Reforma Agrária Popular
MST é o movimento com maior atuação no espaço agrário em 2024
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Por Wuelliton Felipe Peres Lima e Joana Tereza de Vaz Moura
Da Página do MST
No ano de 2024 observamos diversos acontecimentos marcantes e emblemáticos no contexto do espaço agrário brasileiro. Particularmente, notou-se avanços e retrocessos em diversas frentes de atuação e mobilização dos movimentos e comunidades rurais na reivindicação de seus direitos, proposições de políticas públicas e enfrentamento ao agronegócio. Além disso, 2024 também evidenciou a vulnerabilidade dos territórios agrários às mudanças climáticas, trazendo à tona a discussão do enfrentamento e adaptação de suas áreas à crise climática cada dia mais nítida, impactando de maneira desigual os sujeitos no campo, cidades, florestas e águas, sobretudo pela ausência de políticas públicas a nível federal, estadual e dos municípios que tratem dessa nova realidade.
Um dos marcos mais importantes de 2024 foi a demonstração de força e resistência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), comemorando seus 40 anos de luta pelos territórios do campo, como suas áreas acampamentos e assentamentos em todo o Brasil. A partir do levantamento e sistematização realizado por pesquisadores e pesquisadoras do Banco de Dados das Lutas por Espaços e Territórios (DATALUTA), na categoria Movimentos Socioespaciais e Socioterritoriais Agrários (DATALUTA Agrário), observamos a centralidade da atuação do MST em 2024, com um total de 265 ações identificadas. Essas ações foram realizadas de forma isolada ou em conjunto com outros movimentos, organizações ou instituições, como por exemplo, o Levante Popular da Juventude e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), evidenciando a capacidade de articulação e mobilização do Movimento.
A distribuição espacial em escala regional das ações manteve uma tendência com os anos anteriores, na qual o Nordeste concentrou a maior parte, somando 81 ações (30,6%), seguido do Sudeste com 70 (26,4%), Sul com 56 (21,1%), Centro-oeste com 41 (15,5%) e, por fim, o Norte com 17 (6,4%) ações. No Nordeste, observamos a predominância das ações do Movimento em algumas capitais estaduais, como Salvador (BA), Maceió (AL) e Fortaleza (CE). Particularmente, destacamos as ações realizadas no município Riacho de Santo Antônio, no interior da Paraíba, no acampamento Canudos. Essa área está ocupada desde dezembro de 2015, servindo de moradia para 56 famílias, produzindo alimentos saudáveis e, também, sofrendo inúmeros ataques, como queimadas, ameaças e destruição de patrimônios. Mesmo sob ataque e recorrentes tentativas de despejo, às famílias seguem organizadas, resistindo, denunciando via ações comunicativas e lutando pelo acesso à terra.
Na região Sudeste, temos os destaques para os municípios de São Paulo (SP), Lagoa Santa (MG), São Mateus (ES) e Campos dos Goytacazes (RJ). Nesta região, temos que as ações realizadas no município de Mirante do Paranapanema, na região do Pontal do Paranapanema, extremo oeste de São Paulo, assumem um conteúdo simbólico muito singular. Em março de 2024, o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas avança com a mudança de nome de uma dos assentamentos em Mirante, o Che Guevara, para Irmã Dulce. Como reação à decisão do governador, houve uma ampla mobilização das famílias e lideranças regionais, contestando os interesses com essa mudança e expressando a desaprovação dos assentados. E, ainda em Mirante, houve novamente a ocupação Fazenda Santa Rosa, com a reivindicação de reforma agrária. Essa ocupação resultou no uso da Polícia Militar, Tropa de Choque, Batalhão de Cavalaria por parte do governo para ameaçar as famílias ocupantes, que denunciaram tal fato desproporção e intimidação via ações comunicativas, como notas de denúncia e vídeos em redes sociais do Movimento .
Já na região Sul, não há como não mencionar o impacto da crise climática no Rio Grande do Sul, com este estado ocupando 67,9% dos dados relativos à região, em seguida temos os 32,1% do Paraná; não há informação sobre as ações em Santa Catarina. Os municípios que mais se destacam no Sul são todos do Rio Grande do Sul, como Porto Alegre, Eldorado do Sul, Nova Santa Rita, Viamão e Pedras Altas. Ainda em março de 2024, o MST organizou, em Nova Santa Rita, o 1° Seminário Nacional sobre as Mudanças Climáticas e os Impactos na Produção de Alimentos, com participação de mais de 600 pessoas e representantes do poder executivo municipal, estadual e federal. Em abril e março o estado sofreu os efeitos do alto volume e intensidade de chuvas concentradas, fenômeno ocasionado em partes pelo El Niño e potencializado pelas mudanças climáticas.
