse para o ano que vem, porque o ano que vem, todos nós vamos só estar em eleições”, pontuou João Paulo.

Debates devem incluir crise climática 

Na reunião, Rodrigues destacou a urgência de inserir no debate pautas relacionadas à crise climática, sugerindo para o plebiscito a inserção de uma pergunta sobre o tema.  

“Nós não teremos outra oportunidade melhor do que essa, em função da COP do Brasil. (…) Em especial, nos grandes temas de destruição ambiental, que ora é o desmatamento, ora são os agrotóxicos, ora o latifúndio”, diz.  

A sugestão ficou em aberto e será debatida nos próximos encontros. Mas mesmo que assuntos relacionados à crise climática fiquem de fora do plebiscito, essa é uma pauta inevitável e que deve ganhar força nos eventos e debates dos movimentos populares, como aponta Rafale.  

“No contexto de um ano que vai ter a COP30, que vai estar debatendo essa agenda ambiental, acho que esse é o desafio, que a gente incorpore na nossa prática política, a dimensão ambiental, o enfrentamento das mudanças climáticas como uma questão central”, avalia. “Para nós, do MTST, tem sido fundamental popularizar esse debate e trazer para o urbano. Nem todo mundo na cidade sofre da mesma forma o impacto dessas mudanças climáticas. São as periferias, quem precisa do transporte público, quem não tem saneamento em casa, que são as principais vítimas.”

Outros plebiscitos

As consultas populares são um mecanismo utilizado há décadas pelos movimentos populares brasileiros para mobilizar a população e fortalecer as bases.

O primeiro plebiscito popular foi realizado em 2000, e ouviu a população sobre a dívida externa. A consulta teve mais de 5 milhões de votantes, o que representa 5,38% dos eleitores oficiais da época, dos quais mais de 90% se posicionaram contra o pagamento das dívidas do país.

Em 2002, os movimentos usaram a mesma metodologia para discutir a rejeição à Área de Livre das Américas (Alca), com o recorde de mais de 10 milhões de votantes. Cerca de 60 entidades, entre elas o MST, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a UNE, participaram da organização da consulta, que resultou em 98% dos votantes rejeitando a entrada do Brasil na área de livre comércio defendida pelos EUA.

Em 2014, após as Jornadas de Junho do ano anterior, os movimentos realizaram um plebiscito sobre a proposta de convocação de uma Constituinte Exclusiva para discutir a reforma política. O resultado da votação indicou que mais de 7 milhões de brasileiros apoiavam a proposta.

No âmbito estadual, os movimentos realizaram dois plebiscitos nos últimos anos. Em novembro de 2023, a população do estado de São Paulo votou sobre a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e do sistema de transporte público sobre trilhos da capital do estado. A consulta popular, organizada por sindicatos e movimentos, terminou com 97% dos votos contra a entrega dos trens de passageiros, do metrô e da Sabesp.

Em 2024, a população de Minas Gerais votou contra privatização de estatais. Mais de 300 mil mineiros participaram da votação. Desses, 95% acreditam que Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig), Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) devem continuar públicas.

“O plebiscito tem como principal trunfo o processo, né? A gente abrir a possibilidade de fazer o debate ideológico com a sociedade hoje, o debate de valores, em uma sociedade tão desigual como a sociedade brasileira”, avalia Rafale.

Edição: Martina Medina/BDF