Combate à fome
Cozinha da Asmare celebra um ano de almoço gratuito para catadores no Centro de BH
Iniciativa junto ao MST busca zerar a fome de catadores a partir da cooperação entre trabalhadores do campo e da cidade

Por Agatha Azevedo
Da Página do MST
Mais de sete mil refeições em um ano para os catadores e catadoras de materiais recicláveis de Belo Horizonte. Foi esse o número apresentado pelo MST e pela Associação de Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis (Asmare) na última quarta-feira (02), em encontro que celebrou o aniversário da Cozinha Solidária Maria Brás, no centro da capital.
Essa cozinha é uma experiência inédita de cooperação para garantia do direito à alimentação, à renda e ao meio ambiente. Unimos os alimentos das Cooperativas da Reforma Agrária que não usam agrotóxicos, recuperam áreas degradadas e protegem a biodiversidade à demanda alimentar de catadores na cidade que reciclam toneladas de resíduos todos os dias e evitam a contaminação de solos e águas”, explica um dos coordenadores da cozinha, Bernardo Vaz.
As refeições são feitas por cozinheiras do MST no galpão da Asmare todas as quartas e quintas-feiras. No cardápio há arroz orgânico, feijão, legumes e verduras agroecológicos e carnes. “É uma forma de garantir alimentação digna aos 120 catadores da Asmare com impactos diretos na saúde, renda e qualidade de vida”, completa Vaz.

A fundadora da Asmare e catadora, Maria das Graças Marçal, conhecida como Dona Geralda, ressalta que a fome é uma realidade nos galpões de reciclagem. “Tem dia que o preço do material reciclado está um valor, no outro dia já despencou. E quando o valor cai, é a comida que some de casa. Aí vem a fome, vem a doença, tudo aquilo que a gente batalha há tanto tempo para vencer. Por isso essa cozinha é uma conquista enorme para Asmare e para todos os catadores”, conta.
Atualmente, um catador que precisar almoçar na região central de Belo Horizonte paga, em média, R$ 20 por marmita, preço inviável para muitos. A Cozinha da Asmare consegue fornecer as refeições gratuitas a um custo de produção de R$ 5,75 por refeição, valor que é coberto com recursos da Asmara e do MST, que contam com alimentos doados pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e pelas cooperativas do MST.

Resposta ao retorno da insegurança alimentar
De acordo com os dados mais recentes, de 2022, os percentuais de insegurança alimentar em Belo Horizonte são semelhantes aos registrados em escala nacional, sendo a insegurança alimentar leve presente em 30,1% dos domicílios, a moderada em 12,4% e a grave em 13,2%. Os dados são da pesquisa “Retrato da situação de segurança alimentar e nutricional em Belo Horizonte”, coordenado pela Freie Universität Berlin em parceria com a UFMG, IFZ, CEM/USP e a Subsecretaria de Segurança Alimentar da Prefeitura de BH.
A pesquisa aponta o recorte de raça: enquanto 48,8% dos domicílios chefiados por uma pessoa branca estão em situação de segurança alimentar, no caso de pessoas pardas esse dado cai para 42,7%; e, de pessoas pretas, 31,6%.

“De 2016 a 2023, o Brasil enfrentou desafios significativos relacionados à fome, pobreza e miséria, com desmontes e retrocessos nas políticas públicas. Houve um aumento da fome e da insegurança alimentar, especialmente durante a pandemia de COVID-19,” lembra Silvia Contreras, do Conselho Municipal de Segurança Alimentar de Belo Horizonte (COMUSAN).
Nesse contexto, a professora da UFMG e pesquisadora da Faculdade de Medicina no Observatório de Saúde Urbana (OSUBH), Elis Mina Seraya Borde, ressalta a importância da iniciativa. “A Cozinha na Asmare contribui de forma significativa para a garantia da segurança alimentar em Belo Horizonte ao oferecer alimentação saudável e regular aos catadores, criando também um espaço de cuidado e dignidade, onde os trabalhadores podem descansar e se alimentar com respeito. A iniciativa preenche lacunas deixadas pelas políticas públicas de segurança alimentar e nutricional voltadas a esse setor historicamente invisibilizado, e não se limita a prover qualquer alimento, mas refeições com ingredientes de qualidade, sem agrotóxicos”, ressalta.
Movimento quer fornecer almoço de segunda a sexta-feira
De acordo com o MST, o objetivo agora é ampliar a distribuição de dois para cinco dias da semana e valorizar o trabalho das cozinheiras. Para tal, o Movimento projeta um custo anual de R$ 240 mil, considerando a distribuição gratuita de refeições de segunda a sexta-feira, para 120 catadores associados. O que representa um custo unitário de produção de apenas R$8,50.


Durante a celebração de um ano de cozinha, o MST e a Asmare convidaram instituições com as quais já dialogam sobre o projeto, como o Ministério Público, o Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH) da UFMG, o curso de Nutrição da UFMG, a Cataunidos, a RedeSol, o Insea, a Prefeitura de BH e parlamentares da capital. “Os valores apresentados cabem no orçamento dos órgãos do Estado que estão presentes — seja da Prefeitura, seja do Governo Federal. É pouco dinheiro para um impacto enorme”, afirma Priscila Araújo, coordenadora da Campanha Mãos Solidárias em Minas Gerais.
Eduardo Dumont, superintendente da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) em Minas Gerais, também esteve presente na celebração. “O Governo Lula já tirou o Brasil do mapa da fome uma vez e estamos fazendo isso novamente. Essa cozinha já tem o apoio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e vamos apoiar ainda mais, buscando ampliar as parcerias junto à CONAB de outros estados e ao CEASA-MG”, disse.
A cozinha e o refeitório estão localizados no galpão da Asmare, região central de Belo Horizonte, na Avenida do Contorno, 10.555. As refeições aos catadores e catadoras associadas são servidas das 12h às 13h30.
*Editado por Solange Engelmann