Artigo

O Abril Inconstitucional de Santa Catarina

Confira artigo sobre o "Abril Amarelo", proposta do agronegócio e do latifúndio

ARTIGO

Foto: @Camillashaw

Por Padre Pedro Baldissera*
Da Página do MST

A lei catarinense 19.226, de 15 de janeiro de 2025, instituiu o Abril Amarelo, mês dedicado a “ações de conscientização sobre a importância da defesa da propriedade privada”. Infelizmente essa lei, aprovada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina e sancionada pelo Executivo, vulgariza a ideia que atribui sentido às campanhas relacionadas à saúde que já conhecemos e que denominam cores para cada mês do ano.

Temos, por exemplo, o Janeiro Branco (saúde mental); Fevereiro Roxo (alzheimer), Março Lilás (câncer do colo do útero), Abril Azul (autismo), Agosto Lilás (proteção à mulher), Setembro Amarelo (combate ao suicídio), Outubro Rosa (câncer de mama), Novembro Azul (câncer de próstata).

O Abril Amarelo da lei catarinense não só deixa de tratar da saúde como acaba promovendo doença social e causando violência, ódio e ganância. O Abril Amarelo também coincide com a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, popularmente conhecida como Abril Vermelho, mês em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza ações relacionadas à luta pela reforma agrária. Trata-se, portanto, lamentavelmente, de um incentivo à criação de milícias e entidades paramilitares, o que obviamente terá como resultado o aumento da violência no campo.

A lei do Abril Amarelo contaminou a legislação com ideologia e preconceito, tendo como objetivo criminalizar o MST. Seu propósito, como consta no texto, é promover campanhas de conscientização quanto à comunicação à polícia no caso de invasão de propriedades privadas.

Isso é desnecessário! Já existe farta legislação protetora da propriedade privada. Basta ver nosso Código Civil e o conjunto de ações de reintegrações firmadas pelo Judiciário. Também consta na lei “conscientizar” a população sobre a “importância da união de proprietários de terra, produtores vizinhos, amigos e família para montar acampamento permanente para evitar a invasão”.

Isso significa, sem meias palavras, o incentivo à criação de milícias e organizações paramilitares, a promoção deliberada da violência no campo. Por isso este artigo da lei é totalmente inconstitucional.

Sou a favor da propriedade privada no campo e na cidade. O MST, por exemplo, reivindica, desde sua formação, o direito à propriedade mediante a aquisição legal dos títulos da reforma agrária, que têm força de escritura pública e conferem toda segurança jurídica necessária às famílias para as atividades produtivas no imóvel. Ao mesmo tempo, a União preserva os princípios da reforma agrária, evitando que os lotes sejam objeto de negociatas e da especulação imobiliária.

Os assentamentos da Reforma Agrária em Santa Catarina, assim como em todo o país, são constituídos a partir de um processo legal em propriedades que não cumprem sua função social. Nunca houve apropriação ilegal.

Protocolei neste mês projeto de lei que prevê a instituição do “Dia Estadual em Defesa da Função Social da Terra”, a ser celebrado anualmente no dia 5 de outubro, reafirmando o compromisso de Santa Catarina com a justiça agrária e o desenvolvimento sustentável. Esta é a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, que reforçou esse entendimento ao consagrar, em seu artigo 186, a necessidade de que toda propriedade rural cumpra função social, estabelecendo critérios claros para isso.

A função social da propriedade da terra é um marco na história fundiária brasileira, consolidada como princípio constitucional, dando continuidade aos fundamentos estabelecidos no Estatuto da Terra de 1964.

Somos a favor da paz no campo, com justiça social e legalidade. Queremos sim a propriedade da terra, também para aqueles que precisam desenvolver a agricultura familiar, garantindo a sustentação de suas vidas e o fornecimento de alimentos saudáveis na mesa de cada catarinense, sejam ricos ou pobres.

*Padre Pedro Baldissera é deputado estadual pelo PT e segundo vice-presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina

**Editado por Fernanda Alcântara