As enchentes atingiram não somente as benfeitorias e maquinários das propriedades, mas diversas culturas agrícolas, prejudicando não apenas a segurança alimentar das famílias diretamente atingidas, mas de toda a população. Um dos destaques é o impacto na produção de arroz agroecológico do MST, com alguns dos integrantes afirmando que perdeu 13 mil sacas de arroz e R$ 1,5 milhões em colheitas (disponível aqui) Mesmo com todos esses efeitos, os territórios do MST estão se recuperando, com a ajuda dos demais territórios de outros estados, brigadas e apoio da sociedade. Além disso, uma pesquisa inédita da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) analisou amostras do solo do local e atestou que a qualidade do solo se manteve quase inalterada nos territórios do MST em Eldorado do Sul, devido às práticas agroecológicas adotadas pelas famílias, como cobertura de solo com biomassa seca e verde, rotação de culturas e cultivos consorciados.
Na região Centro-oeste temos os grandes destaques para os municípios de Brasília (DF) e Hidrolândia (GO), com exemplos marcantes da atuação do MST em 2024. No caso de Brasília, há toda a centralidade da capital nacional e da concentração na cidade do Palácio do Planalto, Congresso Nacional, a Praça dos Três Poderes com o Supremo Tribunal Federal (STF) e as demais sedes institucionais de Ministérios e outras instituições. A cidade de Brasília é estratégica na mobilização dos movimentos, como evidencia o MST, com atos e manifestações de reivindicações e reuniões de negociação e proposição de políticas. Já em Hidrolândia, no acampamento Dona Neura, o MST tem resistido contra o avanço do agronegócio, figurando como prefeito do município, que tem atuado em tentativas diretas de desterritorialização das famílias acampadas, como a negação do acesso a água, ao sistema de saúde público e o acesso à educação básica.
Por fim, na região Norte, temos o destaque para os municípios de Canaã dos Carajás (PA), Eldorado do Carajás (PA), Marabá (PA) e Porto Nacional (TO). Em Marabá, temos o exemplo dos resultados da reforma agrária, evidenciando a transformação de um antigo latifúndio escravagista em um sistema de agrofloresta produtivo, promovendo recuperação ambiental, geração de renda e garantia de segurança alimentar para as 206 famílias do assentamento 26 de Março, sendo amplamente divulgada pela base do Movimento via ações comunicativas nas redes. Já no estado do Tocantins, temos a materialização da violência
policial contra as famílias e militantes do MST que ocuparam a Fazenda Carmo, em Porto Nacional. Um dos ocupantes foi torturado pela polícia sendo colocado no porta-malas de uma viatura descaracterizada e agredido com spray de pimenta, causando sufocamento.
Em síntese, temos que as ações comunicativas foram as principais estratégias utilizadas pelo Movimento para publicizar suas demandas, denunciar violências sofridas e dialogar com a sociedade. O MST lançou mão, em 2024, de diversas notas de denúncia, registrando o sofrimento do campesinato nos territórios rurais. Diversos ataques aconteceram no período analisado, sinalizando que a luta pela terra continua sendo um desafio para governos e sociedade. Além dessas notas, representantes do MST também concederam entrevistas, muitas delas criticando a atuação do Governo Federal com relação à pauta da reforma agrária. As ocupações de terra também foram importantes, em sua maioria buscando reivindicar territórios improdutivos pertencentes a grandes latifundiários para a produção de alimentos, potencializando o debate da necessidade da reforma agrária popular.
Estes são apenas exemplos representativos dos dados levantados e sistematizados da pesquisa no DATALUTA Agrário, conferindo uma amostra da realidade estudada, ou seja, da ação dos movimentos socioterritoriais agrários, na qual o MST se destaca por sua atuação e mobilização. A cada ano o Movimento tem se demonstrado fundamental no enfrentamento à lógica do agronegócio tanto no âmbito ideológico-político quanto material, com a ocupação de terras e com a construção de experiências de transições agroecológicas e de agroflorestas, demarcando seu paradigma e a bandeira do seu projeto de Reforma Agrária Popular. Enfim, finalizamos este artigo com o reconhecimento recebido pelo companheiro João Pedro Stédile na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, demonstrando a importância do MST na luta pela terra no estado e nacionalmente.
* O DATALUTA Agrário é formado atualmente por uma equipe de pesquisadores e pesquisadoras vinculados às seguintes universidade/instituições e respectivos grupos de pesquisa:
Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA, Campus de Presidente Prudente-SP) e Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias e Ambientais (CPEA, Campus de Marília-SP);
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Laboratório de Estudos Rurais (LABRURAL);
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) – Laboratório de Geografia das Lutas no Campo e na Cidade (GEOLUTAS);
Universidade Federal de Sergipe (UFS) – Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos (LABRUR);
Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino em Geografia (LEPENG);
Universidade de Brasília (UnB) – Grupo de Estudos de Ações Coletivas, Conflitualidades e Territórios (GEACT)
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – Grupo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Geografia, Educação do Campo e Questão Agrária (GEOEDUQA);
Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) – Grupo de Estudos Regionais Socioespaciais (GERES);
Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA)