PL de Morte
PL da Devastação quer libera geral, que deve ampliar crise ambiental e devastação dos biomas
Jornada Nacional em Defesa da Natureza do MST repudia PL da Devastação e defende a soberania alimentar e a agricultura camponesa, no enfrentamento à crise ambiental

Por Fernanda Alcântara e Solange Engelmann
Da Página do MST
Após o dia 21 de maio, o tema do meio ambiente voltou aos jornais da grande mídia a partir da aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”. Com 54 votos a favor e apenas 13 contra, a proposta que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no Brasil segue agora para a Câmara dos Deputados, onde será decidido se chegará às mãos do presidente Lula para sanção ou veto.
A medida representa uma mudança radical na forma como o país lida com a proteção ambiental. Isso porque o projeto transforma profundamente o licenciamento ambiental brasileiro. A nova regra permite que empreendimentos obtenham licenças de forma quase automática, baseadas apenas na autodeclaração dos interessados, sem a exigência de análises técnicas detalhadas. Apenas atividades consideradas de “alto risco” escapariam dessa simplificação — uma exceção que, segundo especialistas, é frágil e insuficiente.
Caso seja aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo presidente Lula, o PL representa um retrocesso em relação à segurança ambiental e mitigação da crise ambiental, enfatiza o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. Segundo ele, o PL da Devastação elimina, justamente a segurança e os instrumentos necessários para cuidar do meio ambiente no Brasil, além de ir contra a Constituição Federal de 1988.

É um projeto que agride várias legislações, inclusive a Constituição, e torna mais difícil para o Brasil alcançar seus compromissos ambientais, porque com ele você perde um instrumento importante para estabelecer regras e fazer cumprir as legislações. Na prática, cria-se uma espécie de anarquia no licenciamento no Brasil, onde verificar o dano de um projeto passa a ser exceção. A regra é liberar tudo para quem quiser”, denuncia Astrini.
Ele explica ainda que o PL conta com mais de uma dezena de pontos inconstitucionais, inclusive que já foram julgadas pelo Supremo, como, por exemplo, isentar a agropecuária de grande escala do processo de licenciamento. “Isso já foi deliberado no Supremo, é inconstitucional, assim como o licenciamento para obras de médio porte. Já existe uma decisão do Supremo sobre isso. O licenciamento é obrigatório apenas para obras de pequeno porte, com baixo impacto poluidor, baixo impacto ambiental, baixa capacidade poluidora — e ainda depende da localidade”, resume.
Destruição dos Biomas
A aprovação do PL da Devastação vai contra a defesa dos bens comuns da natureza e do meio ambiente que está na pauta de luta dos movimentos sociais do campo e, que o MST tem incorporado como um elemento central à luta pela Reforma Agrária, a partir do início dos anos 2000.
“Em todos os Estados nós estamos vivendo um grande impacto na questão ambiental, que está na centralidade da luta, do movimento. Em todas as lutas temos colocado essa questão e feito muitos enfrentamentos, nas assembleias legislativas, a partir das denúncias, nas marchas, nas ruas, nos debates, nos diferentes espaços. Temos nos posicionado contra esse projeto de lei e também contra as mazelas do agronegócio, que vem avançando não só a partir de Brasília, mas também nos nossos estados”, explica a dirigente nacional do MST no Mato Grosso, Devanir Oliveira de Araújo.
Quanto ao estado do Mato Grosso, a dirigente do MST relata que os impactos do PL serão imensos, pois o MST no estado conta hoje com 32 assentamentos de Reforma Agrária no bioma do Cerrado e 11 assentamentos no bioma Amazônico.
“Essa lei vai atingir diretamente as famílias que estão nesses territórios. Temos um total de 1.263 famílias assentadas em seis municípios do estado, só no bioma amazônico; e assentamentos em 21 municípios, que somam um total de 3.413 famílias assentadas também no bioma Cerrado. Isso atinge diretamente as nossas famílias que estão no desafio de produzir a agroecologia no enfrentamento e combate aos agrotóxicos, pelos grandes latifundiários e monocultivos. Na prática, isso acelera a destruição dos biomas“, resume.

Entre as mudanças mais preocupantes está a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite o licenciamento automático mediante simples preenchimento de formulários. Na prática, desaparecem a obrigatoriedade de estudos de impacto ambiental e a definição de medidas compensatórias, transferindo para o empreendedor uma responsabilidade que antes cabia a órgãos técnicos.
“Assim, perde-se o instrumento do licenciamento ambiental, que serve justamente como um instrumento de regulação do Estado, para o setor privado, principalmente; mas também para obras do setor público. Com esse descontrole ou com falta de regras, podem surgir impactos por conta do desejo individual do empreendedor. Você prioriza o desejo do empreendedor em detrimento da salvaguarda do coletivo, do interesse público”, analisa Astrini.
O texto ainda reduz drasticamente o poder de fiscalização do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), incluindo o CONAMA e órgãos estaduais. Em uma das mudanças mais controversas, empreendimentos em unidades de conservação poderão ser licenciados sem a análise prévia do ICMBio, abrindo caminho para a exploração econômica em áreas protegidas.
Impactos sociais e ambientais
As consequências podem ser devastadoras para territórios indígenas e quilombolas, especialmente aqueles em processo de demarcação. Com a nova lei, setores como o agronegócio e a mineração ganham terreno para expandir suas atividades sobre essas áreas, sem os entraves anteriores.
O agronegócio é um dos grandes beneficiados. O PL da Devastação isenta diversas atividades agropecuárias do licenciamento ambiental, substituindo-o por meras autodeclarações — um presente para a bancada ruralista, mas um risco imenso para biomas já sob pressão.
Para completar, uma emenda de última hora, proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, criou a Licença Ambiental Especial (LAE). Esse dispositivo permite ao governo acelerar projetos considerados “estratégicos”, mesmo quando representam claros riscos ambientais — como a polêmica exploração de petróleo na foz do Amazonas.
Marcio Astrini considera que a Licença Ambiental Especial (LAE) cria outro problema grave, porque elege por decisão política e preferência de interesses sobre que obras vão tramitar no processo de licenciamento. “Isso foge totalmente à técnica. Você vai ter obras que recebem facilidades no processo de análise por uma decisão política. Assim, retira-se toda a salvaguarda técnica para evitar emissão de gases, dano ambiental, dano as comunidades, dano ao ecossistema. Se tira isso da equação, e o que vale é a decisão política.”
Na visão do secretário-executivo do Observatório do Clima, isso também é perigoso porque pode abrir mais espaço para a corrupção, se tornando um privilégio para alguns, já que o critério de escolha passa a ser meramente subjetivo. “Isso tem um endereço certo: a exploração de petróleo na Amazônia, na foz do Amazonas. É um desejo de um parlamentar, que colocou seu interesse individual dentro de um projeto de lei. É um absurdo. Mas, infelizmente, vivemos vários absurdos nessa votação do PL.”
Enquanto o governo celebra a “agilidade” que o PL traria ao desenvolvimento econômico, ambientalistas alertam: o preço pode ser a destruição acelerada de ecossistemas vitais e o desmonte de décadas de políticas ambientais. O Brasil parece ter escolhido um caminho perigoso — e as consequências podem ser irreversíveis.
Impactos da BR 319

Marcio Astrini também alerta que o PL pode afetar os compromissos do Brasil, impactando nas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente nos setores de agropecuária e infraestrutura, aumentando as emissões desses gases. “Um exemplo bem claro é a BR-319 [uma rodovia federal de 870 quilômetros, que liga Manaus, do Amazonas à Porto Velho, Rondônia. A rodovia atravessa uma parte intocada da floresta amazônica]. O problema da pavimentação da BR é que a estrada vai acrescentar mais desmatamento por onde passar. Para que não ocorra desmatamento, é preciso tomar uma série de medidas e essas medidas não estão previstas na obra.”
Portanto, caso o PL da Devastação seja aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pelo Presidente Lula, o órgão licenciador não terá mais o papel de fiscalizar e evitar os impactos indiretos da rodovia BR 319 e de outras rodovias, que geram desmatamentos e impactos ambientais negativos pelo país. “O único impacto calculado [com o PL] é o causado por onde passa o asfalto, e não as consequências do aumento do desmatamento naquela região. Então, você terá licenciamentos que não consideram os impactos totais da obra. Isso pode causar mais poluição, contaminar um rio, gerar problemas de saúde pública, aumentar o desmatamento, agredir uma unidade de conservação ou uma terra indígena, resultando em mais desmatamento, mais poluição e emissões de gases de efeito estufa”, projeta Astrini.

O fim do licenciamento ambiental também pode afetar as áreas de Reforma Agrária, especialmente em relação à grilagem, ao avanço do agronegócio e à regularização de territórios ocupados por famílias Sem Terra. Nesse sentido, Devanir aponta que a “Jornada Nacional em Defesa da Natureza” deste ano repudia o PL da Devastação, e anuncia a necessidade da defesa da soberania alimentar e da agricultura camponesa, como um desafio no enfrentamento à crise ambiental.
“O MST defende o desmatamento zero, constrói a agroecologia, e o cuidado com os bens comuns da natureza; por isso pautamos o tema da questão ambiental, porque é transversal. E na semana do 5 de junho, nos colocamos nas ruas, nos debates, na relação com a sociedade, para dizer não a esse projeto de morte, não aos agrotóxicos. E anunciar nosso projeto de vida, da agroecologia e a necessidade de plantar árvores e produzir alimentos saudáveis, também como condição para a continuidade dos seres vivos e do planeta”, aponta Devanir. E complementa: “A questão ambiental é, acima de tudo, uma questão imprescindível para que a gente possa viver com dignidade, no campo ou na cidade”, conclui.