Combate à fome

MST doa 25 toneladas de alimentos: solidariedade é a união entre campo e cidade

Cerca de 50 organizações populares e cozinhas solidárias foram beneficiadas

Por Vivian Fernandes
Da Página do MST/Equipe de texto da 5ª Feira da Reforma Agrária

Nascida em Sítio de Bananeirinha, no Agreste de Pernambuco, Janeide Barbosa se mudou para São Paulo em 1996 e, desde então, vive na zona leste da capital paulista. Durante quatro dias, de 8 a 11 de maio, ela é uma das voluntárias da Cozinha Elza Soares, que prepara centenas de refeições diárias para as equipes de trabalho, feirantes e amigos e aliados do MST que visitam a 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, no Parque da Água Branca, em São Paulo.

Na tarde do segundo dia da Feira, 9 de maio, Janeide foi uma das convidadas para uma atividade especial, o “Ato MST Cultivando a Solidariedade”, que celebrou a doação de 25 toneladas de alimentos para cerca de 50 organizações populares e cozinhas solidárias da Grande São Paulo.

“A doação do MST é muito importante para a gente preparar uma marmita de verdade, uma comida livre de agrotóxicos. A gente está fazendo uma um força-tarefa para oferecer uma comida bem quentinha, bem gostosa para a comunidade. Então, essa doação é muito importante para aquela família que não tem condições financeiras de ir no mercado e comprar uma alimentação adequada”, conta.

A união entre os povos do campo e da cidade é um dos símbolos da Feira da Reforma Agrária. Foto: Sara Gehren

Janeide faz parte da Associação de Apoio às Famílias Vulneráveis (AAFV), que tem uma cozinha solidária, desde 2019, no Jardim das Carmelitas. O projeto começou durante a pandemia, com o apoio do MST, e hoje alcança quatro bairros de São Miguel Paulista, atuando com 600 famílias e a população em situação de rua, distribuindo 500 marmitas por semana, além de doação de cestas básicas e kit de higiene pessoal.

Sobre como é estar na Feira Nacional da Reforma Agrária, um dos maiores eventos da agrobiodiversidade do Brasil, ela relata sua alegria e uma memória afetiva: “É muito bacana estar aqui, vivenciar tudo isso. Eu sou do campo também, eu venho de uma família do campo. Então isso traz bastante lembrança de quando a gente sentava na mesa e comia aquela comidinha, aquela verdura, legume sem veneno, direto do campo”.

A união entre os povos do campo e da cidade, que é um dos símbolos da Feira da Reforma Agrária, também é parte da história de vida de muitas pessoas que hoje vivem nas comunidades periféricas de São Paulo e outras cidades do Brasil afora.

“Nas periferias das grandes cidades, estão muitas pessoas que vieram da zona rural também, muitos foram expulsos dos seus territórios. Então, tem um vínculo muito forte com o Movimento Sem Terra. A gente se solidariza com as populações que estão nas áreas urbanas e em situações de vulnerabilidade, mas compreende também que eles são parte desse processo de exclusão e que a gente precisa estar juntos nessa luta”, afirma Aldenir Gomes, membro da Direção Nacional do MST e do estado do Maranhão.

Sendo a Feira Nacional um espaço para demonstrar essa unidade do camponês e do trabalhador, ela também explica uma parte do projeto da Reforma Agrária Popular, como explica Keila Lima, integrante da Direção Nacional do MST no Ceará.

“Para o Movimento Sem Terra, a solidariedade é um princípio que a gente vem exercitando na prática, a partir da nossa luta, o que nós conquistamos para as famílias Sem Terra, também é para dividir com a sociedade. Aqui na Feira, que é esse espaço de mostrar a Reforma Agrária, o que a gente tem produzido a partir do acesso à terra, então mais do que justo a gente vender, mas também socializar aquilo que a gente tem de mais bonito que é a nossa produção de alimentos”.

