Reforma Agrária Popular
Assentamento Contestado (PR) completa 26 anos de luta e fortalecimento da agroecologia
O que antes era propriedade improdutiva, agora é moradia para mais de 190 com trabalho cooperado, estudo e cultura

Por Setor de Comunicação e Cultura do MST no PR
Da Página do MST
Um território historicamente marcado por conflitos e exploração que, a partir da ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 1999, recebeu novos significados: vida digna e liberdade. O assentamento Contestado, na Lapa (PR), celebrou 26 anos com arte, cultura e mística revolucionária.
Em fevereiro de 1999, cerca de 50 famílias reivindicavam um direito constitucional: a terra. A área improdutiva pertencia à antiga Fazenda Santa Amélia, remanescente do regime de sesmarias* e, à época, propriedade da indústria de cerâmica Incepa. Além de não cumprir a função social da terra, mantinha uma grande dívida com a União.
“O povo, quando chegou aqui em 1999, sonhou com uma casa, com a água, com a luz, que são coisas tão básicas pra todo ser humano”, afirmou Camila Correia, assentada e dirigente da comunidade, relembrando os avanços na luta por direitos fundamentais. “E imaginar que hoje a gente tem escolas, do ensino infantil até a faculdade”.

Mais de 190 famílias vivem no Contestado com grande produção, variedade e distribuição de alimentos saudáveis. Em 16 de março, o povo Sem Terra organizou uma grande festa popular de aniversário.
As festividades começaram cedo com uma emocionante mística de abertura, expressando a história da comunidade, seguida de um ato político com autoridades e apoiadores da luta. A festa também comemorava uma nova conquista: a inauguração do barracão comunitário, pensado para ser um espaço de reunião e confraternização dos assentados.
Cheia de atividades, a programação tinha opções para todos os gostos, como feira de Culinária da Terra, almoço com churrasco, torneio de futebol, brinquedos infláveis para a criançada e show de prêmios. A festa reuniu cerca de 400 pessoas, entre a comunidade local e convidados externos.






Feira da Reforma Agrária Popular, brincadeiras para as crianças, almoço e futebol animaram o público. Fotos: Ana Clara Lazzarin
Produção agroecológica e distribuição
Criada em 2012, a cooperativa Terra Livre conta com 245 sócios espalhados por 12 municípios do Paraná, além de associados em Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Ela desempenha um papel fundamental na distribuição de alimentos agroecológicos, garantindo o fornecimento semanal de 20 a 26 toneladas de alimentos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), beneficiando diretamente 103 colégios estaduais de Curitiba.





A diversidade de produção abastece escolas e população urbana. Fotos: Paulo Brizola e Leonardo Henrique/ MST no PR
A padaria da cooperativa também produz semanalmente 650 quilos de pães e derivados, destinados a entidades sociais. Ao todo, são 59 produtos alimentícios agroecológicos entregues pela cooperativa, que saem do campo para a cidade.
Educação: do ensino infantil à universidade
Ao longo da história, a comunidade também construiu espaços de educação e formação para jovens e adultos no território, que contempla desde a pré-escola (CMEI) até o ensino superior.
Desde 1999, existe a escola para o letramento das crianças Sem Terrinhas, mas foi em 2011 que o assentamento conquistou o prédio onde a Escola Municipal do Campo Contestado e o Colégio Estadual do Campo Contestado funcionam atualmente. A primeira com 64 e a outra com 55 jovens matriculados.
O Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) chegou em 2024 para atender as crianças menores. Até então, as famílias podiam contar com a Ciranda – espaço organizado pela comunidade para receber as Sem Terrinha enquanto a família trabalha na terra – mas os pais tinham que arcar com os custos de contratação dos educadores.
A partir de 2025, esta e demais responsabilidades de infraestrutura passam a ser da prefeitura. O Centro recebe hoje 21 crianças de forma integral, o que possibilita às famílias trabalharem na produção de alimentos com mais tranquilidade.



O ensino integral também está sendo implementado na escola municipal, para reforçar a formação multidisciplinar dos estudantes. Como destacou Tania Marcia Bagnara, diretora da Escola Municipal: “Nós fomos atrás do [ensino] integral para tentar desenvolver nas crianças outras áreas, que não seja só o português e a matemática, mas a arte, a literatura, a educação física, várias outras áreas”.
Criada em 2005, a Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA) oferece cursos de graduação e completa os níveis de educação oferecidos no território, da Educação Básica ao Ensino Superior. Há quase 20 anos, a ELAA oferta cursos de formação em agroecologia para capacitar agricultores e educandos do Brasil e da América Latina, fortalecendo o conhecimento e a prática de um modelo de produção sustentável.
Saúde popular e fitoterapia
Dona Maria Natividade de Lima, assentada há 25 anos, é uma referência local quando se trata de Saúde Popular. A camponesa reforça a importância da alimentação saudável para manter uma saúde de qualidade.
“Aqui a gente trabalha muito a alimentação porque a saúde entra pela boca através da boa alimentação e a doença entra pela boca através da má alimentação. E hoje a gente vê que a alimentação está intoxicada, envenenada […] A comida tem que ser de boa qualidade, [produzida] dentro da agroecologia, diferente disso não dá pra dizer que é comida. Dá pra encher o bucho, mas não alimenta”, afirma.
Maria faz parte do coletivo de saúde que orienta os companheiros a como usar os produtos fitoterápicos, plantas medicinais e chás naturais para curar algum mal estar. Isso sem precisar apelar para os fármacos que, a longo prazo, podem causar danos à saúde.

Recentemente, a comunidade também conquistou a Unidade Básica de Saúde Chica Pelega (UBS), que vem como um complemento à medicina da terra, praticada no território.
A consolidação da comunidade é fruto da luta pela terra de famílias camponesas. A Reforma Agrária Popular e a agroecologia anunciam um novo mundo, com vida digna, respeito, solidariedade e libertam o território da exploração.
Confira mais imagens da bela festa!














Mais de 400 pessoas participaram do aniversário do assentamento Contestado. Fotos: Ana Clara Lazzarin
*No período do Brasil colônia, as sesmarias eram lotes de terra distribuídos por Portugal a colonos com o objetivo de explorar o espaço, além de incentivar a vinda de europeus ao Brasil. As grandes porções de terra doadas fizeram crescer a desigualdade social e criaram o que hoje é o latifúndio.
**Editado por Fernanda Alcântara