Resistência na Caatinga

A força da produção de caprinos e ovinos no Sertão dos Inhamuns, Ceará

No Sertão dos Inhamuns, famílias assentadas transformam os desafios da Caatinga em renda, sabor e esperança por meio da criação de caprinos e ovinos

Foto: João Paulo Alves

Por Aline Oliveira
Da Página do MST

No coração dos Inhamuns, sertão do Ceará, a criação de caprinos e ovinos se ergue como um verdadeiro símbolo de resistência. Entre terras áridas e chuvas irregulares, agricultores e assentados da Reforma Agrária reafirmam diariamente a força de uma cultura que desafia o clima do semiárido.

Os rebanhos, adaptados ao calor e à seca, são uma das principais fontes de geração de renda dos camponeses e camponesas que se organizam em cooperativa. É dessa luta, tecida no cotidiano dos currais, quintais, capoeiras e roças, que a cooperação faz a diferença e sustenta comunidades inteiras.

A Caatinga, com clima semiárido, vegetação predominantemente arbustiva e longos períodos de estiagem, apresenta características naturais que favorecem a criação de caprinos e ovinos. Esses animais possuem grande capacidade de adaptação às condições adversas, resistindo bem ao calor intenso, à escassez de água e à pouca oferta de forragem. Além disso, exploram com eficiência os recursos nativos da Caatinga, alimentando-se de arbustos, folhas e brotos típicos do bioma, sem necessidade de suplementação intensiva. Por suas habilidades de sobrevivência, caprinos e ovinos se consolidaram como uma das principais alternativas econômicas para as famílias camponesas da região, contribuindo para a soberania alimentar, geração de renda e preservação cultural no sertão.

Foto: Davi Kaio/Comunicação MST

Para compreender melhor essa experiência, é importante falar das estruturas que tornam essa realidade possível. A Cooperativa Regional dos Assentados e Assentadas de Reforma Agrária do Sertão dos Inhamuns (Cooperamuns) nasceu do desejo de organizar e facilitar a comercialização dos produtos vindos dos assentamentos de Reforma Agrária. Fundada em 7 de junho de 2015, com sede em Tamboril, a Cooperamuns abrange nove municípios do Ceará: Tamboril, Crateús, Independência, Santa Quitéria, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Ararendá, Sobral e Miraíma.

Ao todo, a Cooperamuns reúne 38 associações, beneficiando 574 famílias, sendo 190 delas cooperadas, todas assentadas da Reforma Agrária. “O nosso objetivo sempre foi organizar e facilitar a comercialização dos cooperados e das cooperadas, fortalecendo as práticas sociais e ambientais, com ênfase na agroecologia e nas relações de trabalho baseadas na cooperação”, afirma Cláudia Martins, presidenta da Cooperamuns.

Foto: João Paulo Alves

Além de articular e organizar a produção de caprinos e ovinos, a Cooperamuns administra duas agroindústrias: a de caprinos e ovinos, localizada no Assentamento Palestina, e a de polpa de frutas, no Assentamento 2 de Maio, ambas em Tamboril. “A agroindústria de caprinos e ovinos tem capacidade para abater até 50 animais por dia. Ainda não chegamos ao pleno funcionamento, pois tudo depende da demanda do mercado”, explica Cláudia Martins.

Os produtos da cooperativa seguem padrões de qualidade e incluem cortes tradicionais da carne, como linguiça, buchada, espetinho, costela, pernil e lombo. “Hoje fornecemos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Ceará Sem Fome (pela COBAB), além de feiras e pequenos mercados da região”, detalha Cláudia.

Para além da produção, a Cooperamuns se destaca pelo compromisso social. “Quando comercializam sua produção de forma coletiva, as famílias aumentam sua renda, melhoram o manejo dos animais e fortalecem o trabalho comunitário nos assentamentos”, ressalta Cláudia Martins. A cooperativa conta ainda com uma equipe técnica que apoia desde a orientação para alimentação dos animais até o preparo para o abate, garantindo melhorias contínuas na cadeia produtiva.

De acordo com Willian Freitas, técnico agropecuário, as orientações, capacitações e visitas são realizadas conforme o planejamento da cooperativa, por meio da equipe de ATER. Essas ações se dividem em duas principais frentes: a criação de animais de pequeno porte, como ovinos e caprinos, e o cultivo de mudas frutíferas, cuja produção é destinada às agroindústrias cooperadas. “Todas as orientações são direcionadas para essas duas linhas de produção. Os produtores recebem instruções sobre vacinação e vermifugação dos animais, e, na área vegetal, sobre adubação, podas e irrigação das plantas. No combate a pragas, priorizamos a produção de insumos agroecológicos”, explica o técnico.

“O fortalecimento da nossa cadeia produtiva só foi possível graças ao apoio de diversas frentes. As agroindústrias da Cooperamuns saíram do papel com o importante suporte do Governo do Estado do Ceará, através do Projeto São José e financiamento do Banco Mundial, que garantiu tanto a construção quanto os equipamentos modernos das nossas unidades. Mas nada disso seria possível sem a mobilização constante dos assentados e o apoio do MST, que está sempre à frente das lutas e articulações pelos nossos direitos e conquistas nos territórios”, destaca Martins.

Martins conclui que “hoje vemos um crescimento expressivo entre os cooperados e cooperadas, tanto em renda quanto em aprendizado no manejo. Nossa missão é fortalecer essa rede para garantir mais conquistas no futuro.”

A realidade no campo é sentida todos os dias por agricultores como Francisco Edi, assentado no Assentamento Piabas, em Santa Quitéria. Ele compartilha um pouco sobre sua rotina e os impactos da cooperativa na vida dos produtores e produtoras locais:

Aqui no assentamento, a nossa rotina começa cedo. Soltamos o rebanho de caprinos e ovinos no pasto ao amanhecer e recolhemos no final da tarde. A maior dificuldade é mesmo no período do verão, quando tudo fica mais seco. Por isso, mantemos algumas áreas de capoeira reservadas para alimentar o rebanho nesse período, e vamos alternando os espaços conforme o pasto vai se esgotando”

“A cooperativa fez muita diferença para nós, principalmente no processo de comercialização. Antes, era comum lidarmos com atravessadores que batiam à nossa porta, mas agora a cooperativa organiza e busca a produção direto no assentamento, garantindo assim preços mais justos. Em relação ao acompanhamento técnico, ainda é um desafio, pois a região é grande e a equipe é pequena. Felizmente, aqui no assentamento temos técnicos formados que colaboram bastante, eu mesmo sou técnico agrícola e ajudo no que posso. Quanto aos cuidados, permanecemos sempre atentos à vacinação e à saúde do nosso rebanho, porque o objetivo é entregar um produto de qualidade para quem vai consumir.”

*Editado por Fernanda Alcântara