Romper cercas

Pastoral da Terra divulga Carta produzida em V Congresso Nacional

Mais de mil pessoas participaram do V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra, entre 21 e 25 de julho, em São Luís (MA)

Teia dos Povos do Maranhão, em agosto de 2024. Foto: Ronilson Silva – Moquibom.

Da Página do MST

O V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra foi realizado em São Luís, no Maranhão, entre 21 e 25 de julho, com o tema “CPT 50 anos – Presença, Resistência e Profecia”, e o lema “Romper Cercas e Tecer Teias: A Terra a Deus Pertence! (cf. Lv 25)”.

Conforme divulgado, o lema é foi pensado a partir dos eixos “Romper Cercas”, que trata da “necessidade e a força dos povos das terras, das águas e das florestas, de enfrentar e lutar contra a concentração fundiária, a exploração e a expropriação”, e “Tecer Teias”, enquanto “o processo de resistência que acontece de forma coletiva, alimentado pela utopia, pela fé e pela esperança de conquistar e permanecer na terra prometida“.

Cartaz de divulgação do V Congresso Nacional da CPT. Foto: Divulgação.

Para a Pastoral da Terra, o “sonho dos povos e comunidades é a autonomia, que passa longe da dependência em relação ao mercado, às instituições e ao Estado”. Ao final do evento, participantes elaboraram uma Carta. Confira na íntegra abaixo:

Carta do V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra

O jubileu será para vós coisa santa, 
E comereis o produto dos campos. (Lv, 25:12) 

Somos 1.026 pessoas que chegamos a São Luís movidas pelos ventos maranhenses para o V Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra, entre 21 e 25 de julho de 2025. Provocadas pelo sopro da sabedoria divina, celebramos 50 anos de Presença, Resistência e Profecia junto às comunidades do campo, das águas e das florestas, proclamando Romper Cercas e Tecer Teias: a terra a Deus pertence!

Viemos em romaria de todos os estados e de nossos territórios: assentamentos e acampamentos de reforma agrária, comunidades de fundo e fecho de pasto, de pé de serra, ribeirinhas, geraizeiras, indígenas, quilombolas, taboqueanas, pantaneiras, seringueiras, raizeiras… Carregamos na sola das sandálias a terra do nosso chão. 

Somos também agentes de pastoral, bispos, padres e irmãs, pajés, pais e mães de santo, pastores e pastoras, unidos em nossa decisão de lutar até as extremas consequências contra a injustiça e a opressão. 

Nós, da CPT, partilhamos em nosso jubileu da coragem de camponeses e camponesas, testemunhas vivas da profecia. Sua esperança pela terra sem males e sua firmeza nos animam e orientam. Ouvindo o seu clamor, nos comprometemos a buscar uma conversão permanente para que nossa presença seja fermento temperado com coerência. 

Nós, das comunidades, denunciamos que estamos cercadas pelas diferentes figuras do monstro do capital. Aliado ao Estado, ele “transforma a natureza em cifra”, e quer seguir nos colonizando para nos tornar mono-cultura. Resistimos ao deserto das lavouras de soja transgênica, às chuvas de veneno sobre as cabeças, às eólicas com “lâminas que rasgam o sossego”, à mineração a abrir crateras no coração da terra, ao trabalho escravo a explorar até a última gota de suor. “Para eles, somos praga; então seremos praga até destruir o agronegócio”.

Enfrentamos as cercas do latifúndio que sufoca, mata e fere nossas vidas e todas as vidas da nossa Casa Comum. “O agronegócio veio para matar o planeta e nós fazemos parte do planeta”, ainda que queiram nos expulsar. Cada árvore derrubada é nosso corpo que sangra. Cada rio poluído é o leite de nossas crianças que se contamina. Mas a poesia, a agroecologia e as sementes crioulas curam a destruição da terra. “Podem derrubar as folhas, os galhos, os troncos: nossas raízes estão profundas na nossa terra, e nela permaneceremos”. 

Nessa luta, as mulheres – maioria em nosso congresso – somos a ponte entre a ancestralidade e o futuro. Nossos corpos se alimentam da seiva do planeta. “Não temos medo de morrer, nossos descendentes são sementes plantadas na luta”. Com gritos insurgentes, ensinamos a necessidade amorosa de caminhar “ombreadas com os homens”. Profetizas da vida, não deixaremos o sonho de um mundo novo escapar. 

Com o benzimento de dona Maria Roxa, pajé Akroá-Gamella; com a unção do azeite de coco babaçu; com a cura do óleo de andiroba; com a bênção de Santa Maria Madalena, força do amor que se faz comunhão, dizemos: “Enquanto houver mulher no mundo, não vão nos vencer”. omos também juventudes que se fazem resistência e profecia: “não somos o futuro, somos o presente!”. Ao buscar dignidade, encontramos a ilusão do capital, sedução e exploração. Mas a memória dos confins sem cerca nos guia a caminhar hoje rumo ao futuro. 

Viemos de muitos lugares, das florestas à caatinga, dos pampas ao cerrado, com múltiplos modos de vida camponeses, unidos na diversidade contra um inimigo comum. Isso nos irmana e nos fortalece. Do luto fazemos luta. “Só romperemos cercas se tecermos teias”. E nossa imensa teia, colorida como nosso milho, não será destruída. Somos um grande mutirão, composto por vivos e mortos, forças encantadas e santos, águas e ventania, árvores e roça, abelhas e formigas, todos como irmãos e irmãs defendendo a criação de Deus. 

Se ainda existe o anúncio de vida em abundância, é porque seguimos existindo, resistindo – re existindo! Honramos os mártires da caminhada e reafirmamos aos poderosos e aos que querem nosso extermínio: não silenciaremos nossa dor e nossa revolta. Se caminhamos em direção ao apocalipse, lembramos que “o apocalipse de João é o Livro da Esperança: é o fim do mundo dos poderosos e início do tempo de Justiça e Paz”. 

Nestes 50 anos, evocamos Pedro Casaldáliga a gritar: “Malditas sejam todas as cercas que nos privam de viver e amar!” Seguiremos vivos e fortes, ao som dos cantos, tambores e maracás, lutando por reforma agrária popular e pela retomada dos territórios, e comemoraremos o jubileu da terra para todo o sempre! 

Upaon-Açu, Ilha de São Luís, Maranhão, 25 de julho de 2025. 

As frases entre aspas são manifestações de participantes do congresso.

*Editado por Pamela Oliveira.