Conflitos no campo

“Sem enfrentar a questão dos agrotóxicos, não existe agroecologia”, afirma Alan Tygel

Atividade foi organizada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Movimentos reforçam denúncias de comunidades impactadas por agrotóxicos. Foto: Sara Gehren

Por Roberta Quintino
Da Página do MST/Equipe de texto da 5ª Feira da Reforma Agrária

Na manhã desta sexta-feira (9), durante a Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo, o seminário “Agrotóxicos e Guerra Química” reuniu movimentos sociais, especialistas e representantes de territórios atingidos para denunciar os impactos dos agrotóxicos no Brasil e fortalecer as estratégias de enfrentamento ao agronegócio.

A atividade foi organizada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e trouxe ao centro do debate temas como a pulverização aérea, impactos da nebulização urbana (fumacê) e os efeitos sobre a saúde humana e ambiental. Além de dados sobre o avanço do agronegócio e do consumo de agrotóxicos e aspectos jurídicos sobre o tema das flexibilizações ambientais.

A atividade teve como destaque a experiência da Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA). Linalva Cunha, integrante da RAMA, relatou o avanço da fronteira agrícola no estado, especialmente com o cultivo da soja, e os impactos diretos na vida das comunidades pelo uso de agrotóxicos “As famílias estão perdendo as suas roças, os seus agroquintais, por conta da pulverização aérea. Tem gente perdendo feijão, arroz, milho. No nosso estado, as famílias tiveram a produção perdida”, disse.

A partir desse avanço, a RAMA começou a organizar uma metodologia para recebimento e mapeamento de denúncias de comunidades impactadas por agrotóxicos. Nesse sentido, Linalva, apresentou a experiência da região no enfrentamento das violações do agronegócio.

Ela destacou que, entre janeiro e abril de 2024, foram identificadas 34 comunidades em 12 municípios vítimas de pulverização de agrotóxicos no Maranhão. Em dezembro do mesmo ano, esse número saltou para 231 comunidades em 35 municípios. Como resposta e articulação das organizações, leis municipais que proíbem a pulverização aérea foram aprovadas em 12 cidades, embora três já tenham sido revogadas e outras oito discutam o tema atualmente.

Linalva também destacou a mobilização popular em torno da Campanha Chega de Agrotóxicos, que propõe um projeto de lei de iniciativa popular para proibir a pulverização aérea, incluindo a feita por drones. “É interessante afirmar que no projeto de lei nós não estamos sugerindo nenhum tipo de flexibilização. Qualquer pessoa com alguma sensatez vai compreender que não tem condições de fazer nenhum tipo de flexibilização, não ao avião, sim ao drone, por exemplo. Então, o projeto que a gente apresenta é não ao drone, não ao avião, e não à pulverização aérea”.

No debate, os participantes debateram sobre alternativas ao agronegócio. Foto: Roberta Quintino

Ela ainda denunciou tentativas de intimidação e desqualificação do trabalho realizado pela RAMA, universidades e agricultores: “Nós temos ainda pessoas que são ameaçadas por denunciar esse cenário.”

“O Maranhão não é um caso isolado no Brasil, mas traz para nós, enquanto campanha de resistência, de denúncia aos agrotóxicos, esse processo intenso de vigilância popular”, afirmou Fran Paula, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Segundo ela, a estrutura de mapeamento de casos no estado é um modelo de vigilância popular que deve ser replicado.

Ela destaca ainda que a origem de produção dos agrotóxicos surge com o avanço da indústria bélica no mundo e que hoje ainda é utilizado como instrumento de violação de direitos junto às comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas de todo o Brasil. “Isso é uma guerra que não é uma guerra só contra territórios e povos, é uma guerra contra um modelo de vida, contra a natureza”.

Fumacê

Outro tema abordado no seminário foi a nebulização urbana, prática conhecida como “fumacê”, que consiste na aplicação de inseticidas por veículos nas ruas das cidades. Ricardo Camargo, representante da Associação Brasileira das Entidades da Meliponicultura (Abremel), denunciou os prejuízos dessa prática para a meliponicultura, setor que cria abelhas nativas sem ferrão, essenciais à polinização.

