Direitos Humanos
Violência no campo: números de conflitos foi o segundo maior em 40 anos
Em 2024 foram registrados 2.185 ocorrências; o recorde da série histórica foi registrado em 2023, com 2.250 conflitos mapeados pela CPT

Da Página do MST*
Nesta quarta-feira (23), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizou o lançamento nacional da 39ª edição do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília (DF).
Pela quarta vez nos últimos cinco anos, o país registrou mais de 2 mil conflitos no campo, o maior patamar da história, segundo monitoramento feito pela CPT; número de assassinatos caiu, mas as ameaças de morte e as tentativas de homicídio subiram em 2024.
Integrante da mesa de apresentação do relatório, Jardel Lopes, da Campanha Contra a Violência no Campo, afirmou durante o lançamento, que “Se nós cruzarmos os braços frente à redução de mortes, este número retornará a aumentar”.
Em comparação com o ano de 2023, a publicação deste ano demonstra que houve diminuição do número de conflitos – ao todo, 2.185 ocorrências, contra 2.250 em 2023 -, mas isso não representa a diminuição das violências sofridas pelos povos do campo.
Os dados compilados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT) contabilizam 1.768 conflitos por terra em 2024 – esse foi o maior número registrado na última década.
Em relação aos registros de conflitos por água, o relatório apresenta que o ano de 2024 soma 266 casos. Este é o 3º maior número dos últimos cinco anos, superando os valores registrados no ano de 2023 em 16%.
“Ano passado o que se destacou foram os números de conflitos no campo, 2.185 casos de conflitos que aconteceram em 2024. Desses conflitos 78% tinham a ver com conflitos pela terra, então a terra ainda é a principal razão que gera toda essa situação complexa de violência no campo brasileiro, seguido de duas outras questões, são os conflitos por água e pelos agrotóxicos”, destacou Ayala Ferreira, da direção nacional do Setor de Direitos Humanos do MST.
Ela explica, que este último elemento de conflitos por uso de agrotóxicos, que teve o assombrado aumento de 762%, está sobretudo relacionada com as pulverizações aéreas, que se intensificaram neste último período, muito a partir do resultado da flexibilização das leis e toda a ofensiva da bancada ruralista do agronegócio, que se articulou para fragilizar ainda mais a legislação existente, que regula o uso intensivo de venenos, como é o caso dos agrotóxicos.
No campo das ações de resistência, 2024 foi marcado pelo segundo menor registro de manifestações da última década (649), atrás apenas do ano de 2018 – que soma 554 ações. Por outro lado, no último ano, houve aumento no número de participantes, em comparação com o ano de 2023: ou seja, de 111.233 para 169.998 pessoas.
Neste ano de 2025, a Comissão Pastoral da Terra completa 50 anos de existência, e é também o ano do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc-CPT) completa 40 anos, com a publicação de seu primeiro Caderno de Conflitos em 1986. A versão do relatório atual e dos anos anteriores está disponível no site da instituição.
Conflitos por terra
Foram 1.768 ocorrências de conflitos no eixo terra. Comparado a 2023, quando foram contabilizadas 1.766 ocorrências, houve um pequeno aumento, resultando no maior número registrado na última década. A maioria dos registros do eixo terra são de violências – 1.680, enquanto houve diminuição nas resistências em relação ao ano 2023, tanto de ocupações (de 124 para 78) quanto de acampamentos (de 18 para 10).

