Ameaça de Despejo
Famílias do MST-PR marcham contra despejo em Reserva do Iguaçu e por avanço na Reforma Agrária
Mobilização na véspera do Dia Internacional da Mulher denuncia a ameaça de despejo que pode expulsar 110 famílias de seus lares no centro-sul do Paraná

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Na manhã desta sexta-feira (7), camponesas/es Sem Terra realizaram uma marcha em Reserva do Iguaçu (PR) para denunciar a ameaça de despejo de 110 famílias da comunidade Resistência Camponesa. A mobilização integrou o Encontro Estadual das Mulheres Sem Terra do Paraná, iniciado no dia anterior, com companheiras Sem Terra de diversas regiões do estado.
Cerca de 500 trabalhadoras e trabalhadores rurais marcharam até a Prefeitura Municipal. Lá, o ato político foi acompanhado de um café da manhã farto e diversificado da produção camponesa, com frutas e panificados.
No período da tarde, a mobilização foi em frente ao Fórum da Comarca de Pinhão, onde se reuniram com a juíza titular Natália Calegari Evangelista. O objetivo do dia de mobilização foi sensibilizar autoridades e a população para a gravidade da situação. Estavam presentes no ato o superintendente do Incra-PR, Nilton Guedes, a ouvidora agrária Josiane Grossklaus, e os deputados estaduais Professor Lemos e Luciana Rafagnin (PT).


Foto: Ana Clara Garcia Lazzarin
Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, as camponesas que marcham nesta sexta-feira pedem algo fundamental: o direito à terra e a uma vida digna. Há um ano, exatamente no mês de março do ano passado, foram surpreendidas com o pedido de reintegração de posse.
“Nesse um ano, essas famílias estão em processo de resistência. E hoje é mais um dia, próximo ao Dia das Mulheres, mas também próximo ao dia que está determinada a reintegração, que é o dia 10 de março. Por isso estamos aqui, mobilizadas, em defesa desses territórios, em apoio a essas famílias, para que possam permanecer em seus lares”, garante Bruna Zimpel, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), moradora do acampamento Terra Livre, de Clevelândia.
A área ocupada pelas famílias é uma das mais de 80 comunidades da Reforma Agrária que ainda lutam pelo assentamento no Paraná. Ao todo, são cerca de 7 mil famílias em áreas de ocupação organizadas pelo MST.




Mulheres organizadas e em luta
A mobilização desta sexta-feira fez parte do Encontro Estadual das Mulheres Sem Terra do Paraná, que havia iniciado na quinta-feira, na comunidade Resistência Camponesa. Mulheres vindas de diversos acampamentos e assentamentos do MST, de várias regiões do estado, estiveram reunidas em atividades de formação, oficinas práticas e preparação para a marcha, como explica Mirian Kunrath, integrante da direção do Coletivo de Mulheres do MST-PR:
“Foi um ato de solidariedade, de encontro, de partilha, de afeto e de fortalecimento com as companheiras aqui do acampamento Resistência Camponesa. Também avançamos na formação sobre a questão da crise ambiental e os efeitos do agronegócio para o meio ambiente e a vida das mulheres”.




A atividade integra a Jornada Nacional das Mulheres Sem Terra, que acontece em todo o país. O lema deste ano é: “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o capital.”
Resistência Camponesa
A história do Acampamento Resistência Camponesa demonstra que a organização comunitária e a produção de alimentos podem garantir vida digna para as famílias do campo.
Antes abandonada, a área se transformou com a chegada das famílias há cerca de 20 anos. Hoje, elas possuem moradias estruturadas e lavouras produtivas. A maioria das famílias já contribui significativamente para o comércio local e para a economia do município.


