Contra-hegemonia
Rompendo as cercas da comunicação: Jovana Cestille fala sobre os 44 anos do Jornal Sem Terra
Em entrevista ao MST, Jovana Cestille ressalta a importância do Jornal para a consciência de classe e hábito de leitura da juventude

Por Pamela Oliveira
Da Página do MST
Foi para romper as cercas da comunicação que, em maio de 1981, um boletim mimeografado foi criado, se tornando a gênese do que viria a ser o Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Foram 700 exemplares que deixaram o acampamento Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta (RS), para denunciar as condições do acampamento, o cerco sofrido, e angariar apoio da comunidade, de sindicatos e partidos políticos, em defesa da Reforma Agrária na região e por todo o país.

Ali, a solidariedade era também um recurso para persistir lutando, sem esmorecer, frente ao governo autoritário da Ditadura. No boletim, agradecimentos aos apoios tiveram espaço:

Em 1982, em Medianeira (PR), o boletim foi transformado em órgão oficial de divulgação de cinco estados (RS, SC, PR, SP e MS), quando começou a nascer o Movimento Sem Terra da Região Sul: um veículo de comunicação que caminhou de mãos dadas com o nascimento do próprio Movimento, demonstrando a vocação do MST para a comunicação contra-hegemônica desde o princípio.
Mais tarde naquele ano, o Boletim passou a ser datilografado e rodado pelo método off set, utilizado para grandes tiragens devido à sua velocidade e qualidade. O jornal ainda ganhou uma identidade visual própria, e alguns de seus textos vinham acompanhados de fotografias, o que não ocorria com frequência anteriormente.
E, apesar de ter sido criado no mês de maio, o mês adotado para comemorar o aniversário do Jornal Sem Terra passou a ser agosto, desde que, naquele mês em 1982, eles derrotaram o tenente-coronel Sebastião Moura, o coronel Curió, designado pelo governo militar para desarticular o acampamento Encruzilhada Natalino.
Sua transformação para formato tabloide, assim como é hoje, foi alguns anos mais tarde. Em 1984, a última edição do informativo no formato de boletim cobriu o 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, episódio de fundação do MST oficialmente. É nesta ocasião, em Cascavel (PR), que se tomou coletivamente a decisão de transformá-lo em um jornal com tiragem inicial de 10 mil exemplares, apoiando a luta pela Reforma Agrária e a conscientização da militância e da população em geral.

Com o passar dos anos, a produção do Jornal Sem Terra foi se tornando cada vez mais dedicada, com militantes destacados para elaborar, redigir, distribuir e dialogar com a população a partir do JST. Sua relevância foi tamanha para a organização, que tornou-se referência de Comunicação Popular e combativa e foi tema de pesquisas acadêmicas, que se debruçaram para compreender os efeitos e a relevância do jornal para o Movimento, os territórios e a Reforma Agrária.
É ainda dessa experiência de valorização à comunicação que, anos mais tarde, se torna possível consolidar a existência do Jornal Brasil de Fato, em 2003, fruto de uma articulação do MST e outros movimentos populares.
Entrevista
Para conhecer um pouco da experiência de trabalhar no Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, conversamos com Jovana Cestille, que atuou por anos no Coletivo de Comunicação do MST, e é assentada no Eli Vive, em Londrina, Paraná.
Na entrevista, Cestille destaca como o Jornal continua sendo uma importante forma de promover a formação da consciência de classes, em especial para a juventude, a fim de manter leitura, o estudo e os debates vivos na organização. Ela fala ainda sobre sua trajetória no Jornal e expectativa de futuro para o JST.
Confira abaixo:
Pamela Oliveira: Jovana, conte sobre sua trajetória no Jornal Sem Terra.
Jovana Cestile: O meu primeiro contato com o Jornal Sem Terra (JST) foi logo em que entrei no MST, em 1997. Nós faziamos campanhas de assinatura do Jornal, em áreas de assentamento, de acampamento. Chegava uma quantidade grande de jornal na Secretaria e nós levávamos aos acampamentos e assentamentos, para fazer uma leitura coletiva. Fazíamos debates. Então, ele sempre foi uma ferramenta de Luta.

A partir de 2000, eu comecei a contribuir mais diretamente no Setor de Comunicação, tanto escrevendo textos pro Jornal, como de outras formas. No Paraná, eram raros os meses em que a gente não incluia alguma ação que tinha ocorrido no Estado. E isso motivava ainda mais as pessoas a lerem, porque elas se reconheciam no jornal.
PO: Qual a importância hoje do Jornal Sem Terra? Como ele contribui com a organização da militância? E com a consciência de classe?
JC: O Jornal sempre teve esse legado de ser uma ferramenta de Luta, e surge como um boletim. Ele vinha para levar informação de uma área de acampamento, de ocupação, que estava cercada. Onde as pessoas não tinham acesso à informação, à ferramentas. Eram religiosos que levavam informações do acampamento para apoiadores, para sindicatos e conseguir manter uma resistência. Ele surge como ferramenta de luta, e se mantém até hoje como ferramenta de lutas.

PO: Quais as perspectivas do JST hoje e de futuro?
JC: Com o surgimento das redes sociais, isso traz uma mudança para o JST. Hoje ele quase não tem as edições impressas, mas está no site do MST. E é possível baixar, ler. E ainda, quando tem atividades específicas, ou edições específicas, são impressas pra públicos específicos… Sem Terrinhas, LGBTs, pra juventude. Então, em alguns momentos, ele vai para as atividades específicas, mas continua com suas características históricas.
O jornal traz análise de conjuntura mais ampla, aspectos e informaçoes importantes dos estados, e temas específicos, como Mulheres, Juventude, etc. Isso ajuda a fortalecer a luta, e a fornação da consciência de nossa militância.
Hoje a gente vê as pessoas muito em redes sociais, fazendo publicações, mas perdendo muito a leitura, os debates. Então, manter o JST é também continuar praticando o exercício de fazer debate, de fazer leituras, e de continuar esse trabalho junto da juventude. Não perder o hábito de leitura, e que, nos debates é que a gente avança na formação da consciência.
Então, se mantém hoje como uma ferramenta muito importante, que não pode ser esquecida. E temos que valorizar essa ferramenta de luta, e até quem está chegando hoje, que possa conhecer e valorizar essa construção coletiva do Jornal.
