Celebração

Festa pela conquista de assentamento do MST em Cascavel (PR) cobra avanços na Reforma Agrária

Entre os participantes estavam João Pedro Stédile, Gleisi Hoffmann, representantes do governo federal, estadual e de municípios da região
Marcha marcou a abertura da festa e relembrou vigília para resistir a ameaça de despejos. Foto: Leandro Taques

Por Ednubia Ghisi
Da Página do MST

Mais de mil pessoas participaram da festa pela conquista do assentamento Resistência Camponesa, em Cascavel, oeste do Paraná, neste sábado (08). A celebração reuniu aliados e amigos do governo federal, estadual e de municípios da região, dos poderes Executivo e Legislativo, além de lideranças religiosas. Churrasco e almoço foram partilhados gratuitamente com o público, feira e baile garantiram os festejos pelo assentamento de 71 famílias. 

A comemoração chegou 26 anos depois que os primeiros barracos foram erguidos no local. A simbologia ficou maior por se tratar da mesma cidade em que o MST realizou seu encontro de fundação, há 41 anos. “Essa luta é uma conquista, da ajuda dos companheiros que se somaram, do nosso Movimento sempre ativo nas orientações pra que a gente pudesse chegar nessa conquista”, afirmou Serlei da Silva Lima, produtora de alimentos agroecológicos uma das coordenadoras da comunidade.

O Armazém do Campo de Cascavel expõe produtos da Reforma Agrária durante a festa. Foto: Isabela Molin
O agradecimento e a alegria das famílias assentadas ganhou forma com um churrasco e almoço camponês, tudo partilhado gratuitamente para o público. Foto: Thiales França

Somado à valorização da conquista do novo assentamento, falas de dirigentes do Movimento cobraram maior rapidez do governo federal em efetivar a Reforma Agrária, para assentar mais de 60 mil famílias acampadas em todo o Brasil, 7 mil somente do Paraná. 

“Não temos mais tempo pra esperar, tem áreas de 20, 30, 40 anos de ocupação. É hora da gente regularizar”, disse José Damasceno, da direção do MST, assentado no norte do estado. “Nossas conquistas têm nome e sobrenome: fruto de uma luta popular do povo, companheiros das organizações populares, sindicais, igrejas progressistas. Tudo isso é cravado pela resistência popular”, enfatizou o dirigente.  

Integrante da coordenação nacional do MST, João Pedro Stedile também esteve na atividade e reforçou a urgência da ação do governo para a obtenção de terras e concretização dos novos assentamentos. Diante da profunda crise ambiental em curso mundialmente, Stedile vê o modelo do agronegócio próximo a ficar inviável. “Mudou a luta de classes. Não estamos mais disputando hectares com a burguesia, e sim disputando o futuro da sociedade. A meta fundamental da nossa luta é produzir alimentos, plantar árvores e defender a natureza”. 

Gleisi Hoffmann, presidenta do Partido dos Trabalhadores e deputada federal, reforçou a necessidade de haver prioridade no orçamento público para Reforma Agrária e Agricultura Familiar. “Isso é produção de alimentos, isso é dinheiro circulando. Mais do que a justiça, direito pela terra é também circulação do dinheiro. Precisamos voltar o crédito pro feijão, arroz, comida, não só soja”.

Foto: Leandro Taques
Foto: Thiarles França

O prefeito de Cascavel, Renato Silva, também participou do ato e almoçou com a comunidade. Ele garantiu a cooperação com o assentamento e a Reforma Agrária: “Contem com a gente, precisamos continuar lutando pelo bem comum […]. Temos muito que avançar ainda, precisamos ajudar as pessoas que mais precisam”.

Stedile frisou a trajetória de luta do povo do campo no Paraná, de indígenas, posseiros, caboclos e Sem Terra. “Esse território do Paraná traz a herança de uma história de povo guerreiro, que começou lá com os Guarani, passando por diversas outras lutas”. Como tarefa para o Movimento e para as organizações populares do estado, Stédile enfatizou a urgência do apoio popular aos Avá-guarani de Guaíra (PR), que têm sofrido violência constante por fazendeiros da região. A festa foi um ponto de arrecadação de alimentos para a população indígena vítima do conflito. 