Representantes de movimentos de moradia conheceram assentados que doaram alimentos. Foto: Vivian Fernandes

O prazer do encontro

Antes do ato que marcou a doação dos alimentos, líderes comunitários e representantes das cozinhas solidárias visitaram a Feira Nacional e tiveram como guias alguns dos camponeses de áreas da Reforma Agrária que doaram parte de sua produção para a ação solidária. Um deles é Paulo Johann, ou seu Paulinho, que é da região de Mafra, no planalto Norte de Santa Catarina.

Muito animado, ele conduziu um grupo de militantes de movimentos de moradia de São Paulo pelos corredores de barracas que expõem, estado por estado, os frutos da diversa produção do MST em 23 estados e no Distrito Federal. O volume total de produtos nesta edição da Feira é de 500 toneladas, com 1800 diversos tipos de produtos, in natura, processados, além de artesanatos e outras produções. Arrasando na simpatia, seu Paulinho passava em cada barraca e pedia para seu companheiro de outro estado explicar a produção e contar como puderam contribuir na doação de alimentos em São Paulo.

“Nós ficamos muito felizes em poder contribuir. Apesar de ser uma viagem longa do Maranhão para cá, são dois dias e meio, a gente sabe que um dos princípios do MST é a solidariedade entre os povos. E nós sabemos que a periferia hoje passa por dificuldades, e o campo produz para o campo e para a cidade”, compartilhou Tarcísia Valéria, que apresentou os produtos da Cooperativa de Mulheres Resistir e Produzir, seguida por aplausos e agradecimentos dos representantes de movimentos de moradia paulistas.

Um deles é Tiago Salvador, professor, salgadeiro e líder comunitário do Morro do Ketchup (também conhecido como Vila Roschel), no distrito de Parelheiros, extremo sul de São Paulo. A organização das famílias dessa comunidade, há 16 anos, contou com o apoio do MST e de outros, como o União de Movimentos por Moradia. Ainda que não contem com uma cozinha comunitária, os moradores já se articulam para fazer doações de alimentos e itens de higiene pessoal, e participam do projeto Mãos Solidárias, que reúne movimentos populares para ações de solidariedade.

“A doação do MST é excelente e gratificante, porque tem muitas pessoas que não tem condições de ter esse alimento”, afirma Tiago, que também comenta como é a região de Parelheiros e como se sente próximo aos camponeses aqui na Feira: “Onde a gente mora, a gente diz que é campo, é bem interior mesmo. Quando vocês forem, vocês vão falar assim: ‘Meu Deus do céu, isso aqui não é mais São Paulo. É muito legal lá, bom mesmo, o ar de lá é diferente, o ar de lá é fresco, é puro”.

Quando o grupo chegou, enfim, na barraca de Santa Catarina, seu Paulinho, que já havia contado que a cooperativa da qual faz parte doou cenoura, banana, laranja, maçã, feijão, farinha, entre outros alimentos, não escondeu o entusiasmo e já convidou seu companheiro Jurandir Bassani para falar um pouco. Ele relata que os assentamentos já tinham uma grande produção de alimentos, mas enfrentavam problemas nas vendas, quando se uniram a outros coletivos do Norte de Santa Catarina para atuar na comercialização. Foi assim que em 2006 nasceu a Cooperdotchi.

Sobre a importância da solidariedade, Jurandir explica sobre a própria história das famílias da região: “É porque o MST também no passado e a essência do MST é também vinda da solidariedade dos amigos e companheiros, que sustentavam as famílias durante as dificuldades muito grandes dos acampamentos. Então a gente recebeu um monte de solidariedade. Hoje, como o nosso povo avançou na produção, a gente sente que é nossa parte também de fazer, ser solidário com as demais pessoas. Esse é o objetivo do Movimento e também da cooperativa”.

Atualmente, a Cooperdotchi conta com 155 sócios e também participa de chamadas públicas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Hoje industrializado a gente está com a o feijão, com a marca Terraviva, e estamos entrando com a farinha de milho. E tem o hortifruti em geral, desde as frutas até a salsinha e a cebolinha”, apresenta.

