Diversidade
“Continuamos existindo”: Festa Camponesa é símbolo de resistência em Rondônia
Durante três dias, a oitava edição da Festa levou para Jaru toda a diversidade e riqueza dos povos tradicionais

Por Janelson Ferreira | MST/Via Campesina
Da Página do MST
Entre os dias 27 e 29 de julho, a oitava edição da Festa Camponesa, em Jaru, Rondônia, chamou atenção pela diversidade de sujeitos, alimentos, sementes, artes e expressões que apresentou. Com o lema “por ecologia integral e justiça climática”, a Festa, organizada pela Via Campesina, buscou chamar atenção para o papel dos povos tradicionais no enfrentamento, por meio de suas culturas, à crise ambiental.
“Queremos demonstrar que não há possibilidade de superar a crise climática e ambiental de forma individual, muito menos pelo mercado”, afirmou Leila Meurer, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Segundo Meurer, a 8ª Festa buscou afirmar que a agricultura camponesa e sua grande diversidade, valores e projeto de suas organizações, traz consigo a possibilidade de superação da crise ambiental e, sendo integral, está aliada a uma proposta também junto às cidades.
Ao todo, mais de 600 militantes da Via Campesina se envolveram na construção da Festa. 11 estados brasileiros estavam representados, além da participação de organizações populares da Venezuela, Colômbia e Bolívia. Além disso, a feira agroecológica que ocorreu durante a atividade contou com trinta bancas de alimentos e artesanatos, produzidos a partir do trabalho de camponeses, indígenas e ribeirinhos na Amazônia.
De acordo com Beatriz Buffon, da direção nacional do MST, a atividade resgata símbolos e valores históricos dos povos tradicionais como forma de se evidenciar a existência destes.
Queremos mostrar que continuamos existindo e seguiremos construindo meios de fortalecer o diálogo entre os povos tradicionais, mas, também, com a cidade”, afirmou Buffon.
Durante os três dias, a Festa Camponesa apresentou à população de Jaru, debates em torno da crise ambiental, rodas de conversa sobre, entre outros temas, como agroecologia, saúde mental e desafios da juventude, além de oficinas práticas sobre açúcar mascavo, apicultura, recuperação de nascentes e demais. Pelas noites, diversas apresentações artísticas e musicais presentearam a cidade de mais de 50 mil habitantes com a pluralidade cultural dos povos tradicionais.
Além dos adultos, 60 crianças participaram da Ciranda Camponesa, contando com a colaboração de 27 cirandeiras e cirandeiros.
Troca de sementes crioulas reforçam povos tradicionais como guardiões
Na tarde do dia 28, todas as atenções de quem estava na Festa voltaram-se para a, já tradicional, troca de sementes crioulas. Neste ano, o momento contou com cerca de 300 variedades distintas de sementes. Um destaque especial foi o feijão carioca, cultivado e melhorado há mais de 40 anos por famílias camponesas, símbolo de resistência e preservação das sementes crioulas.
Na troca de sementes se encontram variedades que, às vezes, a família já havia perdido, ou estava com intenção de buscar, para multiplicar e garantir a possibilidade de seguir produzindo alimentos”, apontou Leila Meurer.
De acordo com a militante, a troca é uma forma de fortalecer a biodiversidade como caminho para construção e garantia da soberania alimentar.
O crescimento do uso de sementes geneticamente modificadas, em paralelo à crescente extinção das sementes crioulas, é denunciado pela Via Campesina. Segundo dados da ONU, 75% da diversidade de sementes foi perdida no século passado. Estima-se que mais de 95% da soja cultivada no país seja a partir de sementes transgênicas, seguida pelo algodão e pelo milho, com 89% e 88%, respectivamente. Isto faz com que o agronegócio seja o principal vetor de expansão de sementes transgênicas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, já se sabe que os transgênicos podem causar alguns riscos à saúde humana.
Para Beatriz Buffon, este contexto demonstra que a troca de sementes também é um momento de denúncia. “Queremos mostrar na prática uma diversidade e riqueza que o agronegócio jamais terá, pois, enquanto eles buscam padronizar as sementes, por meio dos transgênicos, e, com isso, destruir a natureza, estamos aqui mostrando que somos os verdadeiros guardiões das sementes e do meio ambiente”, aponta.
Café Camponês levou comida de verdade para Jaru
“Estamos vendo que a fome é uma arma de guerra, uma realidade concreta em Gaza, na Palestina”, apontou Leila Meurer, durante a abertura do Café Camponês. “Vivemos a triste realidade da fome e da má alimentação baseada em ultraprocessados que adoecem e causam sequelas e morte”, denunciou.
Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), toda a população de Gaza está em risco de fome extrema.
Gaza é o lugar mais faminto do mundo. (…) 100% da população está em risco de fome extrema”, afirmou o porta-voz da OCHA, Jens Laerke.
Para mostrar que é possível superar esta realidade, na manhã do domingo, 29, o Café Camponês chamou atenção da população de Jaru. Desde a madrugada, a militância da Via Campesina preparava os pratos para servir no Café. Ao amanhecer, mais de uma tonelada de alimentos, com 38 tipos de comida, já estavam prontos para serem compartilhados. Em volta das mesas, centenas de pessoas puderam apreciar, gratuitamente, toda a riqueza dos alimentos camponeses.
“Materializamos na mesa o que defendemos politicamente”, pontuou Beatriz Buffon. “Almejamos esta fartura para todas as pessoas, que todas possam ter acesso a alimento saudável e diverso”, afirmou.
Para Meurer, o café foi um momento de apresentar a diversidade de alimentos que geram saúde, sem ultraprocessados, alimento de verdade. “O café é a prova de que temos a capacidade de produzir para alimentar, o que nos falta é o investimento necessário, as condições concretas – acesso à terra, o direito de produzir incentivo para produção e acesso à bioinsumos”, destacou.
*Editado por Solange Engelmann