Sustentabilidade

Sem veneno

Com produção recorde de arroz, assentados do movimento provam a viabilidade da produção agroecológica

Cooperação. Stédile anuncia parceria com o governo da China para instalar fábricas de fertilizantes orgânicos. Foto: René Ruschel

Por René Ruschel
Da Carta Capital
*

Resiliência. Essa foi a palavra de ordem que motivou e mobilizou os produtores de arroz orgânico do Rio Grande do  Sul a superar os desafios dos últimos anos. Em 2023, enfrentaram duas enchentes. No ano seguinte, um dilúvio  devastador atingiu todo o estado, resultando na perda total da produção e dos estoques armazenados, além de deixar  centenas de famílias com suas casas submersas. Além dos impactos climáticos, os agricultores também sofreram com  o desmonte das políticas públicas para o setor durante o governo Bolsonaro, que praticamente extinguiu o Programa  Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). 

Na quinta-feira, 20, o MST gaúcho celebrou o início da maior colheita de arroz orgânico da América Latina com uma  festa que reuniu cerca de 5 mil ­convidados no assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, na Região Metropolitana de  Porto Alegre. Em março do ano passado, em vez de festa, o movimento social promoveu um ciclo de palestras sobre os  impactos das mudanças climáticas na agroecologia.

Ao todo, foram cultivados 2.850 hectares, além de outros 800 em áreas de conversão nos assentamentos de Viamão,  Nova Santa Rita, Charqueadas, Eldorado do Sul, Guaíba, Tapes e São Gabriel. A expectativa para este ano é colher 280  mil sacas, o equivalente a 14 mil toneladas. “Foi preciso muita força e união para chegar até aqui”, diz o agricultor  Osmar Moisés de Moura, morador do Filhos de Sepé desde 1998. 

Casado e pai de dois filhos, Moura faz parte de uma das 290 famílias envolvidas na produção de arroz agroecológico  do MST. Filho de lavradores, ele conta que “caiu no mundo em busca de um pedaço de chão” aos 16 anos, quando foi  emancipado pelos pais. Viveu quatro anos sob lonas em acampamentos até conquistar seu quinhão: uma área de  cerca de 15 hectares, onde cultiva arroz e cria alguns animais. Para ele, o maior desafio é transformar os  assentamentos em campos de produção agroecológica, totalmente livres de agrotóxicos. “Produzimos alimento  saudável, não commodities.” 

Para alcançar a produção recorde de arroz orgânico, foi necessário investir em tecnologias sustentáveis, como os  bioinsumos. Produzidos a partir de microrganismos, materiais vegetais orgânicos ou outros componentes naturais,  eles são utilizados nos sistemas de cultivo agrícola para combater pragas e doenças. Além disso, contribuem para a  fertilidade do solo e aumentam a disponibilidade de nutrientes para as plantas. Por apresentarem baixa toxicidade e  serem biodegradáveis, os bioinsumos elevam a produtividade do arroz sem causar danos ao meio ambiente. Outro  diferencial é que sua produção ocorre em biofábricas instaladas dentro dos próprios assentamentos. 

“Não havia mais espaço para continuarmos plantando e colhendo de forma rudimentar, com pequenas máquinas de  pulverização às costas”, diz Moura. Hoje, além do uso de bioinsumos, os assentados contam com máquinas e  colheitadeiras modernas e, recentemente, adquiriram um drone avaliado em 250 mil reais. Com essa tecnologia, a  aplicação dos insumos torna-se mais prática, uniforme e segura em toda a plantação. 

As famílias assentadas se unem para produzir em larga escala, em um esforço coletivo no qual nada é feito de forma  individual. O beneficiamento e a comercialização dos grãos ficam a cargo de ­cooperativas geridas pelos próprios  produtores, responsáveis por todo o processo operacional, financeiro e burocrático. 

Uma das vozes mais ativas na defesa da agroecologia, o deputado estadual Adão Pretto Filho, do PT, é autor de um  projeto de lei que estabelece a Política Estadual de Fomento à Agricultura Regenerativa, Biológica e Sustentável no  Rio Grande do Sul. A proposta visa estimular a produção agrícola sem o uso de insumos químicos. “A produção de  

arroz do MST em escala é uma prova de que é viável investir nos bioinsumos. Para quem produz alimento nos  territórios de reforma agrária, essa transição agroecológica é uma realidade. O que queremos é que o estado subsidie a  produção de insumos pelos agricultores e cooperativas, e que os bancos públicos ofereçam linhas de crédito com juros  reduzidos para quem investir em agroecologia”, destaca. O parlamentar também propôs um projeto para proibir a  pulverização aérea de agrotóxicos, argumentando que os pesticidas lançados por ­aviões contaminam áreas vizinhas e  prejudicam os agricultores empenhados em produzir alimentos orgânicos. 

Presente na 22ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico do MST, João Pedro Stédile, liderança histórica do  movimento, destaca que 140 mil famílias ainda vivem acampadas, à espera de um lote. “O governo Lula se  comprometeu várias vezes a retomar a reforma agrária, mas ela caminha a passos muito lentos. Não venham com a  desculpa de falta de recursos. Para o Incra, 1 bilhão de reais é uma merreca.” O dirigente ressalta, porém, que a luta 

pela reforma agrária vai além da redistribuição de terras. “Os assentados não conseguem tirar sustento de um solo  degradado, morto. Por isso, precisamos defender a natureza e focar na produção de alimentos saudáveis.” 

Stédile anunciou ainda que o MST negocia uma parceria com o governo chinês para instalar fábricas de  fertilizantes orgânicos nos assentamentos gaúchos, além de unidades industriais para a produção de equipamentos  agrícolas. A meta é fortalecer a agroecologia com insumos acessíveis e tecnologia inovadora. A primeira unidade,  segundo o dirigente, será instalada no município de Nova Santa Rita. “Durante uma visita à China, representantes  do país manifestaram interesse em transferir tecnologia e capacitar os trabalhadores para a operação e gestão dos  processos, sem custo.” • 

*Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025. Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sem veneno’