Entre os presentes estavam Rose Rodrigues, do Incra Nacional; Gessica Leite, assessora de participação social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); João Pedro Stedile, da direção nacional do MST; Roland Rutina, Superintendente Geral de Diálogo e Interação Social (Sudis) do governo do Paraná; presidenta nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann; Darci Frigo, da coordenação da Terra de Direitos; Hamilton Serighelli, Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Paraná (Copedh); deputados federais Elton Valter e Zeca Dirceu; os deputados estaduais Luciana Raffagnin e professor Lemos, ambos do PT. Os prefeitos Renato Silva, de Cascavel; e Vitor Antônio, de Diamante do Oeste; Luiz Carlos Gabas, reverendo da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil; além de outras lideranças religiosas e vereadores de diversos municípios.

Comunidade consolidada

Ao longo de 26 anos de existência do acampamento, a organização coletiva garantiu a melhora das condições de vida das famílias e a estruturação da comunidade. 

Os camponeses/as construíram um barracão comunitário, igrejas e campo de futebol. Outra conquista é a ampla produção de alimentos, em grande parte, livres de veneno, além da implantação de uma agrofloresta e o plantio de árvores em todo o espaço comum do assentamento. As famílias também conquistaram uma agroindústria para comercialização da produção de mandioca, destinada às escolas públicas por meio do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE). 

Barracão da comunidade com o ato festivo. Fotos: Thiarles França

A festa deste sábado também expressou a grande participação das famílias. O ato político com as autoridades estreou um novo barracão de madeira no centro da comunidade, construído em mutirão especialmente para o evento. 

No fundo do palco, um mural produzido pelo artista Sem Terra Acir Batista, assentado na região, trouxe cores e simbologias da luta, com povo, alimentos e o nome do assentamento. Entre a parede de madeira e o mural, um painel de taquara entrelaçada mostrou a marca da cultura indígena e cabocla naquele território. 

Marcha da conquista

Os 26 anos de luta pela conquista do assentamento deixou grandes marcas, entre elas a organização da Vigília Resistência Camponesa: Por Terra, Vida e Dignidade, uma forma de luta inédita nas comunidades do MST até aquele momento. A ação ocorreu às margens da Rodovia BR 277, próximo à comunidade. 

A mobilização foi em reação a uma ordem de reintegração de posse, autorizada pelo governo Ratinho Junior, que ameaçou despejar 212 famílias de três acampamentos – estavam em risco as comunidades Dorcelina Folador, 1º de Agosto, além da Resistência Camponesa. Ao todo, eram cerca de 800 pessoas, sendo 250 crianças e 80 idosos. 

Marcha realizada no primeiro dia da Vigília Resistência Camponesa, em 27 de dezembro de 2019. Durante 83 dias, as famílias caminharam da comunidade até às marchas da 277 pra protestar contra o despejo. Foto: Diangela Menegazzi

Foram 83 dias de vigília, iniciada no dia 27 de dezembro de 2019 até março de 2020, quando precisou ser interrompida pela pandemia de Covid-19. Durante a pandemia, as famílias acampadas se somaram às ações de solidariedade do MST que doaram alimentos para a população urbana, que enfrentava a fome naquele período de crise sanitária. 

Foto: Thiales França
Marcha realizada na abertura da festa da conquista do assentamento. Foto: Leandro Taques

Para relembrar este período recente e decisivo de resistência, a comunidade iniciou a celebração do assentamento no mesmo local dos 83 dias de vigília. Após uma mística em que recuperaram a memória da vigília, o público foi convidado a participar de uma marcha até o centro da comunidade, onde a festa continuou. Em quase um quilômetro de caminhada, bandeiras hasteadas, foices, canções e gritos de ordem fizeram reviver a força necessária daqueles dias de ameaças de despejo. 

Antes do início da caminhada, o camponês agroecológico Adair Gonçalves, integrante da coordenação da comunidade, falou sobre a simbologia daquele pedaço de terra à beira da rodovia. “Esse espaço significa o lugar da resistência. Por isso o primeiro momento tinha que ser nesse lugar, é simbólico. O Movimento nos ensina a lutar. As famílias escolhem lutar, pela vida, pela terra e pela dignidade […]. Aqui é um espaço que nos lembra da certeza de que quando a gente luta, dá certo”, garantiu, em frente à placa fixada no local, com a pintura da inscrição Assentamento Resistência Camponesa, a bandeira do MST e a frase do Papa Francisco: “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês Sem Terra, nenhum trabalhador sem direitos”. 

Local de início da festa, que marca a Vigília Resistência Camponesa. Foto: Isabela Molin

*Editado por Solange Engelmann