Direitos Humanos

Brasil é condenado na Corte Interamericana por assassinato do Sem Terra Manoel Luiz da Silva

Com a decisão, espera-se que o governo tome medidas concretas pela reparação da família enlutada e medidas para evitar a repetição de casos semelhantes
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Da Página do MST

Nesta terça-feira (18), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Estado brasileiro pelo assassinato do trabalhador rural sem-terra Manoel Luiz da Silva, ocorrido em 19 de maio de 1997, no município de São Miguel de Taipu, na Paraíba. A decisão reforça a necessidade de medidas efetivas contra a violência no campo e de proteção aos direitos humanos dos trabalhadores rurais.

A sentença anunciada hoje foi antecedida por uma audiência perante a Corte IDH, ocorrida em 8 de fevereiro de 2024, em San José, na Costa Rica. O caso foi apresentado pela  Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Dignitatis após anos de impunidade e negligência estatal na apuração do crime. As organizações peticionárias denunciaram o Brasil pela violação dos direitos às garantias judiciais, à proteção judicial e à integridade moral e psíquica dos familiares da vítima.

“Hoje eu estou com sentimento de justiça, apesar dos quase 28 anos da passagem do assassinato de Manoel Luiz. Uma vez que a justiça no Brasil absolveu os acusados, essa iniciativa da Justiça Global com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Dignitatis de levar à Corte Interamericana de Direitos Humanos para julgar o país, dá uma sensação de que, mesmo tarde, a justiça tá acontecendo.” afirmou Tânia Maria, representante da Comissão Pastoral da Terra/Nordeste (CPT-Nordeste). 

Tânia declarou que tal sentença também cria mais expectativa para que no caso de Almir Muniz – que se refere a outro Sem Terra assassinado em processo que também tramita pela CIDH – se tenha um julgamento justo, onde as famílias enlutadas possam obter justiça, mesmo que tardia, e que haja reparação e responsabilização frente a  negação do Estado brasileiro.

Hugo Belarmino, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e advogado da Dignitatis, menciona que a condenação do Estado brasileiro hoje retrata um momento histórico:

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“Então acho que é muito simbólico que poucos dias depois do centenário de Elizabeth Teixeira, que completou 100 anos na semana passada, a gente tenha uma sentença que reconhece a responsabilidade do Estado brasileiro pela ausência de reforma agrária, pela ausência de políticas públicas para populações do campo.” – disse Belarmino.

Depois de quase trinta anos de luta por justiça, ainda vivemos em um país onde são os Sem Terra alvos da violência no campo. “Nesse tempo, pouco se avançou no país para efetivamente sanar a chaga da violência no campo, enfrentar os crimes cometidos pelo latifúndio e garantir justiça a todas as violações perpetradas”, destacou Daniela Fichino, diretora adjunta da Justiça Global. Após a divulgação da sentença, a diretora ainda afirmou que “esta condenação abre mais um precedente internacional para que mudanças estruturais  sejam implementadas.”

A condenação do Brasil pela Corte Interamericana insere-se em um contexto alarmante de violência no campo. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, conflitos por terra aumentaram 16,7% no Brasil em 2022, afetando mais de 180 mil famílias. Em 2023, registraram-se 973 ocorrências no primeiro semestre, evidenciando a crescente tensão fundiária e a falta de respostas efetivas do Estado para conter a violência.

Com esta decisão, espera-se que o governo brasileiro tome medidas concretas para evitar a repetição de casos semelhantes e promova a proteção dos direitos humanos dos trabalhadores rurais, garantindo acesso à terra e justiça para vítimas da violência no campo.

Entenda o caso

Manoel Luiz da Silva, à época com 40 anos, foi assassinado por capangas quando voltava de uma mercearia junto a outros três trabalhadores sem-terra. Eles foram atacados ao passar por uma estrada dentro da Fazenda Engenho Itaipu, que estava em processo de expropriação para reforma agrária. Os agressores atiraram contra os trabalhadores, e Manoel morreu no local. O caso teve uma investigação falha e parcial, com demora na realização de perícia e desconsideração do contexto de violência contra trabalhadores rurais.

Em 2003, os dois acusados foram absolvidos pela Justiça brasileira, e o terceiro suspeito nunca foi localizado. Nenhuma investigação foi conduzida contra o proprietário da fazenda, apesar das ameaças contra trabalhadores rurais na região.

Decisão da Corte Interamericana

A Corte entendeu que o Estado brasileiro falhou em garantir justiça e proteção aos direitos dos familiares da vítima, permitindo a impunidade do crime. A decisão cita a falta de uma resposta efetiva do Estado na investigação, violando também a integridade e o direito à verdade dos familiares de Manoel Luiz.

O Brasil foi condenado a indenizar os familiares de Manoel Luiz, oferecer suporte psicológico adequado e garantir a reparação do caso a partir de um ato público de reconhecimento da responsabilidade do Estado Brasileiro. 

Emblemática, ainda, foi a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos de implementação, no prazo de dois anos, de um sistema regional específico para o Estado da Paraíba para a coleta de dados e estatísticas relativas a casos de violência contra pessoas trabalhadoras rurais.

Segundo a sentença, este sistema requerido pela CIDH tem o objetivo de “avaliar de forma precisa e uniforme o tipo, a prevalência, as tendências e os padrões da referida violência, desagregando os dados por estado, origem étnica, militância, gênero e idade”, especificando a quantidade de casos  “que foram efetivamente judicializados, identificando o número de acusações, condenações e absolvições”. Todas as informações deverão obrigatoriamente ser divulgadas pelo Estado da Paraíba, com amplo acesso à população em geral.