Segundo Camargo, a prática, implementada no Brasil desde os anos 1980, tem eficácia limitada e traz riscos à saúde humana e ao meio ambiente. Ele alertou para os danos à biodiversidade e aos meliponários, que vêm sofrendo perdas significativas. “É impossível e inviável o uso de agrotóxico e a conservação das abelhas”, afirmou. E questionou: “Como que nós, enquanto sociedade, permitimos que uma substância que pode causar um dano para nossos filhos, para nossos pais, para nossos avós possa ser simplesmente utilizada, chancelada pelo poder público e com campanha com um recurso público para a manutenção da sua utilização?”

Ele apontou a necessidade urgente de revisão do método e paralisação de sua utilização, bem como a abertura de amplo debate com a sociedade civil, organizações não governamentais, representações dos meliponicultores, órgãos públicos de saúde e de meio ambiente para a promoção de outras estratégias mais ecológicas de controle.

Conflitos no campo

Alan Tygel, da Campanha Contra os Agrotóxicos, destacou que o avanço da fronteira agrícola no Brasil está diretamente relacionado ao aumento dos conflitos no campo. Segundo ele, a expansão do agronegócio impulsiona disputas territoriais e aprofunda violações de direitos.

Tygel apresentou dados que evidenciam o crescimento acelerado da produção agrícola voltada ao modelo do agronegócio. “A área plantada de soja mais do que dobrou nos últimos 20 anos. Teve um salto de 22 mil hectares em 2006 para 47 mil hectares em 2025, e aliado a esse crescimento está o aumento no consumo de agrotóxicos”, explicou.

Outro fator que consolida e estimula o que ele define como uma verdadeira guerra química são as isenções fiscais concedidas aos agrotóxicos, que impulsionam tanto a produção quanto o consumo dessas substâncias. “Apenas de janeiro a setembro de 2024, empresas de agrotóxicos deixaram de recolher R$ 13,5 bilhões em impostos. Entre as dez empresas que tiveram maior volume de isenções, cinco são fabricantes de agrotóxicos (Syngenta, BASF, Corteva, Bayer e UPL) e duas são fabricantes de fertilizantes (Yara e OCP)”, afirmou.

Além disso, o agronegócio tem se utilizado de tecnologias para arma química. De acordo com dados do relatório “Conflitos no Campo” da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2024 foram identificados que, dos 276 conflitos envolvendo agrotóxicos, 87% se referem à pulverização aérea e 27 destes se tratam especificamente de pulverização utilizando drones. 

Diante desse cenário, Alan ressaltou a importância de abordar o tema com profundidade. “Sem enfrentar a questão dos agrotóxicos, não existe agroecologia. Essa é uma formulação central para compreendermos os limites e desafios para o desenvolvimento da agroecologia no país”. 

Ele pontuou ainda que as conquistas visíveis na Feira Nacional da Reforma Agrária são fruto de uma luta intensa, que poderia ser menos desigual se os incentivos públicos fossem direcionados à agricultura familiar e às tecnologias que a sustentam. 

“Toda essa lindeza que estamos vendo aqui na feira é fruto de luta. E não precisaria ser uma luta tão grande assim, se ao invés do direcionamento de R$ 20 milhões em incentivo fiscal aos agrotóxicos, investíssemos em maquinário adaptado para a agricultura familiar, em pesquisa, bioinsumos, compostagem — enfim, em todas as tecnologias que defendemos. É por isso que estamos aqui, realizando essas atividades.”

Ele frisou a importância da ampliação da articulação e mobilização das organizações e movimentos em defesa da vida, em defesa da implementação do Programa Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pronara), bem como, pela proibição da pulverização aérea no Brasil. Além de fortalecer a Campanha como ferramenta de luta da classe trabalhadora contra o agronegócio. 

Ao final, Fran Paula disse que a luta contra os agrotóxicos e pela vida no Brasil é uma luta por justiça social. “Isso perpassa muito pelos caminhos da promoção da saúde, da alimentação saudável, da produção e do consumo desses alimentos. Ter ações de solidariedade que mobilizem campo e cidade é também uma luta por um projeto político de alimentos livres de agrotóxicos transgênicos e também acessível a toda a população”.

* Editado por Mariana Castro