Resistência LGBTI+

LGBTI+ da Via Campesina apontam os principais desafios na defesa do “corpo-território”

Sediado na ENFF, 4º Seminário LGBTI+ da Via Campesina Brasil terá atividades formativas que se estendem até o próximo domingo

 Pandeiro, maracá e passos de dança populares deram o tom da abertura das atividades. Foto: Maria de Quadros.

Por Wesley Lima e Anthony Luíz 
Para a Página do MST

O frio de nove graus na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), não esmoreceu a animação dos movimentos e organizações do campo, das águas e das florestas, no primeiro dia do 4º Seminário LGBTI+ da Via Campesina Brasil. 

Iniciado na última quarta-feira (17), o Seminário visa construir um espaço de estudo, reflexão e projeção de um conjunto de ações que vão nortear a Via Campesina na construção das lutas no atual contexto político e econômico na América Latina.

O colorido das bandeiras, o tambor, o pandeiro, o maracá e os passos de dança populares do povo em luta e resistência no Brasil deram o tom da abertura das atividades formativas que se estendem até a próximo domingo (20). 

O evento inclui debates sobre temas como “Corpo-Território na Diversidade Sexual e de Gênero”, “Desafios e Perspectivas na Construção de Políticas Públicas” e “Ancestralidade e Bem Viver”. Estão previstos ainda espaços de autocuidado e de fomento à auto-organização da população LGBTI+, buscando ampliar a visibilidade das experiências e desafios enfrentados pelos sujeitos LGBTI+ no campo, nas águas e nas florestas. 

O 1º Seminário Nacional LGBTI+ na Via Campesina Brasil foi promovido em julho de 2021, virtualmente, a fim de elaborar sobre os desafios da luta pelo território, pela terra e soberania alimentar, por meio de uma leitura comum sobre a conjuntura e os impactos dela na vida das LGBTI+.

Quatro anos após a sua realização, os desafios em torno da organização desse debate na Via Campesina e a urgência da defesa dos corpos-territórios seguem na ordem do dia.

Dê Silva, integrante do Coletivo LGBTI+ da Via Campesina, explica que o principal objetivo deste seminário é construir o exercício de estudo, reflexão e projeção de ações organizativas, dentro da Via Campesina, que possa seguir fortalecendo processos de luta. “Os passos que daremos na estruturação desse debate na Via serão do tamanho da nossa capacidade de se organizar”, afirma.

Violência e perspectivas de luta

Primeira mesa de estudo do Seminário trabalhou o tema “Análise de conjuntura atual e os desafios da luta LGBTI+ na política nacional e internacional”. Foto: Maria de Quadros.

A primeira mesa de estudo do Seminário trabalhou o tema “Análise de conjuntura atual e os desafios da luta LGBTI+ na política nacional e internacional” e foi mediada por Cássia Bechara, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Coordenação Política-pedagógica da ENFF. A mesa contou com a participação de Cony Oviedo, da Coordenação Latino-americana do Campo (CLOC) – Via Campesina e Alessandro Mariano, chefe de gabinete na Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). 

Bechara explica que esse momento de reflexão sobre a Conjuntura auxilia na compreensão de como o atual momento social e político está sendo determinado por elementos estruturais a nível internacional que “nos atravessam e se combinam”. “Os elementos não são necessariamente novos, mas é importante serem retomados para um nivelamento”, analisa.

Cássia Bechara, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Coordenação Política-pedagógica da ENFF, mediou a mesa de abertura. Foto: Maria de Quadros.

Para a coordenadora, a América Latina atravessa um conjunto de crises que tem atuado de maneira combinada. A crise estrutural do capitalismo, elemento de análise já sinalizada pelos movimentos e organizações da Via Campesina há um tempo, estrutura o debate, levando em consideração a perspectiva do seu modelo de produção, conectada com o acirramento de uma crise econômica social, a crise ambiental e a crise geopolítica.

Além disso, a análise de conjuntura abordou um conjunto de fatores que impactam diretamente o mundo do trabalho contemporâneo, com foco na precariedade, na superexploração, na lógica do empreendedorismo fragmentando as perspectivas de um processo de reconhecimento de classe e a informalidade. 

“Corpo-território” e as crises do capitalismo

Elementos que apresentam como base para compreensão da violência e seus impactos no “corpo-território”, levando em consideração o aumento da fome, do crescimento do pensamento fundamentalista e a ausência de um projeto popular para o país. 

4º Seminário trará debates sobre temas como “Corpo-Território na Diversidade Sexual e de Gênero”, “Desafios e Perspectivas na Construção de Políticas Públicas” e “Ancestralidade e Bem Viver”. Foto: Maria de Quadros.

Cony Ovyedo chama atenção para essas crises e para como elas impulsionam golpes de Estado em toda América Latina. “Esses golpes foram fundamentais para a ascensão da extrema direita em nosso continente”, observa. 

“A forma de conter as crises do capitalismo é com violência extrema. Seja nos territórios, seja nos corpos. E essa violência tem se aprofundado nos territórios, por conta do avanço do agronegócio, hidronegócio e mineração, que estão posicionados como as bases fundantes da violência nos territórios camponeses, por representarem as fronteiras de exploração dos bens naturais no capitalismo”, avalia Ovyedo.

Ela destaca ainda que a violência territorial criminaliza as lutas, amplia a perseguição, ameaças, prisões e assassinatos. “A disputa que há nos territórios é patriarcal, colonial, LGBTfóbico, machista. E somos as organizações que viemos historicamente defendendo os territórios. E viemos combatendo as empresas transnacionais que vem extraindo nossas riquezas”, afirma.

Bechara aponta como “centro da luta de classes na atualidade”, a luta ideológica, tendo como pontos centrais a “não anistia para os que tentaram dar um golpe de Estado no Brasil, além de planejarem os assassinatos do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes; o fim da escala 6×1; e a reforma tributária e taxação das grandes fortunas”. 

Ao analisar o Governo Lula e os desafios do atual momento político, Alessandro Mariano destaca que segue em curso um “desmonte das políticas públicas dos povos do campo, das águas e das florestas”. 

Quarta edição do Seminário é sediada na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP). Foto: Maria de Quadros.

“Hoje temos um Congresso que detém 51% do orçamento da União, determinado pelos deputados onde são gastos. O MDA tem 80% menos orçamento, quando comparado ao período anteriores ao Golpe de 2016″, aponta.

O chefe de gabinete afirma ainda que “tem sido histórico o que estamos construindo aqui e, por isso, continuaremos fomentando processos de auto-organização através das políticas públicas já em curso para a população LGBTQIA+ do campo, das águas e das florestas, para que a vivência da cidadania plena seja uma conquista de todas as pessoas”.

Via Campesina

A Via Campesina é uma organização internacional que contribui no alinhamento de um conjunto de lutas com camponesas, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas e negras da Ásia, África, América e Europa, da qual o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) faz parte.

Uma das principais ações estratégicas da Via Campesina é a defesa da soberania alimentar, como o direito dos povos de decidir sobre sua própria política agrícola e alimentar. Isto inclui: prioridade para uma produção de alimentos saudáveis, de boa qualidade e culturalmente apropriados, para o mercado interno. É fundamental, portanto, manter um sistema de produção camponês diversificado (biodiversidade, respeito à capacidade produtiva das terras, valor cultural, preservação dos bens naturais).

No Brasil, essas lutas ganham corpo nas estratégias de vários movimentos e organizações sociais, como o MST, e outras organizações tais quais: Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Movimento de Mulheres Camponeses (MMC), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), entre outras organizações populares.  

*Editado por Pamela Oliveira