“Agora a gente conseguiu fazer parte de uma feira em frente à prefeitura. É um espaço onde comercializamos parte do que produzimos, como feijão, mandioca, hortaliças, doces e geleias”, conta Regiane Gracieli Valter.
O reconhecimento do direito dessas famílias à terra é um passo fundamental para consolidar um modelo agrário que favorece quem trabalha e produz, e não quem especula e violenta.
Entre as autoridades locais que estão ao lado das famílias camponesas está o prefeito de Reserva do Iguaçu, Vitorio Antunes de Paula. Ele recebeu uma comissão de autoridades e de lideranças locais e estaduais do MST em seu gabinete e tomou café com as famílias em frente à prefeitura.

“Nós que somos moradores natos aqui de Reserva do Iguaçu, a gente sabe a importância de um assentamento. Temos três assentamentos aqui em Reserva do Iguaçu, muito produtivos, e nós lutamos para que essas famílias continuem exatamente no espaço onde estão. É um sonho não somente dos moradores, mas para todos nós reservenses, porque a gente sabe bem da importância da geração de emprego e renda”, garantiu.
Uma luta pela sobrevivência
Para as camponesas, a ameaça de despejo representa um risco direto à sua subsistência. Uma das moradoras do acampamento, que vive na área há 12 anos, relatou sua realidade.


“A gente paga ITR, CCIR [impostos do governo sobre áreas rurais], trabalha na lavoura, cria animais e preserva a mata. E eu dou conta de tudo sozinha. Esse ano colhi 60 sacas de milho, dez sacas de feijão e produzo queijo todo dia para vender. A gente só tem o nosso cantinho, a nossa casa pra viver. E a gente não se vê perdendo tudo isso e ir pra cidade tendo que viver de aluguel”, Isa Pavan Dalló, 55 anos.
>> Confira o depoimento aqui: https://www.youtube.com/shorts/rJYU9VSFQi4
Violência e ameaças
Desde o ano passado, as famílias relatam sofrer constantes ataques e intimidações pela parte que diz ser dona da área, às margens da PR-459, no município de Reserva do Iguaçu. Em agosto de 2023, homens armados invadiram a comunidade durante a madrugada, ateando fogo em casas. Meses antes, um casal de idosos já havia perdido sua residência em um incêndio criminoso.
“Tiraram nosso direito de plantar, tiraram nosso direito de viver, porque nós estávamos na nossa vida tranquila, na nossa vida em paz, criando nossos filhos, vivendo normal e hoje nós estamos aqui embaixo de um barraco de lona. Nosso sítio tá lá, todo cheio de mato, porque nós não podemos mais plantar, então eu quero justiça, eu tô clamando aqui não só por mim, eu tô implorando, pedindo por justiça, não só por mim, mas para todas as 110 famílias que acampadas hoje aqui no Acampamento Resistência Camponesa. Que a justiça que ouça o nosso grito de dor, nosso grito de guerra que nós precisamos de ajuda”, implora a agricultora familiar Loreni de Fátima dos Santos.


Foto: Ana Clara Garcia Lazzarin
A atuação de milícias privadas tem ocorrido com a conivência do poder público e da polícia, que chegou a realizar operações acompanhada do suposto proprietário da terra, mesmo ele não sendo o autor oficial da ação de reintegração de posse. A legalidade da posse das terras é questionável, já que o suposto dono não possui registro da propriedade em seu nome.
Situação judicial
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Paraná (Incra-PR) demonstrou interesse em adquirir a área para o assentamento das famílias. O processo de desapropriação por interesse social, baseado na Lei 4.132/62, encontra-se suspenso por decisão judicial, mas ainda cabe recurso.
Nilton Bezerra Guedes, superintendente do Incra-PR, esteve nas reuniões na prefeitura de Reserva do Iguaçu e no Fórum da comarca de Pinhão, e reafirmou a proposta do órgão para solucionar o conflito: “A gente tem como solução a obtenção da área e a criação de um projeto de assentamento. Ou, no mínimo, que tenha um prazo suficiente para que o Incra abra chamada pública e obtenha uma área no próprio município pra poder estar resolvendo. Nós sabemos que um despejo é a última alternativa”.
Atualmente, a Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Paraná conduz as tratativas para uma resolução negociada.