Mãos Solidárias avança na organização popular para garantia de direitos e renda nas comunidades. Foto: Sara Gehren

Desafios para além da doação de alimentos

Programas estatais como o PNAE e o PAA são fundamentais e complementares aos processos de solidariedade entre os movimentos. Assim como na cooperativa catarinense, em que os camponeses podem vender para o Estado sua produção – que será distribuída gratuitamente para redes de assistência sociais, escolas, hospitais e outros – quem está na ponta das cidades também é beneficiado.

Janeide Barbosa, sou da Associação de Apoio às Famílias Vulneráveis (AAFV), zona leste de São Paulo, comenta que a partir do dia 14 de maio, a cozinha solidária que constrói também receberá alimentos via PAA, como o feijão. No entanto, isso ainda é insuficiente e eles dependem muito de doações. “A gente tem um bazar solidário, onde tudo que é arrecadado ali, a gente compra a proteína, compra as misturas”, diz. Inclusive, o projeto aceita doações para o bazar, de alimentos e também voluntários, basta apenas entrar em contato via página no Instagram (@associacao.de.apoio.a.familia), e a urgência maior no momento é por equipamentos de cozinha, como panelas.

A situação da AAFV é comum em muitas associações comunitárias e cozinhas solidárias e, muitas das respostas devem vir por meio de políticas públicas, e a pressão sobre o governo se dá de por meio de organização popular. “O Sem Terra tem sua organização, tem sua luta, e as organizações da cidade, da população mais pobre e excluída, precisam também avançar nesse sentido para garantir outras conquistas além da comida, mas também da moradia, da educação, da saúde, dos direitos humanos e outros direitos”, destaca Aldenir Gomes, dirigente nacional do MST.

Janeide, Aldenir e dezenas de outras lideranças populares participaram no final da tarde de sexta-feira (9), do “Ato MST Cultivando a Solidariedade”, na 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária. No espaço, muitos puderam se conhecer e compartilhar histórias e desafios.

Movimentos reforçam que alimento é um direito humano e também mobilização social. Foto: Sara Gehren

Um desses relatos veio do projeto Mãos Solidárias, que atua em diversos bairros de São Paulo, mas também em outras cidades de todo o Brasil. Criado durante a pandemia de covid-19, o projeto desenvolve ao longo dos últimos cinco anos ações de distribuição de alimentos, mas avança também na organização popular para atuar na garantia de direitos, trabalho e renda nas comunidades, construindo soluções a partir do povo.

Sendo a solidariedade não só restrito a questão alimentar, no ato também participaram representantes do Ministério da Educação. Zara Figueiredo, secretaria da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão, ressaltou que “em educação, solidariedade significa direito”, afirmando que nos próximos meses o ministério irá anunciar o novo PRONACAMPO (Programa Nacional de Educação do Campo), com um conjunto de ações do governo federal para a educação nas escolas rurais, com verba de 238 milhões de reais.

Sílvio Isoppo Porto, diretor-executivo de Política Agrícola falou em nome da  Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Em sua fala, ele exaltou a doação de 25 toneladas de alimentos pelo MST: “Isso simboliza a luta dos movimentos sociais e a capacidade de estabelecer relações entre campo e cidade. Essa relação estabelecida é de autonomia, e isso é o mais relevante. O alimento como direito humano e também como mobilização social. Esse exemplo que vocês dão, como nas cozinhas solidárias, mostra que vocês chegam onde o Estado não está presente”.

Ele também destacou a importância do PAA para as cozinhas solidárias e sua expectativa de que esse programa possa avançar, garantindo também infraestrutura e profissionalização das pessoas que trabalham nas cozinhas.

“Parabéns a vocês, parabéns por esse trabalho. Só para finalizar, no fechamento da Feira, nós temos um acordo com o MST de que tudo o que não for comercializado aqui será comprado pelo PAE e será destinado às cozinhas solidárias em São Paulo”, prometeu Porto.

Com mais de 500 toneladas de produtos, a 5ª edição da Feira da Reforma Agrária apresenta uma diversidade de mais de 1800 tipos de produtos, que vão de alimentos in natura a agroindustrializados.

* Editado por Mariana Castro