O estado do Maranhão lidera em número de registros de violência no eixo terra, com 363 ocorrências em 2024. Destacam-se também os estados do Pará, com 234 ocorrências; Bahia, com 135; e Rondônia, com 119 ocorrências. É importante destacar ainda o papel da contaminação por agrotóxicos no aumento nos registros de violência, especialmente no estado do Maranhão. No último ano houve um salto nas ocorrências desse tipo de violação, indo de 32 em 2023, para 276 em 2024, um crescimento aproximado de 762%. A maioria dessas ocorrências foi registrada no Maranhão (228), onde comunidades tradicionais estão enfrentando graves consequências em decorrência da pulverização aérea de agrotóxicos.
O Cedoc-CPT identificou ainda a participação do grupo “Invasão Zero” nos conflitos por terra em 2024, com ataques violentos nos estados de Goiás, Maranhão, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Pará e Pernambuco, em que as ações foram assumidas e/ou comprovadas enquanto ataques do grupo. Contudo, em outros estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará e Santa Catarina, também ocorreram ataques coordenados de grupos de fazendeiros, seguindo os padrões de atuação do “Invasão Zero”. Um caso que se destaca é o assassinato de Maria Fátima Muniz de Andrade (Nega Pataxó), em janeiro do ano passado, cometido por um fazendeiro ligado ao grupo “Invasão Zero”, em uma retomada indígena Pataxó Hã Hã Hãe.
Conflitos pela água
Os dados registrados de conflitos no eixo água – 266 – representam o 3° maior número de casos nos últimos 5 anos. Em relação a 2023, o número de conflitos pela água voltou a subir, indicando assim, um aumento de 16% nos casos registrados.
Os estados que mais sofreram com violências no eixo água foram Pará, com 65 ocorrências, seguido por Maranhão, com 45, Minas Gerais, com 30, e Bahia, com 22. Em relação ao total de casos de violências relacionadas à água, os registros no estado do Pará representam aproximadamente 24% das ocorrências, enquanto o Maranhão representa 17% das violências no país.
As violações no “Uso e preservação” da água lideram o número de conflitos por água, com 70% dos registros, seguidos de “Barragens” (23%) e “Apropriação da água” (7%). Houve ainda o aumento com relação ao ano anterior no “Não cumprimento de procedimentos legais” (de 79 para 84), “Destruição e poluição” (de 59 para 69) e “Contaminação por agrotóxico”, sendo o maior aumento (de 26 para 40 registros).
Trabalho Escravo Rural
No ano de 2024, houve uma redução considerável de casos e de trabalhadores resgatados do trabalho escravo rural com relação a 2023, que registrou o maior número da última década – 2.663. No último ano, foram registrados 151 casos de trabalho escravo no campo e 1.622 de pessoas resgatadas. Em parte, essa queda de 40% nas ocorrências e de 39% no número de resgatados em comparação a 2023, deve-se à greve dos Auditores-Fiscais do Trabalho (AFTs) iniciada em março de 2024.
Minas Gerais se destaca entre os estados com mais casos e também pessoas resgatadas, foram 37 ocorrências e 479 trabalhadores resgatados. Também se destaca o estado de São Paulo, com 11 ocorrências e 357 trabalhadores resgatados; e Mato Grosso do Sul, com 19 ocorrências e 124 trabalhadores.

No que diz respeito às atividades econômicas onde se concentram os casos de trabalho escravo, em 2024 a atividade econômica onde mais se resgatou pessoas da condição de trabalho escravo foi a produção de café, com 237 resgates. Em seguida aparece a lavoura de cebola, com 194 trabalhadores resgatados em São Paulo (121) e Minas Gerais (73). E também a pecuária, com um total de 137 resgates em diversos estados brasileiros, especialmente na região Centro-Oeste, com 65 resgates registrados.
Violência contra a Pessoa
O ano de 2024 é marcado por uma redução no número de vítimas de violência contra a pessoa, tanto no número de ocorrências quanto no total de vítimas. Foram 1.528 casos de violência, contra 1.720 em 2023, e 1.163 vítimas contra 1.480 no ano anterior. Houve redução também no número de assassinatos: enquanto no ano anterior 31 vidas foram tiradas em contexto de conflitos no campo, em 2024 foi 13 o número de casos confirmados. A queda em relação ao ano anterior foi de 58% no total de casos de assassinatos. No entanto, estados onde antes não registraram casos de assassinato aparecem nos dados de 2024, como o Pará, Santa Catarina e Tocantins.
Apesar de 2024 ter apresentado uma queda nos registros de assassinato, isso não significa uma diminuição da violência. Isso porque em 2024, houve aumento nas ameaças de morte (de 219 para 272), sendo este o maior número em 10 anos. O ano apresentou também aumento nos registros de intimidação (192 para 221) e tentativas de assassinato (72 para 103), um salto de quase 50%. No caso das tentativas de assassinato, 79% das vítimas são indígenas, sendo mais da metade delas (52%) do Mato Grosso do Sul, com os principais causadores identificados como fazendeiros, em áreas de retomada.
Ações de resistência
Em 2024, foram registradas 649 manifestações de luta no país, incluindo atos públicos, protestos e bloqueios de rodovias e hidrovias. Esse dado faz de 2024 o segundo ano com o menor número de manifestações nos últimos dez anos, atrás apenas de 2018, quando foram registradas 554. Apesar da redução nos registros de ações de resistência pelo terceiro ano consecutivo, o número de participantes aumentou em comparação a 2023, saltando de 111.233 pessoas para 169.998.

As principais reivindicações identificadas nessas ações de resistência são por terra/Reforma Agrária, com o maior número de registros, totalizando 201 reivindicações; contra a injustiça e a violência, 168 registros; questões relacionadas ao meio ambiente, somando 138 registros; e questões indígenas, com 83 registros, trazendo pautas relacionadas aos direitos dos povos originários, demarcação de terras e contra a lei do Marco Temporal.
*Com informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT)