Perfil
Delfino José: amor à terra e realização na luta
Pela primeira vez à Feira da Reforma Agrária, a história de Delfino mescla a história do próprio MST

Por Flora Villela
Da Página do MST
Em 1984, no município de Cascavel (PR), pouco mais de 100 pessoas fundaram o que hoje é um dos maiores movimentos sociais do mundo, e o maior do Brasil. Nascia ali o MST. Nessa caminhada, muitos companheiros e companheiras estiveram com o Movimento desde seus primeiros anos. É o caso de Delfino José Becker, um dos fundadores do movimento na região Oeste do Paraná, que se aproximou da luta em 1986. Na época, já ligado à pastoral da juventude da Igreja Católica, ele conta ter conhecido a realidade do povo brasileiro e se aproximado do MST por meio de um amigo.
“Em 86, fui visitar um companheiro acampado à beira da BR, próximo a Cascavel. Assim, a gente começou a fazer parte dessa caminhada do MST. Ainda em 86, ocupamos uma fazenda na região Oeste, onde eu fui aprender sobre o Movimento e a luta pela terra”, relata ele. Nesse mesmo período, um ano após o primeiro congresso, em 1985, o Jornal Sem Terra recebia o prêmio Vladimir Herzog.
Foi um momento de grandes disputas e crescimento do MST no estado, mas a terra ocupada por Delfino não foi destinada à Reforma Agrária. “A gente não conseguiu área ali; a disputa foi muito grande na região Oeste.” Nesse início, compunham as bases do Movimento trabalhadores rurais privados do direito de produzir alimentos para suas famílias. Eram migrantes, posseiros, atingidos por barragens e agricultores familiares, como foi o caso de Delfino.
Filho de pequenos agricultores, ele lembra as múltiplas promessas políticas de Reforma Agrária, que não se cumpriram. “Como não tinha perspectiva de comprar terra nem naquele período nem hoje, me aproximei da luta. Cheguei em casa depois, e o meu pai falou: ‘Não, acho que comprar nós não conseguimos. Se quiser ir, vai ter apoio’.” Assim, ele seguiu para uma ocupação no município de Querência. O ano era 1988.
Famílias das cinco regiões do estado ocuparam uma fazenda improdutiva de mais de 10 mil hectares. Enfrentaram jagunços, polícia e o interesse do município, mas, por fim, conquistaram o tão sonhado pedaço de chão. Em 1990, o segundo congresso do movimento já reunia, em Brasília, 5 mil delegados dos 19 estados em que o MST estava organizado e definia como lema “Ocupar, resistir e produzir”.
“A gente conseguiu ocupar e resistimos lá. Em 92, antes da emissão de posse, conseguimos a primeira escola. Para nós, no Movimento, a educação é tão importante quanto a terra. E essa conquista foi boa porque estimulou as famílias a terem mais resistência; já tínhamos os filhos estudando na escola”, relembra Delfino.
Em 1995, ele conquista a terra, com o assentamento definitivo das famílias. O Movimento segue ocupando e assentando famílias no noroeste do Paraná. Delfino conta que “no total, são mais de 10 latifúndios ocupados na região noroeste; foi o período em que avançamos muito”.
Apesar de se alegrar pela conquista, ele recorda também os momentos difíceis que passou, ao ser despejado com muita violência e preso duas vezes. Mesmo com os maus momentos, ele nunca se deixou abater e reforça que a terra é um sonho do qual o Sem Terra nunca desiste. “É o sonho da terra, o sonho da Reforma Agrária. É por gostar da agricultura também, por gostar da terra.”
Participando de sua primeira Feira da Reforma Agrária – embora seus produtos já tenham estado nas últimas duas –, ele afirma, sem titubear, que a luta vale a pena.
“A luta pela terra traz dignidade, traz espaço para produzir a sua subsistência e vender o excedente, e possibilita também espaço para os filhos crescerem num lugar saudável. Os assentamentos são um espaço bom de se viver.”
Hoje, o MST está presente em todo o território nacional, consolidou 160 cooperativas, 190 associações e 120 agroindústrias de pequeno e médio porte. Como a família de Delfino, mais de 50 mil famílias Sem Terra implementam, atualmente, práticas agroecológicas. E, assim como ele, a partir da luta, o movimento conseguiu assentar 400 mil famílias.
Seu lote conta com uma área de agrofloresta de espécies nativas, produção de frutas, gado de corte e leite, arroz e a produção de maracujá do filho. E ele comemora a possibilidade de trazer seus produtos – as variedades de arroz preto carnaval e arroz agulhinha vermelho – a São Paulo. “Trazer o excedente em âmbito nacional é muito interessante. Você traz mais do que alimento; traz saúde, está ofertando um alimento de qualidade para a população urbana e fazendo esse intercâmbio entre campo e cidade.”
Com os dois filhos já criados e formados na faculdade, ele se orgulha de compartilhar essa história com o MST e se diz realizado. “Tudo aquilo que era sonho desse jovem Delfino, filho de pequena agricultora, virou realidade. Conquistei a terra, conquistei a família, tenho dois filhos, os dois fizeram faculdade. A mais velha fez Engenharia Agrícola. O mais novo está fazendo Agronomia para tocar a sucessão do lote. Então, me sinto um Sem Terra realizado.”
*Editado por Fernanda Alcântara